Crianças no ES que passam fome sofrem com dificuldades para aprender
Médica e nutricionista explicam como a falta de comida traz sérias consequências para que elas se desenvolvam de forma sadia, sem prejuízo...
Folha Vitória|Do R7
De um lado da calçada, a realidade de uma criança que mora em um apartamento confortável, que chega da escola e come um almoço com opções variadas e que diz que não quer batata nem feijão. Do outro, uma família em um casebre, em que os filhos se viram com o que têm. E nem sempre tem.
Para as crianças, a falta de comida na mesa traz sérias consequências para que elas se desenvolvam de forma sadia, sem prejuízo cognitivo e motor, conforme explicam uma médica e uma nutricionista ouvidos pelo Folha Vitória sobre os efeitos que a insegurança alimentar pode causar no desenvolvimento infantil.
Viver em um Estado que, embora esteja longe de ser um dos com maiores percentuais de fome no país, convive com a realidade de 337 mil pessoas em situação de insegurança alimentar grave, é entender que um olhar apurado para esta realidade é mais do que necessário: é urgente.
São diversas famílias sem renda e sem acesso a condições estruturais que são consideradas básicas: água, luz, comida.
Pais e mães jovens, alguns que precisaram deixar o emprego para ficar com os filhos, outros usuários de drogas, outros prostituídos, esquecidos, vítimas e agentes da violência. Consequentemente, crianças e adolescentes que sobrevivem com pouco, quase nada.
Em uma dessas situações, no bairro Belvedere, na Serra, está Ivanilda Tavares dos Santos, dona de casa, de 38 anos, mãe de 9 filhos e gestante de cinco meses.
Sem parceiro para ajudar ou pagar pensão, a única fonte de renda fixa é o Bolsa Família, programa de assistência social. Além dele, recebe ajuda da Associação Cestas do Bem, do terceiro setor no Espírito Santo.
Apesar das dificuldades que encontra, hoje a família está em uma situação um pouco melhor e os filhos são, na maioria, assistidos pela escola onde estudam e recebem merenda escolar, tanto almoço quanto lanche.
Atualmente, seis dos nove filhos residem com ela, com exceção de duas maiores de idade, que já têm filhos, e de um filho de 17 anos que mora com o pai.
"No momento, as duas não podem me ajudar, porque têm as filhas delas, mas elas trabalham e se mantêm. Sobre a merenda escolar, meus filhos ganham almoço e lanche; mas não trazem para casa, claro, só têm acesso a isso tudo lá no colégio", acrescentou.
Quem quiser ajudar a família, pode fazer uma doação pela chave Pix: CPF 213.909.767-00, em nome da filha de 20 anos de Ivanilda, Kaylane dos Santos Gomes.
Pediatra avalia riscos que a insegurança alimentar acarreta no desenvolvimento das crianças
A médica pediatra e neonatologista, além de professora universitária, Racire Sampaio Silva, trouxe dados importantes sobre os riscos da alimentação insuficiente no crescimento das crianças.
Segundo ela, tudo começa com o aleitamento materno, que é considerado o "padrão ouro" para a alimentação infantil.
"O leite, desde o volume até a sua potencial codificação em termos de nutrientes e de qualidade, é adaptado para o recém-nascido humano. Cada mamífero vai produzir um leite específico para o seu filhote. O filhote humano deve receber idealmente o leite da mãe dele. Hoje em dia nossos incentivos ao aleitamento materno não são tão adequados, segundo a OMS, a criança deveria ser alimentada por ele até os 6 meses. A melhor fórmula para a criança é o leite da mãe, se não toma, já tem comprometimento da microbiota", iniciou.
Segundo a médica, o aleitamento materno é tão importante porque é o único alimento que se pode garantir até mesmo para pessoas em situação de vulnerabilidade social.
"Uma criança que mama pode se manter até os dois anos de idade sem a família gastar com leite e estará protegida da desnutrição. Isso é algo que precisa ser dito, é muito importante", destacou.
Na visão da especialista, se é tratado de alguém que precisa de comida, é mais fácil conseguir alguém que doe uma cesta básica do que uma fórmula para bebês, em que será necessário usar gás e água potável.
"Temos muito o que fazer em termos de pastoral da saúde, que costuma aproveitar alimentos, alguns que são jogados fora e que não precisariam ser. Muitos sacolões poderiam ser feitos, muitos Estados têm isso. A Ceasa reúne legumes e verduras com pequenos pedaços amassados ou feios e colocam em local onde podem ser distribuídos. Também poderíamos pensar em ter restaurantes populares, com comida com menor custo. Muito da comida no Brasil é jogada fora, tanto na hora que é servida, quanto transportada ou vendida", disse Racire.
A também doutora em Ciências Farmacêuticas destacou ainda a função do terceiro setor, que fornece apoio essencial a diversas crianças, sem o qual poderia haver perdas irreparáveis.
Ela apontou que uma criança com anemia tem perda de coeficiente intelectual, e, se além de não ter estímulo por estar em situação de pobreza, ainda tiver anemia, tem queda de mais de 20 pontos de Quociente Intelectual (QI) em relação àquele que não tem anemia e que é bem alimentado.
"Estes são dados da OMS de mais de 10 anos em vigor. Para as crianças não há muito o que possam fazer, a não ser serem acolhidas. E a prioridade é sempre a proteína. O que vemos muito é dar batata, macarrão, chips; é importante, mas o que não pode faltar é proteína, bem como a gordura, que é importante para a absorção de algumas vitaminas", finalizou.
"Muitas crianças e adolescentes só têm a merenda como refeição", diz nutricionista
No dia a dia das cidades, há muitas crianças que só contam com a merenda escolar como única refeição, conforme explica Bárbara Valiati, de 31 anos, nutricionista do Quadro Técnico da Coordenação de Alimentação e Nutrição Escolar, da Prefeitura Municipal de Vitória.
"A realidade de muitos alunos matriculados na rede pública de ensino, principalmente nas regiões em maior vulnerabilidade social, é de diariamente observarmos alunos que têm na unidade escolar a principal ou a única refeição do dia", afirmou.
Caso não houvesse as refeições oferecidas pelas escolas, Valiati entende que haveria prejuízo cognitivo e motor às crianças e adolescentes matriculadas.
Além disso, a nutricionista ressalta que uma criança bem alimentada permanece na escola e tem aumento no rendimento, otimizando ainda mais o aprendizado.
De acordo com ela, há situações em que as famílias enviam os filhos para escola principalmente para que se alimentem.
"A família tem conhecimento sobre a alimentação servida na escola e sabe que seus filhos terão acesso a alimentos que muitas vezes não compõem a alimentação de casa ou até mesmo ter acesso à única refeição do dia. Em um país onde a insegurança alimentar é tão presente, a escola passa a ser o lugar onde as crianças terão contato com uma alimentação balanceada, adequada e saudável", refletiu.
Conheça instituições que ajudam a mudar a realidade
É importante ressaltar que mais de 300 mil famílias capixabas conseguem colocar apenas um pouco de comida em casa, isso com ajuda do terceiro setor, prioridade do Instituto Américo Buaiz (IAB).
O IAB adotou o tema "combate à fome" para o bimestre, durante o período de maio a junho, em parceria com duas organizações: a Central Única das Favelas (Cufa) e a Associação Cestas do Bem.
Associação Cestas do Bem
Neste viés, e embora o Espírito Santo esteja longe de figurar como um dos estados com maiores índices de insegurança alimentar, há instituições que se prestam a ajudar quem tem fome. Entre elas, está a Associação Cestas do Bem.
Segundo a presidente, Giselle Contúrbia, a ação teve início em abril de 2020 e o foco é o combate à fome.
"Atendemos a Grande Vitória e já atendemos cerca de 7 mil famílias até maio de 2023. Lidamos com comunidades bastante carentes, que enfrentam quadro de vulnerabilidade social e que sempre precisam de doações, inclusive neste momento temos campanha também para doações de agasalhos”, disse.
Como ajudar:
Chave Pix: CNPJ 42.234.200/0001-59
Central Única das Favelas (Cufa-ES)
Já a Central Única das Favelas (Cufa-ES) também exerce papel fundamental no terceiro setor, ajudando famílias a combaterem a fome. Sobre o assunto, a reportagem conversou com o presidente estadual, Gabriel Costa Nadipeh.
Na visão apresentada por ele, no Espírito Santo a fome é uma realidade.
"E aqui estamos falando de uma das coisas mais básicas do ser humano, que deveria ser a alimentação. Uma família de favela muitas vezes não consegue garantir o alimento diário ou, quando consegue, muitas vezes não é em quantidade suficiente ou não se tem a qualidade de nutrientes necessários para suprir as necessidades do organismo, tornando essa pessoa suscetíveis a doenças", disse.
Na Cufa são atendidas diversas familias, fazendo um pré-cadastro por meio das lideranças ou do contato das pessoas pelo site ou redes sociais.
"A partir daí entendemos aquela realidade, fazemos uma triagem de acordo com a necessidade e atendemos essas famílias a partir das doações recebidas e precisamos de fato de apoio e ajuda", destacou.
Como ajudar:
As pessoas podem entrar no site e se tornarem doadores recorrentes, sendo descontado um valor do cartão de crédito e podendo ser cancelado a qualquer momento. "Temos também os outros canais de doação como o Pix: doe@cufaes.org e o PicPay @centralunica.es", disse.