Lei Maria da Penha completa 15 anos neste sábado
Especialistas apontam que a lei representou um avanço na proteção de mulheres, mas que ainda exige melhoras
Folha Vitória|Do R7
A Lei Maria da Penha, fundamental no combate à violência contra a mulher, completa 15 anos neste sábado (07). Apesar dos benefícios desde a criação, ainda há muito para avançar neste assunto. Nos primeiros seis meses do ano, foram registrados 58 casos deste tipo de crime.
Vítima do feminicídio, a diarista Marciane Pereira teve 40% do corpo queimado, uma perna e vários dedos amputados após sofrer uma tentativa de assassinato. O agressor: o ex-companheiro.
Três anos depois, o desejo da diarista é que o crime sirva de referência no combate à violência contra a mulher.
"Para que não se repita com elas o que aconteceu comigo porque o meu agressor não me batia, ele xingava, me humilhava perto dos outros", contou.
André Luiz dos Santos ateou fogo nela com uma mistura de gasolina e removedor de tinta depois de uma discussão por ciúmes. Ele confessou o crime e está preso desde setembro de 2019. A diarista passou cinco meses no hospital, dois deles em coma induzido.
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Cinco anos de agressão e sem denúncia
Uma auxiliar de obras, que preferiu não se identificar, contou que tem medo do ex-companheiro. Isso porque viveu um relacionamento abusivo e de constantes agressões durante cinco anos e sem nunca ter denunciado.
"Eu não tinha coragem de denunciar porque ele fazia eu acreditar que era culpada, por causa das minhas roupas, eu não podia ir na casa dos meus pais e nem nada", disse a vítima.
A história mudou no dia que ele tentou matá-la e os vizinhos chamaram a polícia.
"A última briga por motivo muito fútil, ele começou a me estrangular e quando eu consegui uma brecha eu consegui fugir. Nessa hora os vizinhos viram a cena e não seu tempo dele correr porque a polícia já estava na porta de casa", lembrou.
O agressor passou um dia preso e atualmente responde em liberdade. Os dois dois mantém contato até hoje por conta dos filhos.
Conheça a Lei Maria da Penha
Criada no dia 07 de agosto de 2006, a Lei Maria da Penha tem como objetivo criar mecanismos para reprimir a violência doméstica contra as mulheres e realmente punir os agressores.
A lei foi batizada em homenagem à farmacêutica e ativista Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de agressão e tentativa de homicídio por parte de seu marido da época.
Uma das tentativas de homicídio por parte do companheiro, deixou Maria da Penha paraplégica. A lei estabelece que todo caso de violência doméstica e intrafamiliar é crime, deve ser apurado através de inquérito policial e ser remetido ao Ministério Público.
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Julgamento dos crimes
Os crimes são julgados nos juizados especializados de violência doméstica contra a mulher, criados a partir dessa legislação, ou, nas cidades em que ainda não existem, nas varas criminais.
A Lei Maria da Penha também tipifica as situações de violência doméstica, proíbe a aplicação de penas pecuniárias aos agressores, amplia a pena de um para até três anos de prisão e determina o encaminhamento das mulheres em situação de violência, assim como de seus dependentes, a programas e serviços de proteção e de assistência social.
Nem todas sobrevivem para contar história
De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) só no primeiro semestre deste ano foram registrados 58 casos de feminicídios no Espírito Santo e dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que 30% desses crimes acontecem dentro de casa.
Mesmo após 15 anos da criação da lei, os números continuam assustando. De acordo com a advogada e professora orientadora do núcleo de atendimento à mulher da UVV, Hozana Leandro de Souza Dall'orto, mesmo com esses dados, a criação da Lei Maria da Penha representou um avanço.
"Inegavelmente podemos dizer que a Lei Maria da Penha deu certo, mas isso não significa que o problema de violência doméstica acabou. A lei ainda precisa ser melhorada, a discussão, sem sombra de dúvidas ainda precisa ser potencializada na sociedade", ressaltou.
A professora, que coordena um núcleo que acolhe vítimas de violência doméstica, explicou o que ainda precisa ser aprimorado na lei.
"Muitas mulheres que, apesar de estarem com a medida protetiva deferida pela Justiça, elas ainda são vítimas de violência, muitas são assassinadas, então precisamos pensar sobre o que está faltando. Falta esse homem ter consciência do que ele faz é crime".
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A coordenadora de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública, Maria Gabriela Agapito, orienta que as mulheres vítimas de agressão procurem a polícia.
"Ela deve procurar as autoridades policiais, ela precisa ligar para o 190, ela busca esse atendimento imediato para cessar a agressão. Se for uma situação que ela precisa sair de casa, a gente orienta que ela tenha uma rede de suporte familiar ou de amigos que ela possa, provisoriamente, ficar tranquila e pensar na denúncia", afirmou.
Durante a pandemia, a Defensoria criou um mecanismo para facilitar as denúncias.
"Criamos um canal para o recebimento de pedidos de medidas protetivas online. Dentro da pandemia, as mulheres ficaram mais próximas dos seus agressores e tinham mais dificuldade de sair de casa para fazer uma denúncia de forma segura".
Para a advogada e mestre em Segurança Pública, Rovena Amorim, é preciso uma transformação social para dar um basta em tanta violência contra a mulher.
"Só encontraremos a efetividade plena quando a Lei Maria da Penha não for mais necessária e para isso, precisamos de muito avanços, como avanços legislativos, judiciais e também em termos de discussões e concepções que precisamos avançar. Nós enquanto sociedade, também temos um papel primordial no enfrentamento à violência doméstica. Depende de nós enquanto indivíduos e coletivo a mudança", disse a advogada.
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DIREITOS DA MULHER DE ACORDO COM A LEI MARIA DA PENHA
>> Acolhida e escuta qualificada de todos os profissionais da rede de atendimento às mulheres sem culpabilização;
>> Criação de medidas protetivas de urgência;
>> Acesso prioritário a programas sociais, habitacionais e de emprego e renda;
>> Manutenção do vínculo profissional por até seis meses de afastamento do trabalho;
>> Escolta policial para retirar bens da residência, se necessário;
>> Atendimento de saúde e psicossocial especializado e continuado;
>> Registro do boletim de ocorrência;
>> Notificação formal da violência sofrida ao ministério da saúde, para fins de produção de dados estatísticos e políticas públicas;
>> Atendimento judiciário na região de seu domicílio ou residência, no lugar onde ocorreu a agressão;
>> Assistência judiciária da defensoria pública, independentemente de seu nível de renda;
>> Acesso a casa abrigo e outros serviços de acolhimento especializado (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher, Defensoria Pública, centros de referência, etc.)