Mais de 36 mil mulheres são vítimas de perseguição e violência psicológica no país, aponta anuário
Estudo mostra que Brasil tem uma vítima de feminicídio a cada 7 horas e revela aumento de formas de violência contra mulheres
Cidades|Fabíola Perez, do R7
Cerca de 36 mil mulheres são vítimas de perseguição e violência psicológica em todo o país. A 16ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, produzido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e divulgado nesta terça-feira (28), traz pela primeira vez dados sobre crimes de stalking e violência psicológica. De acordo com o estudo, em 2021 foram registrados 27.722 casos de perseguição e 8.390 de violência psicológica.
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As duas categorias foram inseridas no Código Penal no ano passado. A perseguição é considerada um importante indicador de risco de morte. A perseguição, explicam as pesquisadoras Juliana Martins, Amanda Lagreca e Samira Bueno, responsáveis pelo levantamento, precisa ser recorrente para se configurar como tal; já a violência psicológica pode ocorrer uma única vez desde que cause dano emocional às vítimas.
Embora a violência psicológica estivesse prevista na Lei Maria da Penha, as pesquisadoras afirmam que a responsabilização dos autores ainda precisava de uma tipificação mais adequada. Isso porque a tipificação dos crimes ainda não é amplamente adotada por instituições policiais — o que impacta os dados.
“Há urgência em considerar outros tipos de violência contra as mulheres, compreendendo-a enquanto um problema complexo”, dizem as pesquisadoras. “Para enfrentá-lo, é necessário pensar em políticas integradas, uma vez que se trata de uma violência multicausal.”
A cada minuto, polícia recebe uma denúncia de agressão
A cada minuto, ao menos uma pessoa liga para as polícias militares do país para denunciar uma agressão decorrente de violência doméstica. O estudo mostra que entre os anos 2020 e 2021 houve crescimento de 23 mil novas chamadas de emergência para o número 190 das polícias militares para atendimentos de casos de violência doméstica. Isso equivale a um aumento de 4% de um ano para o outro.
O estudo revela ainda que, ao mesmo tempo em que houve crescimento no volume de chamadas de emergência para casos de violência doméstica, houve uma queda de 5,3% no total de ligações para o número no mesmo período. De acordo com as pesquisadoras, mais pessoas têm procurado as instituições em busca de ajuda. Isso pode ser sinal, segundo elas, de que as mulheres sofreram mais violência ou que as pessoas estejam menos tolerantes à violência cometida contra a mulher na esfera doméstica.
O número de denúncias mostra, segundo o anuário, que as polícias militares estão cada vez mais demandadas a atuar nesses casos. Isso reforça, de acordo com as pesquisadoras, a relevância de que todo o efetivo policial — e não somente unidades especializadas — esteja capacitado para atender mulheres. O anuário mostra ainda que estados como Acre e São Paulo tiveram aumento no número de ligações de emergência para a violência doméstica e queda no número de feminicídios. Já os estados de Pernambuco e Rio de Janeiro registraram o inverso: queda em ligações de emergência e aumento nos feminicídios.
O estudo acende um alerta para o crescimento de todas as formas de violência contra mulheres no último ano. Os números apontam crescimento de 3,3% na taxa de registro de ameaças e aumento de 0,6% nas lesões corporais dolosas. Os registros de crimes de assédio sexual e importunação sexual também cresceram 6,6% e 17,8%, respectivamente.
"O Brasil é um país violento para mulheres e os casos acontecem dentro de casa. Oito em cada dez agressores são parceiros íntimos. Sair da relação é um gatilho. Ela sai da relação e é assassinada", afirma Samira Bueno, pesquisadora do Fórum.
Violência letal contra mulheres
O anuário revela ainda que houve queda de 3,8% na taxa por 100 mil mulheres de homicídios femininos. No caso dos feminicídios, a tipificação que qualifica o crime de homicídio, a queda foi de 1,7% na taxa entre os dois anos. “Mesmo com a variação, os números ainda assustam, já que nos últimos dois anos 2.695 mulheres foram mortas pela condição de serem mulheres”, dizem as pesquisadoras. Dessas, foram 1.354 mortes em 2020 e 1.341 em 2021.
O estudo demonstra que ainda existem obstáculos para a correta tipificação dos crimes, uma vez que fica a cargo das instituições dos estados enquadrar as ações como feminicídio. No Ceará, por exemplo, há apenas 9,1% de feminicídios no total de homicídios de mulheres. Já em Tocantins, os feminicídios equivalem a 55,3% das tipificações e o Distrito Federal registrou a proporção de 58,1%. “Percebemos que as autoridades policiais possuem mais facilidade em classificar um homicídio de uma mulher enquanto feminicídio quando este ocorre no contexto doméstico, com indícios de autoria conhecida: o companheiro ou ex-companheiro.”
Uma característica revelada pela análise dos dados apresentados pelo anuário é que enquanto as mortes violentas intencionais atingem mais os jovens, mulheres são vítimas de feminicídio em todas as faixas etárias. O estudo dá indicação de que há possível subnotificação de mulheres negras como vítimas de feminicídio, uma vez que são consideradas menos vítimas do que mulheres brancas. Ou seja, há a possibilidade de que mais mulheres negras sejam incluídas na categoria de homicídios dolosos em vez de na categoria de feminicídio.
Os dados mostram ainda que uma mulher é vítima de feminicídio a cada sete horas, o que significa dizer que ao menos três mulheres morrem por dia no Brasil por serem mulheres. O ambiente doméstico continua o local em que elas são vítimas em maior número desse tipo de crime: 65,6% do total de crimes cometidos ocorreram nas casas. Os demais casos de morte violenta aconteceram em local público.