O que está por trás da execução de jovem em cova no Rio Grande do Sul
Feminicídio é a principal linha de investigação. Polícia aponta ex-companheiro como mandante e identifica mais quatro suspeitos de participarem do crime
Cidades|Fabíola Perez, do R7
Um buraco semelhante a uma cova em meio a um matagal, uma adolescente com braços e pernas amarradas e dois disparos certeiros. A execução da jovem Paola Avaly Corrêa, de 19 anos, não levou mais do que dez segundos. Tudo filmado e compartilhado pelo celular de um dos pelo menos quatro suspeitos investigados pela Polícia Civil de Porto Alegre de terem participado do crime de feminicídio, o assassinato de uma mulher.
Além da frieza do autor dos disparos, o que mais chama a atenção na filmagem é que Paola não esboça reações nos segundos que antecedem sua morte. Ela apenas se acomoda no buraco e aguarda até ser alvejada. “Em casos como esses, não é raro que a própria vítima seja obrigada a cavar a própria cova”, afirma Tatiana Barreira Bastos, delegada da Delegacia da Mulher de Porto Alegre. “Esse tipo de reação faz parte da própria frieza do contexto. Provavelmente, ela sabia o que ia acontecer. Sabia que provocou a ira deles”, diz a responsável pelas investigações.
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Paola Avaly Corrêa morava há alguns meses em uma casa do bairro do Bom Jesus, na zona leste da capital gaúcha. Desde que passou a viver sozinha, perdeu boa parte do contato com a irmã, que já não vivia na capital, e a mãe, que morava no bairro da Cascata. Na segunda-feira (14), a irmã de Paola compareceu à delegacia para registrar um possível desaparecimento da jovem. “Ela não mencionou nenhuma suspeita”, afirmou a delegada Roberta Bertoldo, da 2ª Delegacia de Homicídios, responsável pelo início das investigações.
Na terça-feira (15), com a filmagem da execução já divulgada nas redes sociais, familiares de Paola retornaram à delegacia e reconheceram a jovem nas imagens exibidas. A família informou que a adolescente mantinha um relacionamento com um homem preso na Cadeia Pública de Porto Alegre por tráfico de drogas. “Ela mantinha visitas frequentes ao presídio como companheira do jovem”, diz Roberta. Segundo a delegada, a família teria dito que Paola saiu de casa em dezembro de 2017 para viver com a família do companheiro. A família disse ainda não saber como Paola se mantinha, uma vez que não trabalhava.
Indícios de feminicídio
A publicação de uma mensagem uma das redes sociais de Paola foi o estopim para a polícia definir o crime de feminicídio como a principal linha de investigação e pedir a prisão preventiva do ex-companheiro de Paola. No texto, ela se refere a ele como “ex”, faz referência ao grupo dos Leões, que seriam membros de uma facção criminosa que atua em Porto Alegre, diz que teria sido agredida por ele e teria o traído.
Mesmo após a publicação, feita às 4h43 do domingo (13), Paola, segundo a Polícia Civil, teria ido mais uma vez ao presídio para visita-lo. “Poucas pessoas sabiam que ela estava indo visita-lo”, diz Tatiana. “Recebemos a informação de que ela acabou expondo a masculinidade e a virilidade dele em grupos e redes sociais”, afirma a delegada.
A polícia afirmou ainda que recebeu diversas informações de que o ex-companheiro seria o mandante da execução. Na quinta-feira (17), o corpo de Paola foi localizado no bairro Vila das Tamancas que, segundo a delegada, é dominado por facções. Como o ex-companheiro da jovem já está recluso em prisão preventiva desde por tráfico de drogas, a delegada pediu mais uma prisão preventiva por feminicídio, sequestro e ocultação de cadáver. “A pena dele pode chegar a 40 anos pelos qualificadores”, diz Tatiana.
A principal lacuna das investigações até o momento é a data em que a morte teria ocorrido. “Pelo estado de putrefação do corpo a perícia ainda não tem convicção de quando ocorreu o assassinato”, diz a delegada. Pelos próximos dias, a meta da polícia é identificar os quatro suspeitos de terem participado do crime. Além do ex-companheiro de Paola, a polícia pediu a prisão preventiva de outro suspeito. “Chegamos a algumas pessoas, mas todas negam fazerem parte de execução em si”, afirma Tatiana.
A vida de Paola
Nas mesmas redes sociais que hoje comentam seu assassinato, Paola publicou que estava solteira e que cursava a “faculdade do crime” e atendia pelo apelido de “vulgo Japa”. A adolescente, ao que parece, também colecionava desafetos. Uma das publicações, por exemplo, mostra uma briga entre ela e outra jovem envolvendo supostos companheiros.
Paola estudou na escola de Ensino Médio Professor Oscar Pereira. Uma das coordenadoras que não quis se identificar afirmou que foi professora da garota na 4ª série. Segundo ela, a jovem vivia apenas com a mãe. “Na época que a conheci, era meia e tranquila”, disse. “Depois ela parou de estudar, retornou passado algum tempo e depois voltou de novo no período da noite.”
A última vez que a professora encontrou com a mãe de Paola foi informada que a menina havia se casado e saído de casa. “Era uma menina muito bonita e, quando cresceu começou a chamar atenção”, diz. “Mas me lembro dela como sendo uma criança tranquila.” Embora a família nunca tenha desconfiado das amizades de jovem, a polícia afirma ter encontrado supostos indícios de que ela teria ligações indiretas com as facções e o crime.
“Fizemos um monitoramento nas redes sociais e encontramos fotos delas com armas e diversas ligações com o crime. Não temos elementos para afirmar se ela ocupava algum tipo se posição hierárquica em uma facção, mas se relacionada com pessoas ligadas ao crime organizado”, afirma Tatiana. A delegada explica também que é comum meninas jovens se relacionarem com integrantes de facções e visita-los na cadeira. “Isso ocorre em função da relação de poder que eles exercem.”
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De acordo com a Polícia Civil, Paola não tinha antecedentes no tráfico de drogas. A jovem tem passagem por receptação. “Quando ela era adolescente, foi flagrada com outro jovem em um veículo roubado”, afirma Roberta. Após a execução de Paola, além da filmagem com os disparos, um áudio foi compartilhado na internet e chegou às investigações da polícia. O áudio, supostamente atribuído à jovem, fornece, segundo a polícia, mais indícios de uma possível ligação com o crime.
“Para me pegar tem que ter no mínimo três passagens e se quiser namorar comigo tem que ter, pelo menos, um homicídio, um 33 de tráfico, tem que andar todo dia de Billy mesmo (bem vestido), tem que falar só na vinheta (gíria). Sem vim conversar comigo normal, não dá amiga.” Dias depois da execução, lia-se nas fotos das redes sociais de outra adolescente, principal desafeto de Paola: você é a próxima.”