Obra jogada no lixo já havia sido danificada em reforma, diz artista
Regina Silveira só foi alertada de que painel de três metros foi jogado no lixo da Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre, por jornalistas
Cidades|Ugo Sartori, do R7*
O painel “Auditorium”, jogado no lixo pela Casa de Cultura Mario Quintana, em Porto Alegre (RS), já havia sido danificado em outra obra anterior no local.
A artista plástica gaúcha Regina Silveira, 79 anos, autora da obra, percebeu a avaria na última vez que a viu.
“Vi que a parede tinha sido pintada sem que a obra fosse retirada. Com isso, notei que ela ficou com as bordas manchadas.”
A instalação data de 1990. O painel de três metros de altura mostrava fileiras de poltronas, como as de um auditório, alongadas, causando efeito de profundidade.
A obra poderia representar uma sala de cinema, de teatro, ou seja, um auditório, como sugere o nome original.
Regina Silveira descobriu que uma de suas obras foi jogada no lixo durante o processo de reforma da Casa de Cultura Mario Quintana, em março deste ano.
“Fui contatada inicialmente por um dos curadores da casa, em abril de 2017. Ele me mandou mensagem perguntando se eu sabia do paradeiro de minha obra permanente no Mario Quintana, pois há dois ou três anos não a via”, disse Regina.
Nos meses seguintes, ela voltou a receber mensagens e notícias sobre o destino do painel. “Houve mensagens no ano passado, de uma técnica de cultura do Instituto Estadual de Artes Visuais, pedindo dados à minha galeria em São Paulo para complementar um processo de sindicância a ser encaminhado à Procuradora Geral do Estado. Comigo nunca falaram. Eu pedi à galeria para não fornecer o valor da obra, porque não era deste tipo de prejuízo que se tratava.”
O R7 teve acesso aos e-mails trocados entre o IEAV (Instituto Estadual de Artes Visuais) e a galeria, de 25 de outubro de 2017 a 8 de novembro. Em nenhuma das mensagens, existe a informação sobre o sumiço da obra, mas sim pedidos de informações técnicas.
“Precisamos, se possível, de algo mais concreto sobre a ficha técnica da peça e uma estimativa de valor, necessários para a inclusão no processo de sindicância que analisa o sumiço da obra e será encaminhado para a Procuradoria Geral do Estado”, diz o e-mail enviado em 25 de outubro por uma técnica do instituto.
Depois disso, Regina não foi mais procurada. “Só agora soube que foi jogada no lixo. Não tive mais notícias oficiais até os recentes pedidos de matérias por jornalistas de diversas origens enquanto eu estava fora do país. Isso serve para considerar, mais uma vez, as dificuldades recorrentes da arte em espaços públicos no Brasil e no mundo”, disse. Perguntada se havia sido avisada do destino do painel pela casa, ela disse: “Não”.
A Casa de Cultura Mario Quintana afirma que a obra foi retirada para a reforma e que a teriam guardado em uma sala, onde eram guardados outros materiais do teatro. Segundo a casa, a sala acabou se tornando uma espécie de depósito para armazenar o material de construção. Por isso, a obra teria se perdido.
Quando a reforma acabou, uma limpeza foi realizada na sala, e a obra foi jogada no lixo junto com outros materiais. Em agosto de 2017, a casa percebeu que a obra estava desaparecida e entrou em contato com a artista perguntando se ela sabia onde estaria o painel.
Apesar de se definir como “um espaço privilegiado para abrigar todas as formas de arte”, a história da obra de arte de Regina ainda não teve um desfecho. “Após tantos anos naquela parede, a obra simplesmente ficou coberta por indiferença, que deu o aval para o desaparecimento.”
Questionada se refaria o painel, ela disse que não. “Não opero mais desta maneira, sequer em termos poéticos. Entendo que aquela obra cumpriu seu ciclo e seu papel, por pior que tenha sido este final”, diz a artista.
O caso foi encaminhado para a Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer, que abriu uma sindicância para investigar o desaparecimento.
"Entendo que aquela obra cumpriu seu ciclo e seu papel%2C por pior que tenha sido este final"
Quando a casa de cultura percebeu que a obra havia sido descartada, porém, a sindicância foi fechada e encaminhada para a PGE-RS (Procuradoria Geral do Estado de Rio Grande do Sul), que continuará investigando o caso.
Relação com o teatro
A artista foi convidada para expor o painel na entrada do Teatro Bruno Kiefer. “Aceitei com alegria o convite para colocar uma obra permanente na entrada do auditório dedicado ao músico Bruno Kiefer.” Regina estudou artes plásticas na mesma época em que Kiefer (1923-1987), fundador da Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, foi professor do Instituto de Belas Arte da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Ela também foi colega de Mario Quintana, que dá nome à casa, no jornal “Correio do Povo”, de Porto Alegre. Na época, início dos anos 1960, Regina ilustrava a coluna de poesias e variedades do jornal.
O espaço do teatro em que o quadro estava exposto possui paredes grandes e brancas, o que contrastava com o painel preto e branco de três metros de altura.
A inspiração para produzir o painel “Auditorium”, desaparecido desde o segundo semestre do ano passado, surgiu, segundo ela, das mobílias dos anos 1980 e 1990, sobre as quais ela tinha liberdade para distorcer e alterar os ângulos.
A artista criou uma série de obras com a mesma temática feitas em lâminas de madeira pintadas à mão, assim como a peça que foi descartada em Porto Alegre. Uma das obras será doada ao MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo).
Outro lado
O IEAV (Instituto Estadual de Artes Visuais) disse que foi procurado pela assessoria jurídica da Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer apenas para conseguir dados técnicos sobre a obra desaparecida para abrir a sindicância, por isso o contato com a galeria de Regina.
"Esclarecemos que o IEAV foi acionado apenas para obter os dados técnicos da obra, o que foi feito junto à galeria que representa oficialmente a artista Regina Silveira, para inserção destas informações no processo.
Fomos informados que as etapas da sindicância junto à Secretaria de Estado da Cultura, Turismo, Esporte e Lazer já foram todas concluídas, cabendo agora aguardar a manifestação/decisão da Procuradoria Geral do Estado sobre o caso."
A secretaria disse que abriu a sindicância a partir de uma comissão formada por três integrantes. A comissão teria "apurado e analisado os fatos, com a avaliação prévia dos valores, dos implicados e responsáveis."
Questionados sobre a indenização à artista disseram: "A questão sobre indenização deverá ser concluída na PGE, após a apuração dos fatos".
*Estagiário do R7, com supervisão de Fabíola Perez e Marcos Sergio Silva