Um relatório produzido pela Polícia Federal aponta que os 40 policiais indiciados pela participação em uma operação que deixou 26 mortos em Varginha (MG), em 31 de outubro de 2021, alteraram o local do crime, dificultaram a investigação e combinaram depoimentos, com o objetivo de omitir responsabilidades. O documento foi enviado ao Ministério Público Federal para medidas cabíveis.
Na última terça-feira (27), 40 policiais foram indiciados pela participação na operação. Desse total, 24 integram o grupo de elite da PRF (Polícia Rodoviária Federal) e 16 atuam no Bope (Batalhão de Operações Especiais) da Polícia Militar de Minas Gerais. Os agentes foram indiciados pelos crimes de homicídio qualificado, tortura e fraude processual.
A operação teve o objetivo de combater a investida de um grupo de assaltantes de banco. Os criminosos eram de seis unidades da federação (Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Pará, Rondônia e São Paulo).
O documento da PF e enviado ao MPF aponta que todas as forças policiais atuantes em Minas Gerais possuíam informações importantes que indicavam a iminência de um crime com emprego de violência. Em outubro de 2021, os órgãos sabiam que o caso seria no sul do estado, provavelmente em Varginha. À época, a PRF considerou a operação um sucesso contra o crime organizado.
A reconstituição pericial mostra que algumas vítimas foram mortas desarmadas e outras, deitadas escondidas embaixo de mesas. Os policiais foram indiciados pelos crimes de homicídio qualificado, tortura e fraude processual. Segundo o relatório da PF, houve adulteração deliberada dos locais do crime, mesmo com o conhecimento, por parte de todo profissional de segurança pública, de preservação do ambiente.
"O Laudo 1845/2023 – INC/DITEC/PF tratou também de apontar notória adulteração deliberada dos locais de crime. Trata-se, a toda evidência, de inovação artificiosamente efetuada em estado de lugar, de coisa ou de pessoa com o fim de induzir a erro o juiz ou o perito nos exatos termos do artigo 347 do Código Penal", diz o documento.
"Todo profissional da segurança pública recebe treinamento para, em caso de se deparar com local de crime, preservar o ambiente. Trata-se de dever funcional comezinho para aqueles que lidam constantemente com situações de violência e de crime. Nos eventos do dia 31 de outubro de 2021 em Varginha essa prática foi dolosamente negligenciada. A preservação dos locais de crime não só deixou de ser observada como foi transgredida", completa.
A ação policial vai além, segundo o documento. Na ocasião, os agentes argumentaram que houve troca de tiros, o que não foi comprovado. "Imediatamente os policiais iniciam a busca pelas armas as quais, por tudo apurado, não estavam sob empunhadura dos roubadores e não foram usadas em pretenso combate". Os itens estavam guardados em sacos plásticos dentro de um carro que seria usado pelos envolvidos.
"As armas são retiradas da caminhonete, desembaladas e posteriormente apresentadas como instrumento de resistência à ação policial empregadas pelos que morreram em confronto que, sabe-se agora, nunca existiu. Com vistas a macular o local de crime e favorecer uma narrativa de legitimidade da ação, policiais iniciam o pretenso socorro às vítimas. Na verdade, entretanto, o intento era retirar os mortos dos locais onde tombaram e dificultar a reconstituição do ocorrido."
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O relatório da PF mostra que ficou "patente" que o relato dos policiais rodoviários e militares foi uma "criação fictícia e previamente acertada entre eles", com o objetivo de omitir suas respectivas responsabilidades pelos "excessos" cometidos.
"Na fantasiosa versão para o ocorrido, consta que os policiais tensionavam uma ação escorreita de promover a prisão de suspeitos quando foram surpreendidos por injusto ataque de arma de fogo. Não restando opção, os policiais revidaram e se sucedeu vigoroso e intenso combate. Ao final, todos os meliantes foram abatidos e nenhum policial foi alvejado, uma vez que a técnica prevaleceu sobre a força", pontua.
Em nota, a PRF afirma que a operação combateu um grupo criminoso dedicado à tomada de cidades para o cometimento de crimes, prática conhecida como "novo cangaço". Na ocasião, os agentes apreenderam armas, como metralhadora, explosivos e munições.
"A PRF destaca o compromisso com os limites constitucionais e a defesa do estado democrático de direito, incluídos o princípio da presunção de inocência dos agentes, a garantia ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. A Polícia Rodoviária Federal colabora com os órgãos competentes para esclarecimento de todos os aspectos da ocorrência. No âmbito administrativo, a Corregedoria-Geral da PRF reabriu procedimento apuratório ainda em 2023 frente ao surgimento de novas evidências", finaliza.