PRF ganha espaço em ações anticrime, mas mortes põem trabalho em xeque
Além da abordagem que terminou com a morte de um homem em SE, 23 pessoas foram mortas em operação na Vila Cruzeiro (RJ)
Cidades|Do R7
Conhecida principalmente pela fiscalização em estradas, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) ampliou seu escopo de trabalho e tem atuado mais em operações de polícias locais. A mudança foi impulsionada após portarias na gestão Jair Bolsonaro. Mortes nessas ações — como a da Vila Cruzeiro, no Rio — e o fracasso na abordagem em Sergipe, onde um homem foi trancado com gás no porta-malas de uma viatura, fazem especialistas e autoridades questionar os protocolos da corporação e a validade de agir em mais frentes.
Na favela carioca, no início da semana, policiais participaram de uma operação que teve 23 mortes. Em fevereiro, a PRF também atuou em ação na mesma área, com oito óbitos. Integrou ainda incursões em Varginha (MG) — com 26 óbitos, em 2021 — e no morro do Chapadão (RJ), com seis, neste ano. O Ministério Público Federal do Rio pediu explicações à PRF sobre o motivo de ter participado da ação da Vila Cruzeiro.
Em 2019, o então ministro da Justiça, Sergio Moro, publicou portaria que ampliou o escopo de ação da PRF para operações em conjunto com corporações locais, como a Polícia Militar. "As operações combinadas, planejadas e desencadeadas em equipe poderão ser de natureza ostensiva, investigativa, de inteligência ou mistas", descreveu a norma.
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Isso motivou reações contrárias, como a da Associação Nacional de Delegados da Polícia Federal, que viu extrapolação dos limites entre as forças de segurança, e batalhas judiciais. Em liminar, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Dias Toffoli suspendeu a portaria em janeiro de 2020, mas a decisão foi revertida depois.
Em julho de 2021, o então titular da Justiça, André Mendonça, revogou a regra de Moro e publicou uma nova. A norma incluía a limitação de operações ostensivas pela PRF, mas parte das definições foi mantida. Entre elas, a permissão para integrar operações conjuntas, ingressar em locais alvo de mandado de busca e apreensão, com decisão judicial, e lavrar termos circunstanciados de ocorrência.
Com frequência, Bolsonaro repete discursos e medidas de apoio às polícias federais. Nesta semana, ele parabenizou a ação na Vila Cruzeiro. Sobre o caso de Sergipe, disse que precisava se inteirar, mas destacou na hora a morte de dois agentes da PRF neste mês em abordagem no Ceará. Também nesta semana, ele autorizou a nomeação de 625 novos PFs e 625 PRFs.
Para Jacqueline Muniz, pesquisadora da UFF (Universidade Federal Fluminense), falta definição mais clara de competências das várias forças de segurança. Segundo ela, há ainda uma espetacularização da ação policial, até na PRF, historicamente mais discreta.
Para policiais rodoviários ouvidos pelo Estadão sob anonimato, marcas históricas da PRF, como a preocupação com a abordagem humanizada, perdem espaço nas discussões internas e ganha foco a atenção para grandes operações.
Direitos humanos
No curso para agentes da PRF após aprovação em concurso, havia 22 horas-aula de disciplinas da área dos direitos humanos até 2018. Essa carga horária, porém, foi reduzida após reformulação da grade. Instrutores do curso pediram revisão à chefia da área de cursos da PRF. Uma gestão "que se alicerça em critérios e fundamentos técnicos não pode abdicar da valorização da temática direitos humanos em seu curso de formação", diz o documento obtido pelo Estadão. Procurada pela reportagem, a PRF não se manifestou até as 20h40 de ontem.
O caso de Sergipe, segundo nota técnica do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, expôs o "despreparo da instituição em garantir que seus agentes obedeçam a procedimentos básicos de abordagem que orientam os trabalhos das forças de segurança no Brasil".
A entidade reforçou que portaria de 2010 sobre a ação de polícias federais prevê que o emprego da força deve obedecer a princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. Além disso, lei de 2014 disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo — como o gás usado em Sergipe.
"A utilização de espargidor de pimenta e gás lacrimogêneo como instrumento de menor potencial ofensivo é comum entre as polícias, mas deve ser feita obedecendo a procedimentos como distância mínima, por períodos curtos e jamais em ambientes fechados", reforçou a nota técnica.
"Enquanto a PRF investe em tecnologias de inteligência, oferece apoio a outras polícias e se coloca ao lado de governos, problemas de equipamentos, do uso escalonado da força e a não observância de procedimentos surgem no atendimento de ocorrências nas rodovias", diz o Fórum.
A PRF disse, em nota nesta semana, estar "comprometida com a apuração inequívoca" do caso em Sergipe e destacou ter valores de "transparência e isenção". Os agentes envolvidos foram afastados.