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Sede da COP30 e dono das maiores usinas, Pará é o estado com mais pessoas sem energia

Dados do Ministério de Minas e Energia apontam que o estado tem ao menos 147 mil famílias em situação de pobreza energética

Cidades|Giovana Cardoso, do R7, em Brasília

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LEIA AQUI O RESUMO DA NOTÍCIA

  • Pará, sede da COP30, tem 147 mil famílias vivendo sem energia elétrica.
  • Apesar de ser um dos maiores produtores de energia do Brasil, muitas áreas permanecem desconectadas das linhas de transmissão.
  • A falta de eletricidade impacta a qualidade de vida, com dificuldades no armazenamento de alimentos e no acesso a serviços essenciais.
  • O Programa Luz para Todos visa fornecer energia a populações rurais e remotas, mas desafios logísticos e técnicos persistem.

Produzido pela Ri7a - a Inteligência Artificial do R7

Pará é o estado com maior número de pessoas sem energia Paulo Pinto/ Agência Brasil

Sede da COP30 (30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) e com duas das maiores usinas hidrelétricas do país, responsáveis pela produção de 11% da energia do Brasil, o Pará é o estado com maior número de pessoas que vivem no escuro. São ao menos 147 mil famílias estão em situação de pobreza energética e sem eletricidade, segundo dados do Ministério de Minas e Energia obtidos pelo R7.

O conceito envolve situações em que casas ou comunidades não têm acesso a energia ou não estão “plenamente satisfeitas suas necessidades energéticas”.


O acesso à energia elétrica tem impacto na qualidade de vida dessas pessoas, permitindo a refrigeração de vacinas e alimentos, a iluminação, o uso de computadores, o bombeamento de água, além da geração de renda por meio de iniciativas de produção sustentável.

(Instituto de Energia e Meio Ambiente)

A 125 km de Belém, no município de Abaetetuba, fica o território quilombola Bom Remédio, onde cerca de 360 famílias vivem no escuro. Ao R7, Rosicleia Silva, que vive no local, conta que alguns moradores pagam até R$ 3.000 por um sistema clandestino, que proporciona energia de forma precária e ineficiente.

“As pessoas têm que pagar para poder ter acesso, e, além de tudo, não é uma energia boa. Qualquer vento que dá, as pessoas já ficam sem energia. Mas isso está em outra parte, que não é aqui perto do rio”, explica Rosicleia.


Segundo ela, a comunidade está acostumada a viver no escuro. A falta de energia dificulta o armazenamento de alimentos, atrapalha o acesso digno aos serviços de saúde e dificulta a segurança na região, principalmente devido ao uso de embarcações durante a noite.

“A gente está acostumado, nunca veio. Como nunca veio, a gente já lida normalmente no dia a dia, mas a gente sabe que é necessário. Temos uma dificuldade grande por não ter energia. Para a gente guardar uma comida, a gente precisa comprar gelo. Então, em uma família onde tem poucas pessoas em uma casa, é utilizado R$ 20 praticamente, de dois em dois dias, para comprar esse gelo”, comenta Rosicleia.


Considerando os objetivos do desenvolvimento sustentável da ONU (Organização das Nações Unidas), ao menos três dimensões se relacionam com o tema: o acesso à energia elétrica, uso de fontes energéticas modernas para cozinhar e uso de equipamentos elétricos.

Energia que não chega

Responsável pela produção de cerca de 11% da energia do Brasil, o Pará é o estado que mais produz eletricidade, com duas hidrelétricas, de Belo Monte e Tucuruí, que somam 97,6% do potencial energético de todo o estado.


Por ser um dos maiores produtores de energia, consequentemente, o Pará se destaca na exportação de eletricidade para outras regiões. Dados da ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico) apontam que a capacidade de exportação de energia do Norte/Nordeste para o Sudeste/Centro-Oeste pode aumentar em até 30% até 2029.

147.053 famílias estão sem acesso à energia elétrica Paulo Pinto/Agência Brasil

Segundo Vinicius Silva, doutor em ciências e líder de projetos do Iema (Instituto de Energia e Meio Ambiente), os principais desafios em expandir o acesso à energia no Pará estão relacionados à identificação da população que vive nessa situação, sua maioria em áreas remotas da Amazônia, e a discussão sobre a instalação de um sistema nas casas desse público.

Silva explica que apesar de o Pará ter duas hidrelétricas, existem várias áreas do estado que não estão conectadas a uma linha de transmissão.

“O que isso significa? Tem a geração em um determinado lugar, mas você não consegue escoar para dentro do estado, porque dentro não tem essas linhas de transmissão. Por exemplo, Distrito Federal, Goiás e diversos estados do país estão todos conectados pelas linhas de transmissão. No caso do Pará, tem várias regiões do estado que não estão conectadas. Então, nessas regiões você tem uma dificuldade de levar a energia desse sistema integrado”, disse.

O especialista explica que quando não existe uma integração, é necessário de criar sistemas isolados, onde são instalados unidades de geração perto da sede municipal, criando pequenas distribuidoras de energia. Entretanto, como o Pará é um estado muito grande e com vasto território florestal, Silva diz que em alguns casos a instalação é “muito complicada tecnicamente”.

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Além disso, muitas das áreas fazem parte de territórios indígenas, quilombolas e populações ribeirinhas, o que dificulta a transmissão de energia para esses lugares. Ele explica, que em casos como este, é necessário que seja discutido com esse público como a energia será recebida.

“Seria como prolongar o fio da distribuidora de energia até essa casa. Às vezes, é muito complicado tecnicamente e muito caro. Então, você acaba tendo que ter outros tipos de soluções para levar energia para essas pessoas”, aponta Silva.

Silva entende que existe, sim, uma dificuldade enfrentada pelo país para levar energia para essa população. Para ele, a universalização da energia elétrica ainda não foi alcançada porque o avanço em políticas públicas para realmente resolver o problema de acesso para quem está em regiões remotas começou faz pouco tempo.

“É identificar onde estão essas pessoas, entender logicamente como se chega a esse território para levar energia, porque a gente não tem mais problema técnico para resolver nem problemas de custo, porque o custo caiu. E a gente tem uma política pública no Brasil muito boa, o programa ‘Luz para Todos’, que pode levar energia para as pessoas. Então, a questão toda é: onde exatamente estão essas pessoas e como acelerar o processo de se levar a energia até elas”, completa.

O custo da exclusão energética

O acesso à energia confiável, sustentável e moderna está entre os 17 objetivos estabelecidos pelo ONU (Organização das Nações Unidas). A organização entende que a falta de uma energia limpa e acessível impede o desenvolvimento da agricultura, negócios, comunicações, educação, saúde e do transporte.

Segundo a ONU, caso o ritmo da eletrificação se mantenha igual até 2030, ao menos 600 milhões de pessoas no mundo vão permanecer sem acesso à energia.

“Precisamos acelerar a eletrificação, aumentar os investimentos em energia renovável, melhorar a eficiência energética e desenvolver políticas e estruturas regulatórias facilitadoras”, diz um relatório da organização.

No cenário global, um relatório da IEA (Agência Internacional de Energia) indica que a maior parte da população que não tem acesso a energia vive em áreas remotas, principalmente na África subsaariana.

Na região de Abaetetuba, a época de chuva se torna um dos maiores problemas para a comunidade. Moradora da cidade e presidente da Associação das Comunidades Remanescentes de Quilombo, Helena Santos explica que em períodos de tempestade, as quedas de energia são frequentes e demoradas.

“Aqui, depende da chuva. Todas as vezes que chove forte ficamos sem energia. Já houve semana que ficamos sem energia três vezes, e demora a voltar. Ontem, por exemplo, ficamos sem energia desde as 17h e voltou às 22h”, comenta.

“Tem toda uma questão de armazenamento de alimentos, comunicação, e prejudica as aulas, pois faz muito calor. Quando ficamos muito tempo sem energia, usamos velas, lanternas para ajudar a cozinhar. Já os alunos, ficam sem aula”, completa.

Acesso à energia na Amazônia

Levar energia elétrica de qualidade à região amazônica é um desafio para o setor elétrico, apontam especialistas. A questão logística, altos custos de instalação e grandes distâncias atrapalham a expansão do serviço no local.

Assim como o Pará, outros estados da Amazônia Legal enfrentam o mesmo problema, como Acre, Amapá e Mato Grosso. Um documento produzido pelo Iema aponta que, para atender as metas do programa nacional de Universalização do Acesso e uso da Energia Elétrica na Amazônia Legal, do governo federal, seria necessária a utilização de mais de 3 milhões de equipamentos fotovoltaicos ao longo da vida útil dos sistemas.

Como solução para levar eletricidade para áreas isoladas, o Brasil trabalha no desenvolvimento de tecnologias de microrreatores nucleares capazes de abastecer entre 1.000 a 5.000 habitantes. O sistema, que pode ser controlado de forma remota, entra como alternativa a geradores de eletricidade a diesel.

A iniciativa ainda está em fase intermediária de desenvolvimento, mas é estimado que a tecnologia gere energia por dez anos initerruptamente sem precisar de recarga. Ao contrário do uso de água ou gás no sistema de refrigeração, como é feito nas usinas nucleares tradicionais, o sistema usará heat pipes (tubos de calor), a mesma proposta de reatores espaciais.

Até abril deste ano, 314 mil famílias brasileiras ainda não tinham acesso à energia elétrica, mas estavam previstas para serem incluídas no Programa Luz para Todos. Considerando uma média de três pessoas por família, isso representa cerca de 942 mil pessoas vivendo sem eletricidade no país.

Famílias sem acesso à energia elétrica Luce Costa/Arte R7

O papel do governo

Em 2003, o governo federal criou o programa Luz para Todos, que tem por objetivo fornecer energia elétrica à população rural, bem como em regiões remotas da Amazônia Legal, que não possuem acesso ao serviço público de distribuição.

O morador desses locais que ainda não tem energia elétrica em casa deve procurar a concessionária de energia elétrica que atende o seu município e registrar o pedido para fazer parte do Luz para Todos. Para isso, é preciso apresentar um documento de identificação pessoal.

Famílias atendidas pelo programa tarifa social Luce Costa/ Arte R7

Além disso, foi criado o auxílio Tarifa Social de Energia Elétrica, também voltado para famílias que não têm condições de manter um serviço de eletricidade em casa.

A tarifa atende famílias inscritas no CadÚnico (Cadastro Único) — em que a renda mensal seja menor ou igual a meio salário mínimo —, idosos e pessoas com deficiência que recebam o BPC (Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social), além de indígenas e quilombolas, que recebem descontos maiores.

Atualmente, a Tarifa Social é concedida automaticamente para as famílias que estão inscritas no CadÚnico. Caso a família atenda ao requisito de possuir renda familiar de meio salário mínimo e ainda não esteja no CadÚnico, terá que fazer o requerimento do benefício e solicitar informações nos Cras (Centros de Referência em Assistência Social).

O Ministério de Minas e Energia diz que a Tarifa Social de Energia Elétrica “desempenha um papel crucial na redução da pobreza energética no Brasil, promovendo a inclusão social e econômica das famílias de baixa renda”.

Além disso, a pasta considera que a pobreza energética afeta, em maior ou menor grau, todos os países, mas que diversos estudos têm sido realizados para estabelecer um nível ou patamar a partir do qual um domicílio pode ser identificado como em situação de pobreza energética ou, ainda, se é possível definir alguma forma de padronização.

“No entanto, definir com precisão quando uma pessoa é considerada energeticamente pobre, ou determinar o nível de pobreza energética em um indivíduo ou domicílio, é um desafio complexo”, diz o ministério.

Até o ano passado, o Brasil não tinha um entendimento definido do que era pobreza energética ou quantas pessoas estavam nessa situação. Na época, o Ministério de Minas e Energia informou ao R7 que uma proposta para a definição de pobreza energética estaria sendo elaborada e seria apresentada na Política Nacional de Transição Energética, que está em processo de aprovação pelo Conselho Nacional de Política Energética.

COP30 e o caminho para a transição energética

Com a COP no Brasil, a expectativa do governo brasileiro é que o evento seja um marco para a definição de metas concretas para a transição energética. Segundo a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, a COP30 servirá como ponte para reiterar o compromisso de triplicar a energia renovável e duplicar a eficiência energética.

Apesar do distanciamento da infraestrutura energética de Belém com a idealização de uma transição energética justa, especialistas entendem que a escolha da cidade como sede para o evento pode fomentar discussões necessárias para o desenvolvimento local.

Vinicius Silva, líder de projetos do Iema, entende que o encontro é uma oportunidade para que pessoas que estão envolvidas na discussão sobre mudanças climáticas entendam a realidade da região.

“Eu acho que é importante levar as pessoas à comunidade para estarem nesse território. Uma coisa é fazer uma COP em Paris, em Nova York, em Lisboa, em Xangai, que são cidades super desenvolvidas, para ficar discutindo a COP ali, sem ter uma noção do que é a realidade da maior parcela da população”, pontua.

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