Sete em cada dez brasileiros veem aumento do número de pessoas em situação de fome e pobreza
Pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis mostra que 47% da população conhece alguém com dificuldade para comprar comida
Cidades|Joyce Ribeiro, do R7
Sete em cada dez brasileiros viram o aumento do número de pessoas em situação de fome e pobreza nos últimos 12 meses no país, de acordo com pesquisa do Instituto Cidades Sustentáveis, em parceria com o Ipec (Inteligência em Pesquisa e Consultoria), divulgada nesta quarta-feira (10).
Segundo o mapeamento, 74% dos brasileiros, o equivalente a 125.893.439 de habitantes, perceberam o crescimento da fome no país. Quase metade da população (47%) viu ou conhece alguém com dificuldades para comprar alimentos.
"Isso chama a atenção porque vai de encontro a outros indicadores, como o Mapa da Fome. Mesmo com o auxílio emergencial, muitas famílias têm dificuldade de se alimentar, a coisa mais fundamental. Outros nem tiveram acesso ao benefício. Mesmo com o esforço da sociedade civil, com uma série de ações, a política se mostrou insuficiente", afirmou Igor Pantoja, assessor de coordenação no Instituto Cidades Sustentáveis.
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O levantamento Cidades Sustentáveis: Desigualdades foi realizado em todo o país, entre os dias 1º e 5 de abril, com 2.000 pessoas de 16 anos ou mais, em 128 municípios. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos e o nível de confiança é de 95%. A amostra foi projetada para toda a população brasileira.
Moradora da comunidade de Heliópolis, na zona sul de São Paulo, Francisca Ferreira de Lima, de 74 anos, vive de doações porque com o valor da aposentadoria consegue apenas pagar os remédios e algumas despesas da casa. Ela reclama da constante alta dos preços.
"As coisas estão caras, os preços subiram. Ninguém tem condições de comprar carne. Não recebo todo mês doação. Com a cesta básica, tenho o que comer. Falta mistura, o gás é caro. Tô em cima da cama, sem poder andar. Quando andava, eu mesma ia atrás de cesta. É difícil", revela.
De acordo com a pesquisa, 17% dos entrevistados disseram ter visto mais favelas, barracos e áreas ocupadas nas cidades nos últimos meses. Outros 29% viram mais pessoas trabalhando nos semáforos e ruas.
Ao mesmo tempo em que houve o aumento da percepção do número de pessoas em situação de pobreza%2C temos uma maior rejeição à população mais pobre. Isso é uma bomba que se forma
Maria das Graças Rodrigues Gomes Viana está desempregada e mora com a filha, de 30 anos, em Heliópolis. As duas sobrevivem fazendo bicos como faxina e passar roupa, e só veem os gastos subir.
"Vamos no mercado pechinchar, não dá pra fazer despesa. O quilo do feijão está R$ 10, o sabão em pó quase R$ 30. Meus cartões estão parados. Virou uma bola de neve, e estou renegociando, uma hora nós saímos disso", diz.
População em situação de rua
O levantamento mostrou que 34% dos brasileiros notaram o aumento da população de rua. Apenas 20% dos entrevistados não perceberam a alta no número de pessoas em situação de pobreza nas cidades.
Para Igor Pantoja, fatores específicos impactam cada região do país. Segundo ele, é importante ressaltar a crise migratória, como de venezuelanos e haitianos, em especial no Norte do país, por causa da fronteira. Já em São Paulo, a crise é econômica, familiar. Sem renda, mais pessoas foram para as ruas.
"O aumento da população de rua é um fenômeno significativo nos grandes centros. O poder público não consegue buscar soluções para o problema. São motivos diferentes em cada região, mas que se combinam para gerar a piora das condições de vida da população", afirma.
O cenário é mais crítico entre os moradores da região Sudeste do Brasil, das capitais, periferias metropolitanas e em municípios com mais de 50 mil habitantes. Segundo o estudo, 84% dos que moram em cidades com mais de 500 mil habitantes perceberam o aumento do número de pessoas em situação de pobreza.
"Nas grandes cidades, a desigualdade é mais evidente, até pelo estilo de vida. Nos municípios menores, o acolhimento é maior, com atos comunitários. Nas capitais, as pessoas que pedem dinheiro ou comida são invisíveis, e o problema acaba sendo normalizado", explica o coordenador.
Pantoja ressalta ainda que o aumento da desigualdade também eleva a discriminação contra populações em situação de rua. "Ao mesmo tempo que houve o aumento da percepção do número de pessoas em situação de pobreza, temos uma maior rejeição à população mais pobre. Isso é uma bomba que se forma, é insustentável".