Travesti conta como usou a prostituição para bancar a vida acadêmica e a própria personalidade
Amara Moira lançou livro com experiências e defende melhores condições de trabalho
Cidades|Ana Ignacio, do R7

Por volta das 9h20 do dia 11 de outubro, uma terça-feira, Amara Moira, 31 anos, chega à Cidade Universitária de ônibus. Com uma mochila vermelha nas costas, os cabelos cacheados na altura dos ombros, vestido marrom na altura dos joelhos, meia calça e pouca maquiagem, ela caminha com pressa, mas mantém o tom de voz baixo e a fala pausada, quase tímida.
Naquela manhã, ela se preparava para participar de uma aula-palestra na FEA (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade) para falar sobre pessoas trans na universidade. Doutoranda na Unicamp, Amara tem sido convidada para diversos eventos do tipo por todo o Brasil. Na semana seguinte, ela já estava com eventos marcados em Manaus, Uberlândia, Rio de Janeiro e Brasília. Parte dos compromissos tinha relação com a promoção de seu primeiro livro, o recém-lançado E se eu fosse puta. A publicação traz relatos de suas experiências como prostituta nas ruas de Campinas.
Há cerca de dois anos, Amara iniciou seu processo de transição e afirmou sua identidade já no ambiente universitário. Abaixo, ela relata sua experiência com a prostituição.
"O medo da prostituição é um fantasma que ronda a vida de toda mulher, não só da travesti e minha questão era o estigma, o preconceito, a precariedade e os valores desprezíveis que me dariam por esse serviço e eu não queria reforçar esse estigma e, ao mesmo tempo, eu tinha condições de não reforçar esse vínculo, mas é interessante pensar o constrangimento que existe para te empurrar para esse lugar.
Mesmo eu tendo grana para pagar meus gastos, o básico porque bolsa de doutorado não faz ninguém rica, era engraçado que o fato de me lerem como prostituta, ao mesmo tempo que me assustava, era algo que mexia com a minha autoestima porque não estavam mais me vendo como homem, estavam me lendo como travesti. Existia um certo reconhecimento ali. Quando eu começo minha transição, me aproximo da militância e começo a mudar o que eu entendia como prostituição.
A partir do momento que me viam como Amara, todo mundo falava que admirava minha coragem mas não tinha espaço para nenhuma vida afetiva. É engraçado que o espaço para a travesti viver sua vida afetiva é o espaço precário da prostituição. Ninguém chegava perto e não sei se eu não deixava por medo, mas me paravam para perguntar quanto era o programa e isso mexia comigo. A vontade de saber como eles iam me tratar, queria me sentir desejada, me sentir bonita, queria ver no olhar do outro o reconhecimento de que eu era Amara. A prostituição foi isso. Buscar um complemento de renda para fazer as coisas que eu queria fazer, mas também era o lugar onde eu podia ganhar mais confiança de quem eu era, eu me sentia parte daquele grupo e isso era importante.
É esquisito pensar, mas queria enfrentar meus fantasmas. A prostituição me fazia escrever porque eu sentia que as coisas que eu via o mundo precisava saber, precisavam saber como é a vida, qual é a vida que acham que uma travesti tem direito. Fiquei por um ano e meio escrevendo minhas experiências. Eu ia para rua com as minhas amigas em Campinas. Era um espaço em que eu me sentia segura porque, por mais que não seja um ambiente seguro, eu estava entre amigas e sabia que se eu gritasse alguém ia aparecer para me ajudar.
Este ano eu parei, mas vou voltar. Estava com o livro, doutorado, candidatura e tinha outras fontes de dinheiro, fui chamada para dar palestras, algumas pagas e a prostituição era um complemento de renda. Hoje eu quero lutar por uma prostituição que me remunere bem, que eu possa exercer com tranquilidade e quero fazer parte desse movimento que vai transformar o que a gente entende como prostituição".











