Alta do desemprego tende a agravar problemas no sistema de saúde
Queda no volume de emprego pode acarretar na fuga dos convênios médicos e a superlotação do Sistema Único de Saúde
Economia|Alexandre Garcia, do R7
A atual crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus tende a ganhar contornos ainda mais preocupantes nos próximos meses com o aumento do desemprego. Caso seja confirmado, a movimentação deve resultar em uma fuga de beneficiários dos planos de saúde e pode agravar ainda mais a situação do SUS (Sistema Único de Saúde).
A divulgação mais recente da PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), aponta que pouco mais de um quarto (27,6%) da população brasileira é beneficiária de algum plano de saúde. Entre os desempregados, o percentual é 10 pontos inferior, de apenas 17%.
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A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) mostra que há no país cerca de 47 milhões de beneficiário de convênios médicos privados. Para Marcelo Neri, diretor do FGV Social, é “preocupante” o que pode vir a acontecer com o setor e as consequências no SUS ao longo dos próximos meses.
“O que ainda salva um pouco o brasileiro é a existência de um serviço público de saúde. O problema é que esse serviço foi sucateado ao longo dos anos por conta da crise econômica. Agora, com a chegada da pandemia, esse efeito tende a ser muito mais agudo”, observa Neri.
A afirmação pode ser confirmada pelos dados do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar), que apontam para o aumento do número de beneficiários dos planos de saúde sempre que há queda no percentual de desempregados. Há de se destacar ainda que os convênios empresariais correspondem a quase 70% das contratações.
Para o diretor do FGV Social, mesmo quem consegue manter o plano após ficar desempregado não sustenta a mesma qualidade do serviço. "Eles têm que fazer uso do sistema público e, em uma situação como a atual, a qualidade é ainda pior por conta da superlotação causada pela pandemia”, lamenta.
Durante sua posse como ministro da Saúde, Nelson Teich defendeu a necessidade de tratar o coronavírus e a manutenção do emprego paralelamente. "Se tivermos mais desemprego, com menos gente com plano de saúde, vai impactar o SUS", alertou.
Segundo o IBGE, o Brasil fechou o primeiro trimestre de 2020 com 12,9 milhões de desempregados. Apesar de ainda não refletir totalmente os efeitos da pandemia, o valor corresponde a 12,2% da população e já é 1,2 ponto percentual superior ao número registrado no trimestre finalizado em dezembro.
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Na avaliação de Neri, o corte do convênio médico surge na vida dos brasileiros como uma conquista. “Isso já foi perdido ao longo dos anos por conta da crise que começou a ser revertida lentamente a partir de 2017. Se você pegar a recessão entre 2014 e 2018, a renda média dos brasileiros caiu 2%, mas a renda dos 5% mais pobres caiu 39%”, explica ele.
João Sobreira Neto, diretor de defesa da APM (Associação Paulista de Medicina), afirma que o congestionamento dos leitos é uma realidade atual tanto na saúde pública quanto nos hospitais particulares.
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“O problema é que 60% da população do Brasil depende do SUS. Com isso, a gente vê que o SUS vai sofrer a cada dia uma sobrecarga maior por conta de um volume que é maior, mas o sistema de saúde privado também está sobrecarregado”, destaca Neto.
O diretor da APM vê ainda uma situação preocupante dos serviços terceirizados de saúde em meio à pandemia. "O SUS eu acredito que não vá sofrer muito, mas na área particular já está ocorrendo isso, com uma diminuição nos atendimentos de rotina, fora da emergência, e já resultou em demissões”, diz.
Neto avalia que uma possível “catástrofe” no sistema vai depender das políticas governamentais adotadas. "É provável que o pico seja agora em maio. A parti daí, deve haver uma diminuição no número de casos e a liberação de leitos. O que se espera é que exista um controle para não haver um colapso”, afirma ele ao defender o isolamento social.