Carro elétrico deve dominar também o Brasil, dizem especialistas
Países como Noruega, China e Alemanha têm políticas voltadas aos veículos sem motor a combustão
Economia|Johnny Negreiros, do R7*
Carro elétrico (EV, na sigla em inglês) é assunto que ganhou força no Brasil a partir do início dos anos 2000. Apesar da notoriedade nos jornais e por parte de autoridades públicas, o veículo ainda é pouco utilizado pela população.
Segundo levantamento da ABVE (Associação Brasileira do Veículo Elétrico), o carro eletrificado somou 4.500 unidades vendidas em janeiro de 2023. Esse número equivale a apenas 3,4% de veículos de passeio e comerciais leves no país.
No entanto, seguindo tendência mundial, o modelo deve se tornar predominante no Brasil. É o que dizem especialistas ouvidos pelo R7.
“Os veículos eletrificados certamente serão a maior fatia de mercado em todos os países do mundo, em alguns anos. A questão não é se eles dominarão o mercado, mas sim quando eles dominarão o mercado”, analisa Adalberto Maluf, presidente da ABVE.
De acordo com os dados da associação, as vendas totais do mercado automotivo em janeiro de 2023 cresceram 11,9% em relação ao mesmo mês de 2022. Já a fatia dos eletrificados, no período, aumentou 76%. Se comparado a janeiro de 2021, o crescimento dos carros não movidos a combustão disparou em 241%.
Em comparação a países desenvolvidos, os números brasileiros ainda estão abaixo. Na China, 30% dos carros vendidos em 2022 eram elétricos. Nesse sentido, vale citar que 22% de todos os eletrificados no mundo são produzidos na nação asiática. Os dados são da Volumes EV.
A Alemanha, no ano passado, viu 55% das suas vendas no setor corresponderem a EVs. “Em 2019, eram 3%”, ressalta Maluf.
A Noruega talvez seja o caso que mais chama a atenção do mundo. Por lá, segundo a Federação Rodoviária da Noruega, carros com bateria representaram 94% das comercializações no ano passado.
“(A Noruega) chegou a esse nível primeiro pelas características geográficas, políticas e populacionais. É um país pequeno, com nível de educação muito alto. Mas houve um grande incentivo ao carro elétrico, ele foi, vamos dizer assim, na onda de uma grande política de redução de carbono da sociedade norueguesa. Há uma mão governamental por trás disso, que criou diferentes mecanismos (de incentivo)”, afirma Ricardo David, sócio-fundador da Elev, empresa especializada no setor da eletromobilidade.
Em relação aos Estados Unidos, Adalberto Maluf argumenta que “o país vinha um pouco atrás”, tendo saído de 2,2% das vendas da parcela dos eletrificados para 6,1% no ano passado.
“A meta do novo governo americano, e foram aprovados grandes incentivos nesses últimos dois anos, é chegar a 50% de veículos elétricos em 2030. Então, a eletrificação é a principal rota tecnológica da descarbonização do transporte do mundo. Isso é programa oficial da ONU. A União Europeia proibiu a venda de veículos a combustão”, afirma o especialista.
O que falta no Brasil
Segundo Maluf e David, o desempenho aquém do Brasil nesse mercado se explica por motivos econômicos e políticos estruturais. Nesse contexto, a principal razão é a incidência de impostos, que tornam o EV mais caro que o movido a combustíveis fósseis.
“No Brasil, hoje, a tributação em cima de um carro elétrico é maior do que a de um carro a combustão. Se você pegar toda a cadeia de tributos, você paga mais tributos no carro elétrico. Se um extraterrestre chega aqui e enxerga só a política tributária, ele vai dizer que deve ser algum problema da sociedade com carro elétrico, que é mais penalizado. E não é um problema da sociedade com o carro elétrico: é a falta de uma mão centralizadora, de uma mão que integra esforços municipais, estaduais e federais”, diz Ricardo David.
Na sequência, ele explica que o produto passa por três esferas de oneração: municipal, com o IPVA (Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores); estadual, com o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) e federal, com o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).
Para o sócio da ELEV, não há um grupo de leis sobre eletromobilidade no país. Nesse sentido, ele culpa o presidente, os governadores e os prefeitos por essa situação.
Na visão dele, seria necessária uma política industrial que incentivasse a produção nacional do setor e, assim, a popularização do carro elétrico.
Etanol
No último dia 22, uma declaração do mundo corporativo sobre o assunto repercutiu no mercado. Carlos Tavares, presidente da montadora de carros Stellantis, disse que os carros elétricos não são necessários para o brasileiro, durante entrevista coletiva.
Isso porque o etanol é biocombustível renovável, diferentemente da gasolina, e tem forte produção no país. A empresa surgiu da fusão da Fiat Chrysler e da Peugeot Citroën.
Agora%2C a sociedade precisa%2C o cidadão (brasileiro) precisa%3F Minha avaliação honesta é que não%2C eles não precisam porque vocês tem uma solução muito boa para o planeta. Também há o fato de o Brasil ter grandes terras onde a produção de etanol não vai competir com a de alimentos%2C o que também é muito bom para o país. É uma tecnologia muito acessível e já teve investimento necessário. Então%2C por que você desperdiçaria os recursos da sociedade em algo que não é melhor para o planeta%3F
Nesse contexto, há os veículos híbridos. São aqueles que possuem motor movido a combustíveis fósseis, mas ao mesmo tempo contam com a energia elétrica para se moverem. Nem sempre essa divisão é igual, com metade para cada um.
Na prática, os híbridos podem ser considerados um "meio-termo" entre os veículos tradicionais e os eletrificados.
Por sua vez, Ricardo David acredita que o veículo híbrido a etanol "é um excelente companheiro de viagem nesse crescimento pela sustentabilidade total da mobilidade urbana no Brasil". Contudo, ele discorda de Tavares.
"Os carros elétricos possuem, em média, apenas 35% dos componentes dos veículos a combustão, o que já nos sugere que, para produzir um carro, mesmo movido a etanol, precisaremos emitir mais poluentes do que o equivalente elétrico. Na sua operação um veículo elétrico não emite poluentes, enquanto que veículos a etanol normalmente admitem a versão Flex, o que permite o uso da gasolina, acarretando geração de gases de efeito estufa".
Além disso, diferentemente de Tavares, David afirma que os veículos movidos pelo combustível renovável não substituem os eletrificados. "O modelo híbrido a etanol nos parece o parceiro perfeito para conduzir o Brasil para a transição energética."
"Não é um tirar o outro. Eles não são oponentes. Uma política nacional poderia sinalizar para o convívio dos dois, que poderiam conviver bem até que obviamente pudéssemos ter o ideal, que seria o elétrico puro. Mas não vamos ter isso de um dia para o outro até que tenhamos as condições mais favoráveis de uma eletrificação plena", completa o chefe da Elev.
A reportagem procurou o CEO da Stellantis. Porém, ele não quis se pronunciar.
*Estagiário do R7, sob supervisão de Ana Vinhas