A Selic, a taxa básica de juros da economia brasileira, está em 13,75%
JSOUZA/ATO PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO-04/08/2022Com o risco de piora do mercado de crédito aumentado pela crise da Americanas, alguns economistas preveem uma queda da taxa básica de juros, que hoje é de 13,75%, mais cedo do que o esperado, ainda mais no atual cenário que já é de desaceleração da atividade econômica. Segundo analistas, a ameaça ao crédito poderia ser um aceno "técnico", e não político, do BC (Banco Central) ao governo, de que o corte de juros não está tão distante.
Essa possibilidade não é uma unanimidade, por conta das incertezas que ainda existem em torno da âncora fiscal, com chance de mudança das metas de inflação.
Nos últimos dias, o Banco Alfa e o Banco Fibra anteciparam as expectativas de início do ciclo de cortes, citando o risco de piora do mercado de crédito. Saindo de um cenário de juros estáveis em 13,75% até dezembro, o Fibra diminuiu a sua projeção da Selic no fim de 2023 para 12,5%, incorporando à estimativa cinco cortes de 0,25 p.p. (ponto porcentual) a partir de junho.
O economista-chefe do banco, Cristiano Oliveira, afirma que a mudança da projeção leva em conta o aperto das condições financeiras do país, que pode ser amplificado por problemas de crédito de "algumas empresas varejistas".
Isso significa um impulso negativo do crédito, em um momento no qual a atividade já desacelera naturalmente, devido ao aperto monetário conduzido pelo BC.
"[O contexto] justifica maior atenção do BC para a intensidade da desaceleração da atividade econômica que está sendo contratada neste momento e, certamente, irá desacelerar ainda mais a demanda e a inflação de preços livres", afirma Oliveira, em relatório assinado também por Ágila Cunha, economista do Fibra.
O cenário básico do banco indica desaceleração do crescimento do PIB a 1,0% neste ano, e de 2,9% em 2022.
Oliveira alerta, no entanto, que o mais provável é que a nova proposta de arcabouço fiscal seja menos dura do que o teto de gastos. Nesse caso, a tendência é de que o mercado precifique incerteza no cenário, de forma a manter a curva de juros futuros sob pressão.
Ao mesmo tempo, a desancoragem das expectativas impedirá a convergência da inflação a 3% no médio prazo.
"O mercado de juros deve continuar sendo o principal termômetro de risco macroeconômico, e o spread [a diferença em relação ao valor original] entre os vértices curtos e longos deve continuar elevado, limitando o efeito da queda da taxa básica de juros", diz.
Para o economista-chefe do Banco Alfa, Luís Otávio de Souza Leal, o início do ciclo de cortes nos juros será antecipado de setembro para junho, devido à piora dos dados de crédito. Esse quadro, combinado com a reoneração dos combustíveis e com a apresentação de um arcabouço fiscal crível, pode levar o BC a sinalizar que a redução dos juros será logo, já na próxima reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária, que vai ser realizada no dia 22.
"Parece que o impacto da política monetária sobre o mercado de crédito está bem encaminhado, seja pelo canal tradicional, seja por uma 'ajudinha extra' do caso Americanas", diz Leal, no relatório semanal de macroeconomia do Alfa. O economista fala que já se observa um aumento da inadimplência e do spread no crédito para pessoas físicas, e que a tendência é de piora também para as empresas.
Mesmo antecipando um início mais rápido do ciclo de cortes, o economista do Alfa diz que o ritmo da diminuição deve ser menor, de 0,25 p.p. por reunião, ante o 0,5 ponto esperado anteriormente. Leal aumenta a projeção de Selic no fim de 2023, de 12,25% para 12,5%, mas afirma que o novo cenário ainda implica juros médios menores no ano, de 13,10%, ante os 13,50% da estimativa anterior.
No entanto, há analistas que consideram baixa a chance de antecipação dos cortes da Selic. "O evento Americanas potencializa marginalmente a desaceleração do ritmo de expansão de crédito, mas a gente não está vendo um evento de crédito que crie um problema sistêmico. Você não pode achar que, se não cortar os juros, a economia vai implodir", diz o economista da BlueLine Asset, Flávio Serrano. "Nesse ambiente, faria mais sentido adotar políticas macroprudenciais, que ataquem o problema microeconômico na margem", avalia.
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