Erros de décadas na Argentina geram inflação de 140% e põem 40% da população na pobreza
Sergio Massa e Javier Milei disputam o voto popular com a missão de tirar a economia da crise que assola a vida dos argentinos
Economia|Alexandre Garcia, do R7
Os argentinos voltam às urnas neste domingo (19) para escolher o futuro presidente, que assumirá o cargo com a missão de tirar a economia da crise que assola o país há décadas. Ao ingressar na Casa Rosada em 2024, o vencedor da eleição vai encontrar um amargo cenário, marcado por inflação de 140% e rombo bilionário nas contas públicas.
A disputa eleitoral na Argentina está entre o peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia, e o libertário Javier Milei. Eles duelam pelo voto de 46 milhões de argentinos, dos quais 40% (cerca de 18 milhões) vivem em situação de pobreza.
Para chegar à situação atual, a cenário adverso foi agravado por sucessivas falhas na condução da política econômica após o fim da 2ª Guerra Mundial. Allan Augusto Gallo Antonio, professor de economia e pesquisador da Universidade Mackenzie, classifica a eleição de Juan Domingo Perón, em 1946, como o ponto de partida da “erosão institucional” na Argentina.
Gallo avalia que o início da crise foi marcado pela ideia de estabelecer um Estado forte, interventor e ultranacionalista. Ele recorda que Perón, apoiado pelos movimentos trabalhistas, reajustou os salários acima da inflação e defendeu o isolamento da nação. “Isso tudo criou uma cadeia perversa de incentivos, que privou a Argentina da competição com outras economias ao redor do mundo”, diz o pesquisador.
Com o fim da primeira fase do peronismo, a Argentina ingressou em uma ditadura, de 1976 a 1983, e viveu os anos seguintes com evidentes limitações para o desenvolvimento, assim como os demais países da região. “A década de 1980 na América Latina ficou conhecida como 'a Década Perdida'”, recorda o coordenador do curso de relações internacionais da Faculdade Rio Branco, José Maria de Souza Júnior.
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A transição para o retorno da democracia fortaleceu as alianças com outros países e, em movimento semelhante ao que resultou no Plano Real, houve uma tentativa frustrada de reestruturação liberal. Diante da situação, Souza recorda que o fim do controle da moeda brasileira em 1999, quando cada dólar custava R$ 1, prejudicou os hermanos.
“Quando o Brasil desvaloriza o real, isso tem um impacto na crise argentina dos anos 2000, o que compromete as relações do Mercosul naquele momento e, do ponto de vista comercial, o bloco nunca voltou a ser o que era. Desde então, falta articulação regional suficiente, e a Argentina não consegue se articular sozinha”, afirma.
Atualmente, Gallo observa que a Argentina ainda não superou o peronismo institucionalmente, porque a maioria dos que comandaram a nação nos últimos anos seguia a mesma vertente. “A suposta justificativa de soberania nacional continua brecando o desenvolvimento do país”, avalia ele.
“Apesar de ser um país rico em recursos naturais, a Argentina continua com 40,1% da população em situação de pobreza e mais de 9% em condições de absoluta vulnerabilidade, sem conseguir comprar sequer uma cesta básica”, lamenta Gallo.
Dependente do dólar
Os diversos períodos marcados por inflação galopante nas terras vizinhas desencadearam um novo entrave para as famílias hermanas: a desvalorização do peso argentino e a dependência do dólar como moeda de segurança. Segundo Gallo, a elevação dos preços no país é originada pelo gasto excessivo do governo, erro econômico básico, “repetidamente cometido pelo governo argentino”.
“Um aumento da quantidade de recursos na economia causa, inevitavelmente, uma desvalorização do próprio dinheiro, o que afeta diretamente o poder de compra dos seus cidadãos e penaliza severamente os mais pobres. [...] Dada a maior estabilidade do dólar frente ao peso argentino, a população acaba preferindo poupar em moeda americana para a compra de bens duráveis”, explica o professor do Mackenzie.
De acordo com Souza, o cenário adverso resulta na perda da referência de valor, o que faz a população buscar por ativos estáveis. “Os integrantes da classe média na Argentina têm seus recursos dolarizados para manter valor e a elite tem boa parte dos seus ativos, se não todos, atrelada à moeda americana”, afirma o professor da Faculdade Rio Branco.
Futuro ainda sombrio
Para o candidato vitorioso na disputa eleitoral, as avaliações são de que os desafios devem persistir pelos próximos anos. "Qualquer um dos dois que ganhe esta eleição vai precisar ser um gestor de crise", diz Souza, que recorda a incapacidade de Mauricio Macri, antiperonista que comandou a Argentina de 2015 a 2019, de amenizar o problema.
A posição é a mesma partilhada por Gallo, que vê uma conectividade de todas as variáveis econômicas que levaram a Argentina para o estágio atual. "O governo precisa gastar menos, e uma das formas é cortar os subsídios. No entanto, a inflação tende a subir muito", reforça ele.
O pesquisador observa a depreciação do peso na tentativa de estimular as exportações e, consequentemente, ampliar a entrada de dólares no país como alternativa. “Todas as medidas necessárias para a recuperação representam um remédio amargo no curto prazo, que, apesar de duras, precisarão ser tomadas sob pena de esfacelamento do país.”