Devolução de apês novos cresce, provoca atraso da entrega e põe obras em risco
Construtoras dizem devoluções ocorrem por especuladores frustrados com baixa valorização
Economia|Fernando Mellis, do R7
O comportamento de alguns investidores do mercado imobiliário brasileiro preocupa os demais agentes do setor neste momento de crise, sobretudo as construtoras. São pessoas que não estão satisfeitas com a pequena valorização de um imóvel adquirido na planta e decidem devolvê-los às construtoras.
Além daquele comprador que não tem condições de arcar com o financiamento, devido ao aumento das taxas de juros e restrição do crédito, “boa parte” dos distratos (devolução de imóveis adquiridos na planta antes da entrega) é feita por especuladores, segundo o diretor da Abrainc (Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias), Luiz Fernando Moura.
— O que tem acontecido não é nem um distrato, é basicamente uma desistência. Muita gente comprou imóvel vendo uma situação de valorização, desde a década passada. Quando se chega a uma estabilização [de preços], muita gente que comprou há dois ou três anos e que tinha uma perspectiva de ter um lucro grande teve frustrada essa expectativa.
Recentemente, um levantamento da agência de classificação de riscos Fitch mostrou que a cada cem imóveis vendidos entre janeiro e setembro de 2015, 41 foram devolvidos a nove grandes incorporadoras.
Quem investiu em imóveis nos últimos dez anos no Brasil viu uma valorização constante — em São Paulo: 224,7% entre janeiro de 2008 e dezembro de 2015, segundo o índice FipeZap.
Com essa perspectiva de retorno rápido, muitas pessoas ganharam dinheiro comprando apartamentos na planta e revendendo logo após a entrega. Moura diz que as devoluções feitas por especuladores colocam em risco os empreendimentos.
— Quando você chega ao meio da obra e 15% dos compradores resolvem desistir, você deixa de ter a entrada desses recursos que financiam a obra e tem que devolver alguma coisa a eles ainda. Isso também afeta o comprador que permanece no empreendimento e pode ter o prazo de entrega dilatado. Gera um risco para a operação. Esse risco vai ser precificado e repassado para os futuros lançamentos.
Confira quais são os direitos em caso de distrato
Segundo o presidente da Fiabci-Brasil (Federação Internacional Imobiliária), Rodrigo Luna, essa onda especulativa foi um dos fatores responsáveis pela supervalorização imobiliária nos grandes centros.
— O mercado imobiliário é para investidores de longo prazo. O verdadeiro investidor imobiliário é aquele que vive da renda do imóvel, que se dá por um longo tempo, pelo aluguel. O que aconteceu nos últimos anos não era investidor. Eram pessoas que queriam comprar na baixa e vender na alta. O mercado imobiliário não é bolsa de valores.
O diretor da Abrainc explica que as construtoras identificam as desistências por motivo financeiro ou por especulação.
— Em um produto destinado a uma classe de renda mais baixa, a maior parte desses distratos pode ser por dificuldades com crédito. Mas se você pega produtos destinados a investimento, que são apartamentos menores, de bom padrão, salas comerciais, eu diria que grande parte do que está acontecendo é desistência por uma expectativa de valorização frustrada.
Construtoras adiam lançamentos e aumentam descontos para conseguir vender imóveis
Ele acrescenta que a última alternativa, no caso de pessoas com dificuldades para conseguir crédito, será o distrato.
— Quem não consegue pagar, o incorporador tem todo o interesse em manter a venda, se o comprador tem interesse em ficar com o imóvel. Então, vai buscar uma solução, dá um pouco mais de prazo, muda para um andar mais baixo, mais barato, ou pega um apartamento menor. Tudo isso para tentar ajustar e não acontecer o distrato.
Na prática, o comprador que desiste do negócio recebe uma parte do dinheiro de volta, o que já está previsto no contrato. Porém, muitos clientes insatisfeitos decidem entrar na Justiça para reaver um percentual maior. Como defesa, as incorporadoras querem mostrar aos juízes que o motivo de determinadas desistências não é a falta de dinheiro ou de crédito.
Perspectiva
A crise na economia brasileira deve trazer um período de acomodação dos preços de imóveis, segundo executivos do setor. De acordo com o vice-presidente de Incorporação e Terrenos Urbanos do Secovi-SP, Emílio Kallas, 2016 ainda será um ano de boas oportunidades para quem deseja comprar a casa própria, especialmente se for à vista.
— Hoje, as construtoras estão vendendo abaixo do preço de tabela. Quem está capitalizado consegue negociar com muito mais facilidade. Os descontos giram em torno de 10%, em média.