Modelo para a Bahia, fábrica de carros elétricos saiu em 2 anos, é cheia de robôs e faz 40 carros/hora
R7 visitou planta de Changzhou, onde BYD emprega 12 mil e monta SUV Yuan Plus e sedã Seal em área de 12 estádios do Maracanã
Economia|Raphael Hakime, enviado a Changzhou, na China*
Funcionários com uniformes azuis e vermelhos (alguns de bermuda, outros de camisa), com equipamentos de proteção que vão de capacete a protetor de ouvido, ambiente limpo, seco e organizado, linhas de produção bem divididas entre dois modelos fabricados sob o método kanban do Toyotismo e uma dança frenética de centenas robôs em dois turnos de trabalho.
Somam-se a isso um controle severo de qualidade para achar falhas e trocar peças defeituosas, cartazes de ‘No Photo’ que lembram operários de jamais espalhar os segredos industriais e placas luminosas (e cores fortes, que destoam do cinza fabril) nas paredes da administração com fotos dos colaboradores mais produtivos do mês por seção, estilo McDonald’s.
É esse cenário que os brasileiros vão encontrar quando a planta de carros elétricos da montadora chinesa BYD em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, na Bahia, estiver em operação. O R7 esteve na fábrica de Changzhou, que servirá de espelho para a planta que pertencia à Ford e será adaptada até o final de 2024, quando o primeiro Dolphin, um hatch compacto elétrico, deverá aparecer pronto no final da linha de produção.
Os atributos incluem preocupação com segurança de novos funcionários, que passam por treinamento para prevenção de acidentes, adesivos em celulares para impedir fotos de visitantes e um estoque de 227 chassis como backup em caso de falha e paralisação da linha de produção, que monta o SUV Yuan Plus e o sedã Seal – este chega importado ao Brasil no fim do mês.
A fábrica fica estrategicamente localizada no Delta do rio Yangtsé, a 190 km de distância (ou 1 hora de trem-bala) de Xangai, cidade milenar no extremo leste da China, que se tornou um núcleo financeiro global e abriga 26 milhões de pessoas. A planta é vizinha ao porto de Xangai, de onde parte quase 20% dos contêineres e representa um quarto das exportações da China.
A vice-presidente global da BYD, Stella Li, explicou a razão de a montadora se instalar na Bahia. “O Brasil é um mercado crucial para nós já que é o sexto maior do mundo. [Além da fábrica da Bahia], estamos no caminho para entregar, em parceria com a Didi [maior empresa de aplicativos do mundo], unidades do D1 [um carro sob medida para apps de transporte] na cidade de São Paulo. Também vamos entregar ônibus elétricos para São Paulo e todo o Brasil.”
Espelho da BYD para Camaçari (BA)
Quando pronta, a fábrica de Camaçari vai se inspirar na unidade de Changzhou, que levou 2 anos para sair do papel, emprega 12 mil pessoas e hoje produz 40 carros por hora (um a cada 1,5min) em uma área 1.720.000 metros quadrados – o equivalente a 12 estádios do Maracanã. Um veículo, da estamparia, soldagem, pintura e montagem final, fica pronto em 4 horas.
Pioneira no Brasil, a indústria de carros elétricos na Grande Salvador, cujo processo de transferência ainda patina e envolve o governo baiano e a antiga dona das instalações, a americana Ford, vai receber R$ 3 bilhões em investimentos para sair do papel, promete empregar 5.000 pessoas entre diretos e indiretos e fabricar 150 mil veículos por ano.
Movida a eletricidade e gás natural e equipada com pelo menos 447 robôs industriais fabricados no Japão e na Alemanha, a unidade da BYD de Changzhou serve de modelo para Camaçari porque conta com alto grau de automação – um padrão para fábricas erguidas fora da China.
A pauta ambiental, alinhada às políticas publicas atuais brasileiras, contribuiu para o momento do anúncio da fábrica no país. “Estive com o presidente do Brasil, e eu tinha uma grande questão. Perguntei para ele qual era a visão para o futuro. Ele disse para mim: ‘Não importa o que aconteça, para mim, a mudanças climáticas são meu desafio número 1. Então, temos que trabalhar juntos, Brasil e China, já que somos amigos, para encontrar soluções para esse desafio’”, revelou a executiva chinesa.
Em seguida, lembrou que “isso depende do tipo da frota de veículos” e, agora, de uma transformação do perfil de compra, do carro à combustão para o elétrico. “A fábrica da Bahia pode ser um centro de manufatura não só para o Brasil, mas para todos os países ao redor”, avisou Stella Li.
“Na primeira vez que eu fui para o Brasil, notei que as pessoas realmente prestam atenção ao meio ambiente. E se preocupam com todas as iniciativas ligadas a isso. Mas toda vez que vou ao Brasil, há mais congestionamentos. [...] A Amazônia é o pulmão do nosso mundo. É muito importante para nós protegermos o meio ambiente. Mas todas as pessoas compram carros novos, tem mais trânsito nas estradas e, claro, vão trazer poluição. Acredito que a eletrificação é a solução para o Brasil também”, encerrou.
Camaçari e Changzhou: posição estratégica
As fábricas localizadas na Grande Salvador e na região metropolitana de Xangai têm em comum a posição geográfica estratégica.
Ambas estão muito próximas ao mar, contam com portos de grande porte capazes de receber e despachar matéria-prima e mercadorias com alto valor agregado, ficam perto de metrópoles, são abastecidas por rede local de transporte terrestre já em operação e produzem para consumidores sedentos por inovação e distância do posto de gasolina.
A BYD admite que “cada fábrica tem suas vantagens em relação à localização geográfica e recursos, e as instalações de fabricação selecionadas são determinadas pela estratégia da empresa”. Além disso, os benefícios fiscais e o alívio na cobrança de impostos oferecidos pelo governo da Bahia foram determinantes pela escolha de Camaçari.
O mercado brasileiro de veículos elétricos ainda engatinha. De acordo com a Anfavea (associação de fabricantes de veículos), com base nos dados do Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores), foram emplacadas 4.706 unidades entre janeiro e agosto deste ano. Carros de energia limpa têm participação de 0,4% do setor, contra 83,3% de veículos flex e 10,2% dos híbridos.
Ao todo, a BYD tem 13 fábricas na China, que produzem e fornecem de baterias e acessórios a carros, caminhões e ônibus elétricos. Juntas, se orgulham de terem poupado 38,2 milhões de toneladas de emissões de carbono, compensando o equivalente a 636.772.818 árvores em gás carbônico.
Oito delas só produzem veículos e, sozinha, a fábrica-modelo de Changzhou entregou 20 mil unidades por mês em 2022 (são cerca 240 mil por ano). No auge, a planta de Camaçari poderá alcançar até 300 mil por ano a depender de expansão e novos investimentos – o dobro do previsto no início da operação em 2024.
*O jornalista viajou a convite da BYD do Brasil