Domínio de robôs, planta organizada e um carro a cada 1,5min: assim é fábrica da BYD na China
Divulgação/BYDFuncionários com uniformes azuis e vermelhos (alguns de bermuda, outros de camisa), com equipamentos de proteção que vão de capacete a protetor de ouvido, ambiente limpo, seco e organizado, linhas de produção bem divididas entre dois modelos fabricados sob o método kanban do Toyotismo e uma dança frenética de centenas robôs em dois turnos de trabalho.
Somam-se a isso um controle severo de qualidade para achar falhas e trocar peças defeituosas, cartazes de ‘No Photo’ que lembram operários de jamais espalhar os segredos industriais e placas luminosas (e cores fortes, que destoam do cinza fabril) nas paredes da administração com fotos dos colaboradores mais produtivos do mês por seção, estilo McDonald’s.
É esse cenário que os brasileiros vão encontrar quando a planta de carros elétricos da montadora chinesa BYD em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, na Bahia, estiver em operação. O R7 esteve na fábrica de Changzhou, que servirá de espelho para a planta que pertencia à Ford e será adaptada até o final de 2024, quando o primeiro Dolphin, um hatch compacto elétrico, deverá aparecer pronto no final da linha de produção.
Estamparia tem cerca de 260 funcionários na China
Divulgação/BYDOs atributos incluem preocupação com segurança de novos funcionários, que passam por treinamento para prevenção de acidentes, adesivos em celulares para impedir fotos de visitantes e um estoque de 227 chassis como backup em caso de falha e paralisação da linha de produção, que monta o SUV Yuan Plus e o sedã Seal – este chega importado ao Brasil no fim do mês.
A fábrica fica estrategicamente localizada no Delta do rio Yangtsé, a 190 km de distância (ou 1 hora de trem-bala) de Xangai, cidade milenar no extremo leste da China, que se tornou um núcleo financeiro global e abriga 26 milhões de pessoas. A planta é vizinha ao porto de Xangai, de onde parte quase 20% dos contêineres e representa um quarto das exportações da China.
A vice-presidente global da BYD, Stella Li, explicou a razão de a montadora se instalar na Bahia. “O Brasil é um mercado crucial para nós já que é o sexto maior do mundo. [Além da fábrica da Bahia], estamos no caminho para entregar, em parceria com a Didi [maior empresa de aplicativos do mundo], unidades do D1 [um carro sob medida para apps de transporte] na cidade de São Paulo. Também vamos entregar ônibus elétricos para São Paulo e todo o Brasil.”
Automação usada na China será trazida para fábrica da BYD de Camaçari, na Bahia
Divulgação/BYDSegredo: nenhum visitante entra com celular na fábrica
Divulgação/BYDQuando pronta, a fábrica de Camaçari vai se inspirar na unidade de Changzhou, que levou 2 anos para sair do papel, emprega 12 mil pessoas e hoje produz 40 carros por hora (um a cada 1,5min) em uma área 1.720.000 metros quadrados – o equivalente a 12 estádios do Maracanã. Um veículo, da estamparia, soldagem, pintura e montagem final, fica pronto em 4 horas.
Pioneira no Brasil, a indústria de carros elétricos na Grande Salvador, cujo processo de transferência ainda patina e envolve o governo baiano e a antiga dona das instalações, a americana Ford, vai receber R$ 3 bilhões em investimentos para sair do papel, promete empregar 5.000 pessoas entre diretos e indiretos e fabricar 150 mil veículos por ano.
Movida a eletricidade e gás natural e equipada com pelo menos 447 robôs industriais fabricados no Japão e na Alemanha, a unidade da BYD de Changzhou serve de modelo para Camaçari porque conta com alto grau de automação – um padrão para fábricas erguidas fora da China.
A pauta ambiental, alinhada às políticas publicas atuais brasileiras, contribuiu para o momento do anúncio da fábrica no país. “Estive com o presidente do Brasil, e eu tinha uma grande questão. Perguntei para ele qual era a visão para o futuro. Ele disse para mim: ‘Não importa o que aconteça, para mim, a mudanças climáticas são meu desafio número 1. Então, temos que trabalhar juntos, Brasil e China, já que somos amigos, para encontrar soluções para esse desafio’”, revelou a executiva chinesa.
Em seguida, lembrou que “isso depende do tipo da frota de veículos” e, agora, de uma transformação do perfil de compra, do carro à combustão para o elétrico. “A fábrica da Bahia pode ser um centro de manufatura não só para o Brasil, mas para todos os países ao redor”, avisou Stella Li.
“Na primeira vez que eu fui para o Brasil, notei que as pessoas realmente prestam atenção ao meio ambiente. E se preocupam com todas as iniciativas ligadas a isso. Mas toda vez que vou ao Brasil, há mais congestionamentos. [...] A Amazônia é o pulmão do nosso mundo. É muito importante para nós protegermos o meio ambiente. Mas todas as pessoas compram carros novos, tem mais trânsito nas estradas e, claro, vão trazer poluição. Acredito que a eletrificação é a solução para o Brasil também”, encerrou.
Pátio cheio mostra potencial da fábrica de carros elétricos da BYD em Changzhou, na China
Raphael Hakime/R7Quando pronto, veículo passa por um túnel de luz para detecção de eventuais problemas
Divulgação/BYDAs fábricas localizadas na Grande Salvador e na região metropolitana de Xangai têm em comum a posição geográfica estratégica.
Ambas estão muito próximas ao mar, contam com portos de grande porte capazes de receber e despachar matéria-prima e mercadorias com alto valor agregado, ficam perto de metrópoles, são abastecidas por rede local de transporte terrestre já em operação e produzem para consumidores sedentos por inovação e distância do posto de gasolina.
A BYD admite que “cada fábrica tem suas vantagens em relação à localização geográfica e recursos, e as instalações de fabricação selecionadas são determinadas pela estratégia da empresa”. Além disso, os benefícios fiscais e o alívio na cobrança de impostos oferecidos pelo governo da Bahia foram determinantes pela escolha de Camaçari.
O mercado brasileiro de veículos elétricos ainda engatinha. De acordo com a Anfavea (associação de fabricantes de veículos), com base nos dados do Renavam (Registro Nacional de Veículos Automotores), foram emplacadas 4.706 unidades entre janeiro e agosto deste ano. Carros de energia limpa têm participação de 0,4% do setor, contra 83,3% de veículos flex e 10,2% dos híbridos.
Ao todo, a BYD tem 13 fábricas na China, que produzem e fornecem de baterias e acessórios a carros, caminhões e ônibus elétricos. Juntas, se orgulham de terem poupado 38,2 milhões de toneladas de emissões de carbono, compensando o equivalente a 636.772.818 árvores em gás carbônico.
Oito delas só produzem veículos e, sozinha, a fábrica-modelo de Changzhou entregou 20 mil unidades por mês em 2022 (são cerca 240 mil por ano). No auge, a planta de Camaçari poderá alcançar até 300 mil por ano a depender de expansão e novos investimentos – o dobro do previsto no início da operação em 2024.
*O jornalista viajou a convite da BYD do Brasil