Franquias brasileiras ignoram potencial de países de língua portuguesa
Empresários investem fortemente em Portugal e deixam de lado mercados como Angola e Moçambique
Economia|Deborah Hana Cardoso, da RECORD

A cultura brasileira, amplamente disseminada em nações lusófonas por meio da televisão e da internet, estimula o desejo por produtos do Brasil.
Esse público soma quase 300 milhões de falantes da língua portuguesa — cerca de 90 milhões fora do território nacional.
Segundo a moçambicana Paula Calane, 44 anos, a imagem do Brasil entre os compatriotas é extremamente positiva.
“Os moçambicanos veem o país como alegre, moderno e vibrante. Para muitos, é um sonho de lugar, especialmente por causa dos canais de TV aos quais temos acesso”, contou.

Casada com um brasileiro e mãe de dois adolescentes, Calane mantém uma loja no Maputo Shopping, especializada em revenda de produtos brasileiros.
“As mulheres procuram bastante por roupas e cosméticos. Temos franquias como O Boticário, Ipanema e Havaianas, além de marcas como Natura, Arezzo, Uza, Moleca, Muriel e Lupo”, relatou.
Apesar de atuar como revendedora, Calane demonstrou interesse em abrir uma franquia em Moçambique. “Tenho vontade de investir, mas não é tão simples.”
Embora exista demanda evidente, o movimento das franqueadoras não acompanha o interesse local. A preferência segue concentrada em Portugal, onde operam 71 marcas brasileiras — o segundo maior destino internacional dessas empresas.
Conforme dados da Associação Brasileira de Franchising (ABF), o número de operações brasileiras no exterior cresceu 26,3% entre 2022 e 2023, saltando de 1.717 para 2.175 unidades.
No mercado interno, o avanço foi de 13,5% em 2024, superando R$ 273 bilhões em faturamento.
Apesar do entusiasmo em relação a Portugal, países como Angola, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste não figuram entre os dez principais destinos das franquias brasileiras.
Fatores que explicam a ausência
O desinteresse por outros países lusófonos envolve questões como instabilidade política, desafios econômicos e falta de conhecimento sobre o mercado local.
- Angola tem mais de 36 milhões de consumidores e um PIB próximo de 85 bilhões de dólares. No entanto, a presença de marcas brasileiras ainda é limitada. Desde 2003, o país possui legislação específica para contratos de distribuição, representação e franquia.
- Moçambique, com população estimada em 33 milhões e PIB de cerca de 21 bilhões de dólares, começou a regulamentar o franchising apenas em 2022.
- Cabo Verde não dispõe de legislação exclusiva para franquias. O setor é regido por normas comerciais genéricas.
- Guiné-Bissau, Timor-Leste e São Tomé e Príncipe ainda não apresentam registros legais voltados ao setor.
Marcelo Tertuliano, consultor empresarial em Moçambique e sócio da CTJ Consultoria, aponta obstáculos importantes para as marcas brasileiras.
“As empresas precisam lidar com infraestrutura limitada, concorrência local, poder de compra reduzido e entraves regulatórios”, explicou. “Além disso, a ausência de acordo bilateral para evitar a dupla tributação torna a internacionalização menos atrativa.”
Para Melitha Novoa Prado, advogada especializada em franchising e sócia do NPMP Advogados, a insegurança jurídica afasta investidores.
“Mudanças frequentes nas normas criam interpretações conflitantes. Sem uma lei específica para franquias, decisões ficam comprometidas e há risco de perda de rentabilidade, especialmente com variações nas regras tributárias.”
"E se as marcas fossem escritas do jeito que a gente fala?". Com essa dúvida na cabeça, o publicitário Gustavo Asth, de 26 anos, desenvolveu o projeto "#ComoFala", que recria logomarcas famosas a partir da pronúncia delas em português. "Uai Fai"? "...
"E se as marcas fossem escritas do jeito que a gente fala?". Com essa dúvida na cabeça, o publicitário Gustavo Asth, de 26 anos, desenvolveu o projeto "#ComoFala", que recria logomarcas famosas a partir da pronúncia delas em português. "Uai Fai"? "Blutuf"? "Iarrú"? Reconheceu? Não? Então descubra a seguir como ficam as logomarcas escritas de uma outra forma
Demanda, mas sem estratégia
Dados da ABF indicam que os segmentos de moda, beleza e saúde lideram o processo de internacionalização. Para João Men, professor de MBA da FGV, os empresários brasileiros não exploram o potencial da língua e da cultura compartilhadas.
“Ignoramos o português como vantagem competitiva e subestimamos a influência cultural brasileira nesses países. Falta pesquisa e conhecimento de mercado”, critica.
Essa presença simbólica se manifesta em diferentes formas. Em países como Moçambique e Angola, novelas e programas brasileiros fazem parte da rotina.
“O consumidor moçambicano associa o Brasil a produtos de moda e cuidados pessoais. Havaianas, Ipanema, O Boticário, Natura, Salon Line e Skala são marcas amplamente reconhecidas”, afirmou Tertuliano.
Exemplo dessa conexão é a Calçados Bibi, que projeta expansão para Angola e Portugal. “Procuramos parceiros com propósito. Internacionalizar exige mais do que vender: requer compromisso com o desenvolvimento local”, explicou a presidente Andrea Kohlrausch.
Portugal lidera — mas não deveria estar sozinho
Portugal, além da afinidade linguística, abriga a segunda maior comunidade brasileira fora do país, com cerca de 513 mil pessoas. Os Estados Unidos, com mais de 2 milhões, lideram em número de franquias e representam 1,2% das exportações nacionais.
À reportagem, a Embaixada de Portugal destacou a relevância dessa relação.
“O vínculo entre os dois países tem se fortalecido nos últimos anos, inclusive no setor de franquias. Segundo a ABF, 48% das marcas brasileiras com presença internacional operam em território português”, informou em nota.
“Algumas dessas marcas tornaram-se casos de sucesso, especialmente nos setores de cosméticos, alimentação e moda.”
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