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Investidores nos EUA acusam Vale: 'Esquema para enganar o mercado'

Na Justiça norte-americana, acionistas dizem que empresa e diretores tinham conhecimento de relatórios 'enganosos' sobre barragem que rompeu

Economia|Fernando Mellis, do R7

Duas ações coletivas já foram abertas por investidores
Duas ações coletivas já foram abertas por investidores

Acionistas da Vale nos Estados Unidos acusam a companhia de violar leis federais de valores mobiliários ao, supostamente, mentir para os investidores sobre a segurança das barragens da mineradora e, como consequência, causar prejuízos a eles após a tragédia em Brumadinho (MG).

O R7 teve acesso aos dois processos cíveis contra a Vale ajuizados no Tribunal Federal do Distrito Leste de Nova York, no Brooklyn, desde o rompimento da barragem, que deixou até agora ao menos 165 mortos. 

Os processos são coletivos e incluem todos os compradores de ações da Vale nos Estados Unidos entre 13 de abril de 2018 e 28 de janeiro de 2019.

No mais recente deles, protocolado na sexta-feira (8), o investidor Richard Epstein acusa os réus — Vale S.A., Fabio Schvartsman (presidente-executivo) e Luciano Siani Pires (diretor-executivo de finanças e relações com investidores) — de mentir em relatórios ao mercado e comunicados à imprensa.


"Os réus fizeram declarações falsas e enganosas e participaram de um esquema para enganar o mercado, uma conduta que inflou artificialmente o preço das ações ordinárias da Vale", diz outro trecho da ação.

Os investidores também sustentam que os dirigentes da Vale deram "declarações deturpadas" sobre a barragem e que, quando a "conduta fraudulenta dos réus se tornou aparente no mercado, o preço das ações ordinárias da Vale caiu vertiginosamente".


No dia da tragédia em Brumadinho, as ações da Vale na Bolsa de Valores de Nova York fecharam em queda de 8% e acumularam sucessivas baixas. Hoje, os papéis da mineradora são vendidos no menor valor desde o fim de 2017.

A Vale tinha, em dezembro de 2018, 23,63% das ações negociadas na Bolsa nova-iorquina, com um valor de mercado de US$ 15,7 bilhões (cerca de R$ 58,5 bilhões na cotação atual). 


Brumadinho já contabiliza 165 mortes na barragem
Brumadinho já contabiliza 165 mortes na barragem

"A Vale está acostumada a tragédias, causando destruição a [pessoas] inocentes e deixando de cumprir as regras e regulamentos do setor", diz outro trecho do processo, que cita o caso do rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG). A empresa era controlada pela Vale e pela anglo-australiana BHP Billiton. 

"Os réus fizeram declarações falsas e/ou enganosas e/ou não divulgaram que: (1) a Vale não havia avaliado adequadamente o risco e o potencial de danos de uma quebra de barragem em sua mina de Feijão, especialmente em vista de sua experiência em 2015; (2) os programas da Vale para mitigar os incidentes de saúde e segurança eram inadequados; (3) os réus declararam que seu auditor, conforme exigido pela legislação brasileira de mineração, não era independente; (4) os réus não divulgaram que um relatório interno encomendado pela Vale no ano passado para examinar a estabilidade da barragem de rejeitos levantou preocupações sobre seus sistemas de drenagem e monitoramento; e (5) os réus não divulgaram a existência de informações de que a barragem estava em risco de 'liquefação', o mesmo motivo que levou ao colapso, em 2015, da barragem da Samarco."

Leia também: Vale enfrentará ações trabalhistas, cíveis, penais e ambientais

Os autores pedem que seja reconhecida a procedência da ação. A decisão caberá ao juiz Sanket J. Bulsara, que já foi conselheiro-geral interino da SEC (Comissão de Títulos e Câmbio dos Estados Unidos, na sigla em inglês), órgão que fiscaliza o mercado de capitais no país.

Ações tramitam em tribunal federal de Nova York
Ações tramitam em tribunal federal de Nova York

Em outra ação civil pelo mesmo motivo, ajuizada no tribunal no dia 28 de janeiro, o autor Brian Rauch argumenta que a Vale informou à SEC, em 2017, sobre os procedimentos para monitorar e inspecionar suas barragens, sujeitos às regulamentações brasileiras de mineração e ambientais. Em maio de 2018, a mineradora voltou a fornecer detalhes aos investidores dos EUA sobre a segurança das barragens. 

O investidor pondera que essas declarações "foram materialmente falsas e/ou fraudulentas porque deturparam e não divulgaram fatos adversos relativos aos negócios, operações e perspectivas da companhia, que eram conhecidos dos réus ou imprudentemente negligenciados por eles".

O sistema de acompanhamento de processos da Justiça dos EUA mostra que a Vale e os dois diretores já foram intimados nos dois casos (veja uma das intimações abaixo).

Advogados ouvidos pela reportagem avaliam que o destino da Vale pode ser o mesmo da Petrobras nos EUA. A petroleira foi processada por investidores norte-americanos que cobravam por supostos prejuízos decorrentes da corrupção na companhia.

Em janeiro de 2018, a empresa fechou um acordo com os acionistas e teve que desembolsar US$ 2,95 bilhões (cerca de R$ 11 bilhões na cotação atual) para encerrar a disputa judicial.

Luiz Marcatti, presidente da Mesa Corporate Governance, observa que até o momento a Vale não comprovou que o rompimento da barragem se trata de um caso "absolutamente fortuito" e que a mineradora é reincidente.

"Os autores vão tentar provar que a Vale mentiu para a SEC ao garantir que cumpria as regras, e aconteceu o que aconteceu. Por outro lado, eu entendo que a defesa da Vale vai falar que tudo foi feito de acordo com a legislação em vigor no Brasil." 

Marcatti pontua ainda o fato de investidores serem prejudicados pela perda da capacidade de investimento da companhia brasileira. 

"Existe uma preocupação [dos acionistas] de longo prazo na Vale. A partir do princípio de que todas as barragens da Vale têm o mesmo modelo no Brasil, o custo para mudar isso vai ser imenso. No médio prazo, isso afeta o desempenho da empresa porque ela deve perder capacidade de investir."

Procurada, a Vale afirmou que "os processos estão em estágio muito preliminar e, como já anunciado, a empresa pretende se defender de forma vigorosa de todas as alegações no momento oportuno". Apesar de já haver comprovantes das intimações emitidas, a empresa nega que tenha sido formalmente citada nas ações. 

Vale e executivos já foram intimados em um dos processos ajuizados em Nova York
Vale e executivos já foram intimados em um dos processos ajuizados em Nova York

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