Jovem engenheiro cria negócio para ajudar pessoas do Jardim Pantanal
Matheus Cardoso, de 23 anos, é um empreendedor que se dedica a reformar casas populares na zona leste de São Paulo
Economia|Karla Dunder, do R7
As ruas alagadas do Jardim Pantanal, bairro às margens do Tietê, marcaram a vida de Matheus Cardoso. O jovem cresceu convivendo com as dificuldades de uma comunidade que surgiu em área de transbordo do rio. Estudou engenharia e transformou a vontade de ajudar seus vizinhos em um negócio social ao criar a Moradigna. A empresa reforma casas de pessoas de baixa renda a um custo baixo.
“Minha história é muito parecida com a de outros brasileiros”, diz Cardoso. “Meus pais vieram da Bahia para São Paulo no fim dos anos 1980 em busca de uma vida melhor e foram parar em uma comunidade que estava se formando na época, o Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo. Como tantas outras que surgem na cidade, era uma área inadequada e sem estrutura”.
As enchentes faziam parte do calendário do bairro. “Convivíamos por meses com a água nas ruas e dentro das casas. Meu pai ia trabalhar de chinelo, com a calça dobrada e uma garrafa de água nas mãos. Quando chegava em um lugar seco, lavava os pés e colocava o sapato. Na volta para casa a situação se repetia". O bairro também sofria com condições precárias de saneamento.
Cardoso conta que a família chegou a perder uma casa tentando construir andares sobre as lajes para fugir das enchentes. “Chegou a um ponto insustentável. Meus pais tiveram de demolir tudo e fomos morar em uma casa bem menor".
O pai estudou até o segundo grau e trabalha com logística de obras, o que inspirou o filho, ainda menino, a trabalhar no ramo da construção civil. A mãe completou o ensino fundamental e após o divórcio passou a trabalhar como empregada doméstica para melhorar a renda da família.
Estudar era uma necessidade. “Meus pais sempre nos incentivaram a estudar. Era a janela de oportunidade, o caminho para sair do Jardim Pantanal. E isso valeu para mim e para os meus irmãos. Minha irmã mais velha é professora na rede pública e o caçula estuda engenharia aeroespacial na Universidade Federal do ABC".
Inspirado na profissão do pai, animado com o bom momento que vivia a construção civil, o jovem Matheus decidiu cursar o técnico em edificações na ETEC Tereza Nunes em Arthur Alvim e o ensino médio na ETEC Aprígio Gonzaga na Penha, ambos na zona leste.
“Consegui ingressar em engenharia no Mackenzie com uma bolsa do Prouni, os dois primeiros anos eram período integral, mas no sétimo semestre eu precisei trabalhar e a rotina foi bem pesada”.
Matheus saía de casa no Jardim Pantanal às 3h30 da madrugada para conseguir chegar na Vila Olímpia no horário comercial usando transporte público. “Eu saía do trabalho e seguia para a faculdade em Higienópolis e só aí voltava para casa. Muitas vezes, só conseguia ir para a cama depois de uma hora da manhã, praticamente não dormia”.
E foi percorrendo a cidade e observando as diferenças que Matheus decidiu que precisava fazer algo pelo Jardim Pantanal. “Eu saía de um lugar de alta vulnerabilidade para trabalhar e estudar em lugares onde o metro quadrado é caríssimo. Só percebi a desigualdade social quando eu me deparei com as diferenças. Por que não transformar o Jardim Pantanal?”. Essa foi a semente para o projeto do Moradigna.
Moradigna
Ainda cursando a faculdade de engenharia, Matheus participou do projeto de incubadoras do Mackenzie. “Queria usar a minha profissão para ajudar as pessoas e mudar a realidade da minha comunidade”. Nesse processo, descobriu que poderia criar um negócio social.
Com o esboço de um projeto desenhado, participou do processo de Aceleração e Capacitação do Yunus Negócios Sociais. “Esses foram os grandes impulsos que recebi, ao mesmo tempo que investia nos meus sonhos, eu precisava trabalhar para ajudar minha mãe".
A Moradigna surgiu não como um negócio inovador, a ideia é relativamente simples: reformar casas insalubres, que sofrem com umidade e mofo, com planejamento. “Nossa proposta é a de resolver problemas. Sabemos que uma reforma não planejada tem um custo 40% maior no final. No caso de pessoas de baixa renda, esse número é ainda maior porque são pessoas com instrução menor".
O primeiro projeto de reforma foi a própria casa. “Eu precisava começar de alguma forma, mas meu capital inicial era zero. Então, peguei o cartão de crédito da minha irmã sem ela saber, comprei o material necessário e reformei a casa da minha mãe". Passo nada ortodoxo, mas que deu certo. Vizinhos o contrataram para novas obras e o projeto foi ganhando forma de um negócio.
“Decidi largar meu emprego na Promon Engenharia para ser um empreendedor social. Não foi fácil! Eu tinha realizado o sonho da minha mãe: me formei e trabalhava com carteira assinada. Ninguém entendeu a minha decisão no início”. Depois do impacto, mão na massa.
A Moradigna passou do projeto para a empresa em 2015. Um negócio que realiza reformas em casas na zona leste de São Paulo, Guarulhos e Itaquaquecetuba. A mão de obra contratada é local para fomentar a economia do bairro. Também conta com parceiros como grandes empresas do setor de construção civil, um jeito de conseguir preços mais baixos na compra dos materiais. O custo médio das reformas do Moradigna é de R$ 5 mil, que podem ser parcelados via financeiras.
“Começamos com 15 reformas no primeiro ano e hoje já realizamos mais de 400 obras. Eu entendo que a casa de uma pessoa é a sua segunda pele, o local onde deve se sentir bem e é fundamental que viva com dignidade. Consegui reunir em um só lugar meu sonho e meu trabalho".