Lizzie Magie, a inventora desconhecida do jogo Banco Imobiliário
Jogo vendeu até hoje mais de 275 milhões de unidades e foi licenciado em centenas de edições, mas esconde influências de desenvolvedora
Economia|Gavin Edwards, do The New York Times
Quando Charles Darrow, vendedor desempregado que residia na Filadélfia, soube da existência de um novo jogo de tabuleiro que começava a ficar muito popular em pequenos círculos, pediu a seus amigos que escrevessem as regras e o ajudassem a aprimorar o design gráfico. Em 1933, registrou os direitos autorais do Banco Imobiliário (Monopoly, em inglês), como sendo uma invenção própria e começou a vendê-lo em lojas de brinquedos e de departamentos.
Baseado em negociações imobiliárias, o jogo vendeu até hoje mais de 275 milhões de unidades e foi licenciado em centenas de edições que dele derivaram. Em pouco tempo se tornou parte da vida americana. Também transformou Darrow em um milionário. Mas o crédito pela ideia por trás do negócio não deveria pertencer a ele, e sim a uma mulher de Illinois com um currículo versátil que incluía escrita, atuação, engenharia e trabalho como estenógrafa. Chamava-se Lizzie Magie.
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A premissa do jogo de Magie, originalmente chamado de The Landlord’s Game (algo como “jogo do dono do imóvel”), é familiar a qualquer um que já tenha jogado o Banco Imobiliário. Os jogadores movimentam suas fichas, depois de rolar dados, ao redor do perímetro de um tabuleiro quadrado, comprando imóveis ao longo do caminho, que podem usar para cobrar aluguel de outros jogadores. Magie patenteou sua invenção em 1904 – no mesmo dia em que os irmãos Wright registraram a patente do seu avião –, que foi publicada em 1906 pela Economic Game Co., empresa da qual ela mesma era coproprietária.
Em seu pedido de patente, Magie escreveu: “Cada vez que um jogador dá uma volta no tabuleiro, ele supostamente trabalhou tanto sobre a Mãe Terra que, depois de passar novamente pelo ponto de partida, recebe seu salário, US$ 100.”
Magie projetou o jogo com dois conjuntos de regras: um que recompensava os jogadores quando os recursos eram divididos igualmente e outro em que o vencedor era o barão da terra que acumulasse mais riqueza. De qualquer forma, ela esperava que os jogadores refletissem sobre os fundamentos da sociedade capitalista.
Elizabeth Jones Magie nasceu em nove de maio de 1866, em Macomb, no Illinois, em uma família com inclinações políticas bem definidas. De acordo com o livro de Mary Pilon, de 2015, “The Monopolists” (Os monopolistas), seu pai, James Magie, era editor de um jornal abolicionista que divulgou os debates entre Lincoln e Douglas, de 1858 (série de sete debates travados entre o senador democrata Stephen A. Douglas e o desafiante republicano Abraham Lincoln durante a campanha para o senado, no Illinois). A mãe dela se chamava Mary (Ritchie) Magie.
Em vários momentos de sua vida, a autora do jogo também foi poetisa; estenógrafa no Dead Letter Office (departamento para onde iam as correspondências não entregues); atriz cômica de teatro; engenheira (que inventou e patenteou um dispositivo que melhorou o fluxo de papel nas máquinas de escrever); e escritora de ficção. Seu conto “The Theft of a Brain” (O roubo de um cérebro), publicado na revista feminina “Godey’s”, conta a história de uma escritora que obtém sucesso depois de liberar seu potencial sob hipnose, mas descobre que o hipnotizador havia plagiado seu romance.
Magie concebeu o The Landlord’s Game como uma ferramenta ideológica: um jogo que ensinaria às pessoas as ideias do economista político Henry George (1839-1897). O princípio central do georgismo pregava que os cidadãos deveriam ficar com tudo que ganhavam, e que o governo deveria ser financiado por um imposto sobre os proprietários de imóveis, uma vez que a terra a todos pertencia. Uma sociedade financiada por um único imposto sobre a terra, acreditava George, eliminaria tanto a pobreza da classe baixa quanto os cartéis industriais.
Nas regras do The Landlord’s Game, Magie explicou como os possíveis conflitos poderiam ser resolvidos: “Caso surja alguma emergência que não esteja coberta pelas regras do jogo, os jogadores devem resolver a questão entre si; mas se um jogador se recusar terminantemente a obedecer às regras estabelecidas acima, deve ir para a cadeia e permanecer lá até que consiga que seus dados caiam todos no mesmo número ou pague uma multa.”
The Landlord’s Game não foi um sucesso, mas criou grupos de fãs, incluindo quakers utópicos, em Delaware, e fraternidades estudantis dentro do Williams College, em Massachusetts; o jogo chegou até a ser adaptado para o mercado britânico com o nome de “Brer Fox an’ Brer Rabbit” (algo como “a raposa e o coelho”).
Essa não foi a única invenção de Magie. Ela também criou vários jogos de cartas, inclusive um jogo de simulação de julgamento em um tribunal, chamado Mock Trial, que vendeu para a Parker Brothers, em 1910. No mesmo ano, também tentou vender The Landlord’s Game, mas a empresa o considerou muito complexo.
‘Golpe publicitário’
Naquela época, Magie já tinha chamado a atenção de todo o país com um golpe publicitário que montara em 1906, quando publicou um anúncio no jornal se oferecendo para ser vendida como uma “jovem escrava americana”, com “grandes olhos verde-acinzentados, lábios cheios e apaixonados; dentes esplêndidos: não bonita, mas muito atraente”, e descrevendo-se como “honesta, justa, poética, filosófica”.
O anúncio, que pretendia ser uma crítica da escravidão e das perspectivas econômicas sombrias das mulheres solteiras, em vez disso deu vazão a inúmeras propostas de casamento insidiosas e a uma oferta de emprego em um show de aberrações. Tudo isso a levou a manter correspondência com o escritor Upton Sinclair e a trabalhar como repórter de jornal. (Magie se casou aos 44 anos com o empresário Albert Phillips.)
Nesse meio-tempo, os jogadores estavam convertendo The Landlord’s Game em jogos caseiros, copiando o tabuleiro em madeira ou tecido, ajustando as regras e chamando-o de “jogo do monopólio”. Quando os fãs ensinavam os amigos a jogar, nenhum deles fazia ideia de que o jogo feito à mão tinha uma inventora: Magie.
Os vínculos do Monopoly com Magie ficaram ainda mais perdidos na história quando Darrow vendeu sua versão para a Parker Brothers, em 1935, alegando que criara o jogo para entreter sua família durante a Grande Depressão e que dera às propriedades o nome de locais do próspero resort de praia de Atlantic City, em Nova Jersey. Uma fantasia plutocrática era exatamente o que os americanos queriam naquela época. Milhões de cópias foram vendidas, salvando da falência a Parker Brothers, então em dificuldades, e enriquecendo Darrow.
Monopólios reais
Muitos jogos de sucesso, incluindo Tiddlywinks (jogo de lançamento de disquinhos coloridos em um copo) e Battleship (Batalha Naval), foram criados como versões comerciais de diversões caseiras. Mas qualquer editora poderá imprimir uma versão própria se um jogo estiver em domínio público.
Com o objetivo de esmagar a concorrência em potencial e se manter como única proprietária da patente do Monopoly, a Parker Brothers adquiriu jogos semelhantes, como o The Landlord’s Game, e derivados, como o Finance.
Magie vendeu os direitos do The Landlord’s Game para a Parker Brothers por um valor fixo de US$ 500, cerca de US$ 11 mil em valores atuais. A empresa também concordou em publicar dois de seus outros jogos de tabuleiro, King’s Men (Homens do rei), jogo de combinação de peças, e Bargain Day (Dia da pechincha), jogo de compras. Encantada com o fato de que suas ideias georgistas alcançariam um público mais amplo, ela escreveu uma carta à Parker Brothers na qual se referia ao The Landlord’s Game como se fosse uma pessoa: “Adeus, minha amada criação. É com pesar que me separo de você, mas o estou entregando a outro que poderá fazer mais por você do que fiz.”
Embora a Parker Brothers, comprada pela Hasbro, em 1991, tenha reimpresso o The Landlord’s Game, em pouco tempo ele foi preterido pelo Monopoly. Magie não tinha direito a receber royalties, e a Parker Brothers promoveu Darrow como sendo o único inventor do Monopoly.
As contribuições marcantes de Magie para a cultura americana e para o design de jogos permaneceram apagadas até a década de 1970, quando Ralph Anspach, inventor de um jogo chamado Anti-Monopoly, descobriu o trabalho dela durante uma disputa legal sobre violação de marca registrada com a Parker Brothers.
Magie morreu aos 81 anos, em dois de março de 1948, em Staunton, na Virgínia, mas viveu o suficiente para ver o sucesso duradouro do jogo que se baseou em uma ideia sua, mesmo que seu nome tenha sido apagado e a ideologia por trás da invenção, atenuada.
O jornal “Evening Star”, de Washington, D.C., entrevistou Magie em 1936 e resumiu assim o que ela pensava: “Ela acredita que, se a propaganda sutil da possibilidade de existir um imposto único chegar à mente de milhares de pessoas que agora compram e vendem no tabuleiro do Monopoly, todo o negócio não terá sido em vão.”
c. 2024 The New York Times Company