Operação da Polícia Federal não é o único problema que a BRF enfrenta
Balanço negativo em R$ 1 bilhão e imagem arranhada no exterior são pontos a serem enfrentados pelos acionistas
Economia|Karla Dunder, do R7
A BRF (Brasil Foods) dona de mais de 30 marcas, entre elas Perdigão e Sadia, enfrenta basicamente dois problemas: o primeiro é o impacto direto da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, e o segundo, a empresa está no vermelho. No balanço de 2017, o prejuízo foi de R$ 1 bilhão.
Os funcionários da unidade de Mineiros, em Goiás, alvo da Operação Trapaça, terceira fase da Operação Carne Fraca, estão em férias coletivas a partir desta segunda-feira (12). Os trabalhadores da linha de produção de frangos e perus vão parar de trabalhar, segundo a empresa, para a readequação do layout da fábrica, o que já era de conhecimento do sindicato da categoria e do Ministério Público desde fevereiro.
“A BRF esclarece que 497 colaboradores da linha de produção de perus da unidade de Mineiros saem de férias coletivas a partir de hoje (12/3), por 30 dias. Outros 623 colaboradores da linha de frangos saem nesta mesma data por dez dias, mediante compensação. O motivo é que a área passará por uma adaptação para ampliar a capacidade da linha de corte. ”
Qual o impacto de tudo isso para a economia? A BRF é uma gigante responsável por 40% das exportações de carnes de aves, vende para 150 países, conta com 100 mil colaboradores espalhados por diferentes países. “Sem dúvida, a imagem da empresa sai arranhada com as operações da polícia federal, as ações, de setembro para cá, caíram, mas creio que a empresa tem um grande valor acumulado e condições de se recuperar”, diz o professor Felippe Serigati, professor da FGV Agro.
O professor Otto Nogami, do Insper (instituição de ensino superior e pesquisa) avalia que o impacto dessa crise não atingirá a economia do país, mas será regional. “O Centro-Oeste e em Santa Catarina devem sentir mais essa crise, uma vez que pequenos produtores e toda uma cadeia produtiva gravita em torno da BRF.”
Segundo o professor Serigati, o problema está a médio e longo prazo principalmente no que diz respeito ao mercado internacional. “A economia brasileira é muito grande, diversificada e um único setor, de forma isolada, mesmo sendo o de carnes, que é muito importante, não será o responsável por fazer a economia crescer mais ou menos”, diz. A consequência direta da Operação Trapaça, para Serigati, será a imagem de um produto de segunda linha no exterior.
“Mesmo que não seja verdade para a maioria das carnes vendidas no mercado internacional, esse argumento será usado nas mesas de negociação, algo que faz parte do jogo. E aí não é apenas a carne do frigorífico A ou B, mas a imagem da carne brasileira. ” Serigati explica que o Brasil não é o maior produtor de carne de aves, está atrás de Estados Unidos e China. “Um dos argumentos usados pelos empresários brasileiros era o de que o Brasil nunca sofreu com a gripe aviária, por exemplo. Hoje o problema é que a fraude ocorreu dentro do sistema de inspeção, os testes foram adulterados, o fiscal não tem o que fazer”.
"A carne brasileira passa a ser vista no mercado internacional como produto de má qualidade"
Para o professor Serigati, os países que comprarem as carnes no exterior serão mais rigorosos. “A carne brasileira, não apenas de aves, será vista como um produto de segunda linha, barato, ruim e, sim, corremos o risco que alguns países evitem comprar esses produtos, o que não aconteceu desta vez, os importadores apenas pediram um posicionamento do Ministério da Agricultura sobre a qualidade da carne brasileira. ”
O professor Otto Nogami, do Insper, concorda. “É preciso, urgente, rever todo o processo de produção e controle para retomar os antigos padrões de qualidade e conseguir mudar essa imagem abalada. ”
BRF em crise
A BRF perdeu mais de R$ 360 milhões após a Polícia Federal deflagrar Operação Carne Fraca (leia abaixo). No balanço de 2017, divulgado pela empresa em fevereiro, a BRF fechou o ano com prejuízo de mais de R$ 1 bilhão.
“A fusão da Sadia e da Perdigão é a essência do setor avícola brasileiro, o que há de mais tradicional nessa área. No entanto, após essa fusão, os executivos com experiência em todo o mercado produtivo foram substituídos por pessoas do mercado, que não conheciam as especificidades do setor, e esse excesso de profissionalização prejudicou todo o processo porque se perdeu a percepção de toda a cadeia produtiva, o que é fundamental nesse tipo de negócio”, observa o professor Nogami.
Segundo o professor, essa falta de entendimento do processo produtivo afetou diretamente os produtos. “Foram feitos cortes de custos em setores que não poderiam, interferindo diretamente na qualidade. ”
No mês de fevereiro, após o anúncio do balanço negativo de 2017, a Petros, fundo de pensão da Petrobrás, e a Previ, fundo de pensão do Banco do Brasil, entre outros acionistas, pediram uma mudança no conselho administrativo da empresa que tem como presidente o empresário Abílio Diniz, ex-Pão de Açúcar.
"Profissionais experientes foram substituídos por pessoas do mercado%2C que não conheciam as especificidades da cadeia produtiva"
Na chapa proposta pelos acionistas, o candidato à presidência do conselho de administração da BRF seria Augusto da Cruz Filho, atual presidente do colegiado da BR Distribuidora. Cruz Filho também atuou no grupo Pão de Açúcar. A assembleia foi marcada para o dia 26 de abril.
“Uma solução para esta crise é a escolha de profissionais com competência no ramo, que conheçam as especificidades e as diferentes nuances desse processo. Não basta ser do mercado”, diz Nogami.
Além dos balanços negativos, a Operação Carne Fraca contribui para complicar ainda mais a situação da BRF. Imediatamente, após o anúncio da operação, os investidores reagiram negativamente. Resultado: as ações da BRF caíram quase 20%, o que levou a empresa a perder quase R$ 5 bilhões em valor de mercado em um único dia. Após dois dias em queda, na quinta-feira (8), as ações tiveram alta de 4,23%.
Em março do ano passado, quando foi deflagrada a primeira fase da operação, 22 países e a União Europeia anunciaram restrições ou o acompanhamento das importações. A China chegou a interromper temporariamente a importação de carne brasileira.
A assessoria de imprensa informa que "a BRF não comenta balanço ou a situação financeira da empresa".
Operação Trapaça
Na segunda-feira (5), os alvos da Operação Trapaça foram quatro unidades da BRF: em Carambeí (PR) e Rio Verde (GO), que produzem frango; em Mineiros (GO), que produz peru; e em Chapecó (SC), que produz ração.
De acordo com informações da PF e do Mapa, essas quatro fábricas fraudavam laudos relacionados à presença de salmonela em alimentos para exportação a 12 países que exigem requisitos sanitários específicos de controle da bactéria do tipo salmonela spp. Por meio de nota, a BRF afirmou que "nenhuma das frentes de investigação da Polícia Federal diz respeito a algo que possa causar dano à saúde pública".
Além de ex-executivos da BRF, como o ex-diretor-presidente Pedro Andrade Faria, o esquema envolveu funcionários e técnicos de cinco laboratórios suspeitos de preencher, com dados fictícios, os laudos fornecidos ao Serviço de Inspeção Federal (SIF/Mapa) a fim de driblar a fiscalização.
Faria foi preso sob a acusação de que teria acobertado o esquema de fraudes em amostras para burlar o controle sanitário, mas foi solta na sexta-feira (9). Outros 10 executivos foram levados por agentes da PF, que cumpriu 27 mandados de condução coercitiva. Ao todo, foram cumpridos 91 mandados judiciais em São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Goiás.
Funcionários afastados
Cinco funcionários foram proibidos pela Justiça Federal de atuar na empresa sob o risco de prisão preventiva em caso de desobediência. São eles: José Luiz Baldissera, diretor da BRF em MG, Goiás e Mato Grosso; Hélio dos Santos Jr ex-vice-presidente; Décio Goldoni, gerente agropecuário da planta de Carambeí (PR); Fabiana Rassweiller, coordenadora de assuntos regulatórios na alimentação animal; e Harissa Frausto, gerente de laboratório. Na quarta-feira (7), a medida já havia sido direcionada à Natacha Mascarello, técnica de garantia de qualidade.
Esses funcionários não poderão acessar nenhuma unidade da fábrica, sede, escritório ou qualquer instalação da BRF. Também estão impedidos de realizar qualquer tipo de atividade financeira ou econômica ligada ao grupo. Segundo o Ministério Público, o afastamento é necessário para garantir que não haja nenhum tipo de interferência nas investigações.
A Polícia Federal fará uma análise de todos os equipamentos eletrônicos apreendidos na operação e contará com ajuda do Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento). Só após a conclusão da perícia o MP poderá oferecer denúncia.
Entenda o que é a Operação Carne Fraca:
Iniciada em março do ano passado, a investigação da PF mira fraudes laboratoriais no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e irregularidades cometidas por frigoríficos de grandes companhias.
1ª Fase – Operação Carne Fraca:
A PF deflagrou a operação em março de 2017 e após investigar cerca de 30 frigoríficos. Após colher depoimentos e por meio de escutas telefônicas, a pasta afirma que funcionários ofereciam propinas por certificados de qualidade adulterados. A JBS (dona da Friboi e da Seara) e a BRF (dona da Perdigão e Sadia) estavam entre os alvos das investigações.
Nesta primeira fase foram envolvidos 1.100 agentes, 309 mandados judiciais, 27 pedidos de prisão preventiva, 11 de prisão temporária e ocorreu em 6 estados mais o Distrito Federal.
Também foi a fase mais conturbada com alguns equívocos como a divulgação de que havia papelão adicionado às carnes, mas na verdade o áudio se referia às embalagens.
2ª Fase – Operação Antídoto
Foi deflagrada pela PF em maio de 2017, foram cumpridos três mandados de busca e apreensão e um mandado de prisão preventiva em Goiás. O alvo da PF era Francisco Carlos de Assis, ex-superintendente regional do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) no Estado de Goiás. A PF gravou conversas dele orientando a destruição de provas relevantes para a apuração da Operação Carne Fraca.
3ª Fase – Trapaça
O foco da PF é a BRF. Foram 11 ordens de prisão temporária e 27 mandados de condução coercitiva. Os policiais cumpriram 53 mandados de busca e apreensão nas unidades da BRF investigadas.
As investigações apontam que cinco laboratórios e setores de análises da BRF fraudavam resultados de exames. Essas irregularidades teriam sido cometidas entre 2012 e 2015 com conhecimento de executivos da empresa.