Presidente de associação de lojistas prevê demissões em massa
Sem apoio do governo para honrar folha de pagamento haverá demissões e estabelecimentos vão fechar, diz dirigente da Alshop sobre quarentena
Economia|Márcia Rodrigues, do R7
Os shoppings de São Paulo estarão fechados até o dia 7 de abril, prazo dado pelo governador João Doria para a quarentena contra a pandemia do coronavírus no Estado. A medida vem preocupando pequenos lojistas que não conseguem sobreviver mais do que 30 dias sem faturamento.
Em entrevista ao R7, Nabil Sahyoun, presidente da Alshop (Associação Brasileira de Lojistas de Shopping), diz que, se a economia não for considerada nas decisões do governo, a situação se agravará ainda mais nos próximos meses.
"As pessoas vão começar a ficar desesperadas por estarem sem emprego e sem dinheiro para comprar comida". Sahyoyn acredita que, se a economia não voltar a funcionar, a recuperação vai demorar muitos anos.
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O executivo da Alshop engrossa o coro de empresários que defendem que "a saúde tem de caminhar junto com a economia".
"Não dá para falar que a prioridade é 100% das vidas. A economia voltar a funcionar também é prioridade. Abrir o comércio vai ajudar muita gente a recuperar emprego e a ter um salário. A solução é deixar o grupo de alto risco dentro de casa e permitir que quem tem saúde volte a trabalhar."
O chamado isolamento vertical contraria a determinação da OMS (Organização Mundial da Saúde), da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia), entre outras entidades.
Confira a entrevista:
R7 - Os shoppings ficarão fechados, inicialmente, durante 15 dias. Quanto tempo as lojas aguentam sobreviver sem atividade?
Sahyoyn - Cerca de 70% das empresas que estão dentro dos shoppings são lojas de pequeno porte. Antes mesmo do início da quarentena, o comércio já vinha sentindo os efeitos do coronavírus e registrando queda no movimento e no faturamento porque as pessoas já estavam com medo de sair de casa.
Para sobreviver por 30 ou até 45 dias, essas lojas vão precisar da ajuda do governo e dos próprios shoppings. O pagamento dos funcionários começa a vencer a partir do dia 5 de abril. Elas necessitam do apoio do governo para honrar esse compromisso sem faturamento. Não dá para oferecer empréstimo para eles garantirem esses pagamentos. É preciso pagar os funcionários para eles. Caso contrário, esses lojistas ficarão sem fôlego e não terão outra saída a não ser demitir e fechar as portas.
Se a abertura dos shoppings não for permitida, teremos um cenário muito complicado para a economia, lojistas e empregados. A gente aguenta a paralisação por até 30 dias. Depois disso, o processo será irreversível e haverá demissão em massa.
Os shoppings vão abrir as portas após o período inicial de 15 dias ou vão estender a quarentena?
Quem decidirá isso será o governador João Doria. O Ministério da Saúde fala que a situação vai se agravar no final de abril e início de maio. Acredito que não teremos nenhuma posição até ser divulgada alguma estatística sobre a evolução da pandemia.
Acredito que a saúde tem de caminhar junto com a economia. Se exagerarmos na dose da saúde, que é permanecer muito tempo fechado, haverá mortes no sistema de saúde e outras por causa das demissões. Se as pessoas perderem seus empregos, aumentará a violência e o número de assaltos no país porque teremos milhões de desempregados.
Pedimos um equilíbrio nas decisões e que o governo considere que a economia não pode ser levada em segundo plano. As pessoas estão apavoradas por causa da sua saúde e por estarem em casa sem trabalhar. Elas sabem que seus empregadores não têm faturamento e que seus empregos estão em risco.
Então podemos esperar um cenário de muito desemprego?
Se o governo não bancar os salários, entendemos que a possibilidade de desemprego é muito grande. Se, além de pagar os salários, o governo arrumar uma linha de crédito com juros de 3% ou 4% ao ano, o empresário vai se entusiasmar para pegar este dinheiro e aplicar no seu negócio e não haverá demissão em massa. A tendência hoje é de desemprego porque as decisões do governo estão demorando muito para chegar na ponta.
A Associação Brasileira de Shopping Centers sinalizou a isenção do pagamento de aluguel durante a quarentena. Isso dará um alívio aos lojistas?
A Alshop pediu a isenção do aluguel para as donas das redes de centros de compras. Alguns grupos estão dando a isenção, enquanto outros preferiram postergar o pagamento para discutir mais para a frente se vão cobrar ou não.
Agora, se a economia estiver muito ruim lá na frente, tenho certeza de que os shoppings olharão com carinho para a questão do pagamento do aluguel.
Por outro lado, estão dando um desconto importante no valor do condomínio que tem despesas com segurança, limpeza, energia. Os lojistas concordaram em pagar essas despesas enquanto os shoppings estiverem fechados. Além disso, o fundo de promoção arcará com uma pequena parte desses gastos.
A Alshop sinalizou que faria algumas solicitações de apoio ao setor para o governo. Elas já foram feitas?
As solicitações estão sendo preparadas para serem enviadas ao Congresso Nacional. Entendemos que boa parte será atendida. Todos os dias o governo está editando regulamentações para ajudar os setores, por isso estamos aguardamos as decisões.
O adiamento do pagamento do FGTS, por exemplo, já foi aprovado e aguarda apenas a sanção do presidente Jair Bolsonaro.
Na segunda-feira (30), o ICVA (Índice Cielo do Varejo Ampliado) apontou que o faturamento do varejo sofreu queda de 13,9% de 9 a 26 de março. O cenário pode piorar nos próximos meses?
Enquanto os shoppings estiverem fechados, o faturamento será quase zero, se considerarmos que apenas farmácias, supermercados e laboratórios estão funcionando. Quando a atividade comercial voltar, haverá uma recuperação ainda que lenta, mas o cenário deve melhorar.
O que podemos esperar da Páscoa deste ano? E do Dia das Mães, tradicional data que gera bons resultados?
A Páscoa corre um grande risco de ser comprometida. Se não houver abertura das lojas antes do feriado, não poderemos vender. O ideal é que se projete a abertura dos shoppings dentro de 15 ou 30 dias. Se não acontecer, vai ter um caos social.
As pessoas vão começar a ficar desesperadas por estarem sem emprego e sem dinheiro para comprar comida. Quando você entrar em casa e vir o filho chorando de fome, você vai fazer loucura, invadir supermercado... Se a economia não voltar a funcionar, a recuperação vai demorar muitos anos.
Volto a falar: a saúde tem de caminhar junto com a economia. Não dá para falar que a prioridade é 100% das vidas. A economia voltar a funcionar também é prioridade. Abrir o comércio vai ajudar muita gente a recuperar emprego e a ter um salário.
A solução é deixar o grupo de alto risco dentro de casa e deixar quem tem saúde trabalhar. Eu mesmo estou trabalhando de casa e só vejo minhas netas por ligações feitas em vídeo. Se precisar ficar quatro meses vivendo desta forma, eu farei.
Mas esse público que vai sair para trabalhar terá contato com o vírus e pode passar para o grupo de risco, não?
Isso já vem ocorrendo nas favelas. Lá, cinco ou 10 pessoas moram em um cômodo. E como fazer nesses casos? Este é o cenário na maioria das favelas. Quantas pessoas não morrem no Brasil por falta de saneamento básico e transporte?
Se concentrarmos todas as forças de combate à epidemia na saúde, o prejuízo será muito maior e vai morrer muito mais gente do que por causa da doença. Já temos infectologistas falando sobre a importância do equilíbrio da economia e da saúde.
O senhor se lembra de alguma crise que afetou tanto o desempenho do varejo quanto esta?
Não me lembro. Nunca tivemos uma crise assim. Em 10 dias de epidemia, o efeito ainda é pequeno, mas sabemos que vai longe. É uma situação que está gerando uma crise mundial.