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Sem poder baixar salário, empresas adotam banco de horas negativo

Sistema evita pagamento de horas extras no futuro e virou recurso utilizado especialmente por comerciantes após novas restrições

Economia|Márcio Pinho, do R7

Comércio fechado na região central de São Paulo
Comércio fechado na região central de São Paulo

Empresas afetadas pelas restrições de funcionamento por conta do combate à covid-19 estão aderindo ao banco de horas negativo, também chamado de banco de horas “invertido”, como uma espécie de última estratégia para evitar mais demissões e tentar minimizar prejuízos, mantendo sua equipe de olho numa retomada dos trabalhos.

Quase um mês após o fechamento das portas no início de março, e ainda sem poder contar com benefícios dados pelo governo em 2020, como o adiantamento de férias individuais não vencidas e o programa que reduz salários e jornadas, empresas estão deixando seus funcionários em casa acumulando horas não trabalhadas. O valor que os empregados receberem por essas horas pode ser descontado no futuro de horas extras que venham a ser feitas e que, portanto, não serão pagas novamente. Pode ainda resultar em descontos em salários e nas rescisões, caso previsto em negociação com o sindicato.

A estratégia tem sido adotada especialmente pelo comércio, que aponta para um cenário de falências a demissões em razão da pandemia.

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No estado de São Paulo, por exemplo, o comércio não essencial, como lojas de roupas e calçados, deixou de operar com portas abertas no dia 6 de março. Imediatamente, muitos lojistas concederem férias vencidas aos funcionários. Eles retornaram num cenário de restrições ainda maiores, a fase emergencial, que vai até o dia 11. Com os empregados em casa, a saída foi adotar o banco de horas. 


Segundo Lauro Pimenta, dono da loja de roupas Dejelone, no Brás, em São Paulo, todos os 18 empregados foram colocado nesse regime para tentar minimizar os prejuízos. A ideia é reduzir despesas nos próximos meses com as três horas extras pagas aos funcionários por trabalharem nas tardes de sábado. Ele conta que o esquema começou a ser adotado no ano passado, e deu resultado. “Apesar de todo o impacto da pandemia nas contas, esse banco ajudou com as despesas e praticamente ficamos sem pagar horas extras até dezembro”, conta.

O comerciante lamenta a demora para a reedição do Programa de Manutenção de Emprego e da Renda, realizado pelo Ministério da Economia no ano passado. A ação permitiu a redução de jornadas e salários ou a suspensão de contratos, com o pagamento de valores aos funcionários pelo governo, e permitiu mais de 20 milhões de acordos entre patrões e empregados. O programa foi um dos usados por Pimenta e permitiu que nenhum funcionário fosse demitido no período de restrições em 2020. Nesse ano, a demora para a concessão do benefício já contribuiu para a demissão de quatro empregados, relata. 


“Quanto mais demorar, pior será. As empresas estão sem caixa e acabam demitindo se ficam desassistidas. Além disso, se não tiver um amparo social, não tem como as pessoas ficarem em casa”, afirma. O Ministério da Economia vem anunciando desde fevereiro que o programa será reeditado. Na terça-feira (30), o secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco, afirmou que a há pontos fiscais a serem avaliados. O impasse estaria ocorrendo em razão da dificuldade de finalização do Orçamento de 2021 do governo federal, aprovado pelo Congresso, mas ainda não sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro.

Outras lojas do Brás pretendem aderir neste ano ao banco de horas negativo. É o caso da Romance Enxovais, que poderá adotar o sistema já a partir desta semana para seus sete funcionários.


O empresário Richard Narchi, da marca de surfwear Rik Wil, afirma que já vem em um processo de redução de custos para manter a empresa funcionando em meio às adversidades trazidas pela pandemia. Ele também se preparou junto ao sindicato para adotar o banco de horas negativo para os funcionários, já que o trabalho é maior na empresa em meses como julho, dezembro e janeiro, exigindo horas extras dos funcionários. “Há muitas empresas quebrando", afirma. "O banco de horas negativo dá uma segurança em relação a uma despesa menor lá na frente”, conclui.

Reforma trabalhista

Segundo o advogado Rodrigo Nunes, sócio da área trabalhista do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados, a Reforma Trabalhista de 2017 trouxe a alteração do artigo 59 da CLT, que passou a autorizar a implementação de banco de horas por intermédio de acordo individual, além das negociações via sindicato que já vigoravam antes. “Essa mudança ofereceu maior flexibilidade, bastando que o acordo seja por escrito e que a compensação ocorra dentro do prazo de seis meses”, explica.

Outra possibilidade de implementação do banco de horas é por acordo verbal, se as horas forem compensadas no período de um mês.

Nunes chama a atenção para o fato de que o banco de horas é normalmente usado para dar descanso após horas extras realizadas. Com a covid-19, ocorre o contrário. “Interessante notar que o banco de horas é utilizado em circunstâncias normais para a compensação de horas extras prestadas pelos empregados, que as compensa posteriormente com folgas ou saídas antecipadas. Por força da pandemia, vem sendo adotado o banco de horas negativo ou invertido”, diz.

Em relação a possíveis descontos em salário e rescisões, Rodrigo Nunes afirma que a prática inicialmente contraria o princípio de irredutibilidade dos salários e que, no caso do desconto na rescisão, indicaria ainda a transferência do risco do negócio ao empregado.

Esses descontos só seriam possíveis com intermediação do sindicato, ou então com uma nova regra publicada pelo governo, como o programa que permitiu redução de salários e jornadas. No caso de rescisão, há outro ponto a ser observado: o desconto não pode exceder o equivalente a um mês de remuneração do empregado.

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