Youtubers divulgam ciência para ensinar de forma divertida
Canais usam humor e recursos visuais para atrair e aproximar o público de conteúdos mais acadêmicos
Educação|Da Agência Brasil
Jovens, conectados e divertidos. Assim são os novos astrônomos e astrônomas que, por diversos canais do YouTube, divulgam ciência e astronomia. Um desses canais, o AstroTubers reúne pesquisadores e profissionais da área astronômica na produção de vídeos na plataforma. O objetivo do canal é tornar acessível ao público, com linguagem fácil de entender, pesquisas e outros estudos acadêmicos sobre física e astronomia, além de esclarecer notícias falsas que circulam na internet.
Entre os estudantes há graduandos e pós-graduandos de física e de astronomia de diversas universidades do Brasil e até fora do país. Um deles é o Pedro Pinheiro Cabral, de Natal (RN), é estudante do bacharelado em Física na Universidade Federal do Rio Grande do Norte e tem 22 anos. Um dos seus vídeos no canal é Por que o céu é azul e as nuvens brancas?
Para ele, o papel de qualquer divulgadora ou divulgador científico é de enriquecer os conhecimentos científicos daqueles que consomem o conteúdo, de maneira que também os estimulem a consumir cada vez mais material desse tipo. “Mas, não basta apenas que o consumidor de divulgação científica descubra as “curiosidades” da ciência, é preciso também que ele compreenda como a ciência funciona e desenvolva um raciocínio crítico que é valioso na sociedade contemporânea”, afirma.
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Na opinião do estudante, o Brasil tem entraves para que as pessoas aprendam mais sobre ciência. “A situação é que, nas salas de aula, os professores precisam preparar os alunos para o ENEM; não podemos contar também apenas com livros de divulgação científica, tendo em vista que apenas uma minoria da nossa população lê livros com frequência; na televisão aberta brasileira então o espaço para divulgação científica é mínimo e não parece aumentar. Resta então como objetivo para a divulgação científica pelo YouTube suprir todo ou boa parte deste vácuo que existe pelo menos para a parte da população já incluída digitalmente, já que no YouTube se consegue publicar conteúdos que engajem as pessoas, produzidos a baixos custos e de fácil acesso para todos os que tem internet”.
Em seus vídeos, Pedro usa recursos visuais para facilitar o entendimento sempre que possível e não usa jargões “para não assustar ninguém”, diz. “Busco usar analogias que conectem o que eu explico a algo mais do senso comum, e assim vou tentando quebrar em pedacinhos algum conhecimento científico, de maneira que o meu público-alvo consiga compreender. Em outros vídeos tento usar o humor, enfim, estratégias para cativar o espectador e fazê-lo se interessar mais por ciência e entendê-la melhor em toda a sua beleza”.
Pedro conta que no AstroTubers tem uma etapa que é muito importante. “Como somos dezenas de membros acadêmicos de Física e Astronomia espalhados pelo país, temos internamente uma comissão de revisão formada por alguns dos nossos membros que sempre leem os roteiros, corrigindo eventuais erros e sugerindo melhorias antes que o vídeo seja gravado e torne a correção ou melhoria mais difícil”.
Colega de canal de Pedro, Karolina Garcia é mestra em Astronomia e doutoranda na Universidade da Florida (EUA), onde também trabalha. Ela é mineira, mas morou a maior parte da vida no Rio de Janeiro, onde fez Engenharia na PUC-Rio e mestrado em Astronomia na universidade federal do estado. Um de seus vídeos no canal é Por que as estrelas brilham?
Na opinião dela, os canais que fazem divulgação científica no YouTube têm o papel de aproximar a ciência do público em geral de uma forma que as pessoas tenham gosto por aprender.
“O AstroTubers, no entanto, vai além, porque seu papel não é só o de informar sobre ciência, mas também de trazer as pessoas para perto do que é o nosso trabalho diário como astrônomos/físicos. Além de divulgadores, nós somos cientistas, e isso nos permite mostrar ao público não só o resultado de um experimento ou estudo, mas como ele foi feito, como o método científico foi aplicado, que tipos de questionamentos podemos fazer acerca dele etc. Usamos o AstroTubers para mostrar que existe muita pesquisa no Brasil”.
Para ela, o que ajuda no interesse é que o tópico principal é Astronomia. “É difícil encontrar alguém que não se encante com o céu, ou que tenha curiosidade sobre os mistérios do universo. O desafio está em unir essa paixão que o nosso público tem pela Astronomia com a ciência que há por trás de cada assunto/descoberta, de uma forma que seja leve e descontraída”.
Mas, apresentar assuntos complexos em vídeos de poucos minutos é um desafio, aponta a pesquisadora. “É um desafio diário encontrar um equilíbrio entre o tempo de vídeo, a densidade de conteúdo e a maneira de apresentá-lo. Eu diria que o segredo está em dividir certos assuntos em partes menores, para que o conteúdo em um vídeo só não fique tão denso e que possamos focar em passar esse conteúdo de forma didática e prazerosa. Dessa forma, conseguimos apresentar todos os tópicos que achamos importante, e o público tem a oportunidade de rever outros vídeos da série quando quiser!”, detalha.
Responsabilidade na divulgação científica
O estudante de física Pedro defende que um formador de opinião na área científica precisa sempre ter muita responsabilidade com o que diz. “Qualquer falha acidental pode acabar sendo amplificada por pessoas às vezes mal-intencionadas e se tornar mais uma fake news. Às vezes nem é uma falha, mas sim uma fala tirada do contexto.. Então essa responsabilidade ao meu ver precisa ser redobrada. É muito confuso para o público leigo ver duas pessoas com uma mesma especialidade divulgando informações contraditórias, como por exemplo vimos infectologistas divulgando informações a favor e contra supostos tratamentos precoces da covid-19”.
Com isso, Pedro completa, “mesmo que para cada 100 infectologistas com uma argumentação exista apenas um com argumentação oposta, as pessoas acabam apenas escolhendo confiar naquele profissional que valida a sua opinião ou visão prévia e ignorando os demais. Mas, na ciência nós não podemos ser guiados por opiniões, precisamos ser guiados por evidências, por dados obtidos de maneira honesta e estatisticamente significantes, para que não tenha um risco significante de ter sido um mero produto do acaso. Então a importância do trabalho neste sentido é buscar desenvolver este raciocínio crítico da maneira de pensar que é a ciência nas pessoas”, frisou.
Karolina completa que tem se tornado cada vez mais difícil filtrar o que é conteúdo de qualidade e o que não é. “Por isso a necessidade de canais que não só divulgam informações científicas, mas que explicam o que há por trás de cada conclusão. Mais importante do que informar, é desenvolver o pensamento crítico nas pessoas, para que elas consigam filtrar por si só os conteúdos que consomem. É isso que tentamos fazer no AstroTubers: mostrar que não há uma verdade absoluta na ciência (que está em constante evolução), mas que toda conclusão científica se baseia em hipóteses e deve possuir evidências que foram testadas. Nós combatemos as fake news ensinando diariamente o que é ciência e como nós fazemos ciência .“
Além da astronomia
Mas, nem só os cientistas e astrônomos divulgam a ciência. Formada em administração, Mariana Fulfaro e o marido Iberê Thenório, jornalista e apresentador, contam que o canal do Manual do Mundo surgiu da ideia de ensinar as pessoas a fazerem as coisas em casa.
“Quando a gente veio de Piedade [cidade no interior do estado de São Paulo) para São Paulo e vimos que as pessoas acionavam o seguro para trocar pneus do carro e fazer pequenos consertos em casa. Em Piedade, todo mundo sabia fazer isso e ficamos impressionados com essa coisa de chamar alguém pra fazer. Além disso, nós juntamos uma série de habilidades que a gente já tinha: jornalismo, programação e criação de conteúdo para internet. Quando o YouTube começou a bombar, lá por 2008, a gente viu que muitas pessoas estavam ensinando coisas bacanas para fazer em casa. Resolvemos criar o nosso canal para ensinar também. Os 50 primeiros vídeos foram feitos com câmeras emprestadas e gravados no nosso apartamento de 35m², relembra Mariana, que é a diretora executiva do canal e também apresentadora.
Atualmente, a Manual do Mundo Produções é uma das maiores produtoras de entretenimento educativo do país e tem mais de 18 milhões de seguidores em suas redes digitais, tendo acumulado mais de 2 bilhões de visualizações só em seu canal no YouTube.
Para produzir o conteúdo interessante sem abrir mão da consistência, o casal diz que trabalha diariamente em pesquisa e produção. “Temos uma equipe com consultores científicos, produtores, jornalistas. Isso nos ajuda a monitorar o que está acontecendo e o que está chamando a atenção das pessoas na internet e fora dela”.
O canal ainda tem uma comunidade engajada que manda sugestões e ajuda até a conseguir materiais para os vídeos. “Um exemplo disso é o vídeo em que abrimos um cofre, que ainda irá ao ar no canal. O Iberê estava atrás de um cofre antigo há tempos e, depois de um post no Twitter, um seguidor doou um que estava trancado há 35 anos sem nem saber o que tinha dentro”, conta Mariana.
Na opinião dela, o canal é importante em uma época com grande circulação de informações falsas. “A ciência é a principal arma que temos para combater as informações falsas. Se as pessoas sentirem que ciência é algo divertido e útil, conseguimos dar um suporte e ajudar, especialmente em uma época de pandemia. Um exemplo, é o vídeo em que explicamos os perigos de tentar fazer álcool gel em casa, na época em que receitas com gelatina estavam circulando nas redes sociais”.
Apresentar assuntos complexos em vídeos curtos é um dos desafios do canal, por isso Mariana diz que sempre tenta atrelar o conhecimento com a realidade. “Consideramos que a nossa maior especialidade é conseguir mostrar o conceito na prática e isso ajuda a deixar os assuntos menos complexos. Fizemos isso, por exemplo, no vídeo sobre como funciona um formigueiro, em que pegamos uma Içá e tentamos realmente criar um formigueiro. Foram mais de 70 dias para produzir este material e, mesmo que não tenha dado certo, nós mostramos a formiga rainha”.
Mariana acredita que os canais do YouTube conseguem disseminar e ampliar o acesso às informações científicas, mas é necessários descontração. “Por exemplo, o vídeo em que ensinamos como destilar água do mar usando uma fogueira começa com o Iberê [apresentador do canal] todo sujo, dando a entender que estava perdido em uma ilha deserta. Além de ensinar de um jeito divertido como fazer o processo de destilação, também falamos porque não se deve beber água do mar e explicamos, com uma linguagem simples, o conceito de osmose. Se tivéssemos começado de cara com o conceito, provavelmente, não chamaria a atenção do público”, finaliza.