Rio: volta às aulas e transporte público estão entre desafios de Paes
Prefeito eleito terá que pensar estratégias para retomada do ensino na pandemia e na melhoria da rede de ônibus e trens da capital fluminense
Eleições 2020|Bruna Oliveira e PH Rosa, do R7
A partir de 2021, o prefeito eleito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (DEM), segunda maior cidade do Brasil, terá como desafio conciliar a emergência da covid-19 com um plano de ações para amenizar os impactos da pandemia que acentuaram problemas em áreas como Educação, Transportes e Economia.
Na avaliação do cientista político e professor da PUC-Rio Ricardo Ismael, a prioridade do novo prefeito, a curto prazo, deverá ser as demandas da saúde, sobrecarregada pelo coronavírus que já infectou mais de 135 mil e matou 13 mil pessoas na cidade, além das escolas municipais, que precisam traçar uma estratégia para recuperar o ano letivo de estudantes dos ensinos infantil e fundamental afetados pela suspensão das aulas presenciais.
Saúde
Segundo a médica e professora da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Lígia Bahia, Paes deverá priorizar o retorno presencial às escolas. Ela afirma que a comunidade científica já considera que as escolas têm baixo risco de contaminação.
“A prioridade sem dúvida é o retorno presencial, por isso, ele tem que preparar as escolas para receber os alunos, obedecendo os protocolos sanitários e considerando a taxa de transmissão.”
Outra prioridade na saúde, de acordo com a médica, é integrar a rede básica de saúde junto com a hospitalar, e incluir na rede as unidades federais e estaduais que estão dentro do município para atender as vítimas da doença.
O terceiro ponto apresentado por Lígia é o foco na comunidade científica do Rio e o “intercâmbio” entre os pesquisadores e o governo municipal. “A cidade tem o maior número de pesquisadores e universidades na área de saúde. O ideal seria uma secretaria articulada com essas instituições e com a FioCruz”.
Lígia também explicou que a reabertura total da economia deve ser repensada e discutida entre prefeitura e governo do Estado. Segundo ela, com o aumento de número de casos, o ideal seria voltar a fechar alguns setores que concentram uma grande circulação de pessoas. Ela diz que a reabertura foi uma decisão de grupos políticos econômicos e que acaba priorizando a cultura de “turismo predatório” da cidade.
Educação
Apesar da médica ter considerado a retomada das aulas a prioridade da área de saúde, a doutora em educação pela Uerj (Universidade do Rio de Janeiro) e integrante do departamento de saúde escolar da Sociedade de Pediatria do Rio, Márcia Gil, aponta que a estrutura das escolas devem ser repensadas, para que elas não se tornem um ambiente de alta contaminação.
"A gente tem escola sem água. Como resolve? Só com álcool gel? A escola é o lugar de menor contaminação se as medidas de segurança forem adotadas. Se você for olhar a estrutura de algumas unidades que foram reabertas agora e logo em seguida fechadas, você vê que a estrutura não foi alterada, porque não é barata, muitas vezes pede alguma obra. Se a gente não tem essas condições, a escola vira um lugar de grande contaminação", afirmou.
Além da transmissão do novo coronavírus no ambiente escolar, Márcia afirma que Paes precisa pensar em outras questões antes de retomar às aulas. Entre elas, como será feita adaptação para um possível ensino híbrido, com aulas presenciais e remotas alternadas, fazendo levantamento da rede para uma reestruturação e incluindo os professores nesse processo.
A integração da secretaria de Educação com as pastas de Saúde e Assistência Social, também é um questão urgente, segundo ela.
“A educação também precisa estar integrada com a saúde para que haja testagem, para os profissionais saberem como agir em caso de infecção. E também da assistência social, porque nesse período sem aulas, muitas crianças que estão em casa sofrendo violências, negligência, fome. Então a gente precisa unir as três pastas.”
Com o ano de 2020 praticamente perdido, também é preciso pensar como será feita a distribuição do conteúdo deste ano junto com o do próximo ano. Para Márcia, o ideal seria diluir os conteúdos ao longo dos anos e avaliar os alunos, pois com o isolamento, pode haver alguma defasagem no aprendizado.
“Precisa colocar técnicos competentes na pasta para que eles saibam o que estão fazendo. Precisamos fazer avaliação com as crianças para termos informações e, a partir delas, cada escola planejar e organizar o atendimento dos seus alunos. O ideal seria diluir todo o currículo entre todos os anos. Até porque a previsão é de que o ano que vem a gente comece com o mesmo cenário deste ano, não há muitas possibilidades de a gente começar presencialmente em março.”
Outros pontos que são importantes e precisam receber atenção de Paes, segundo Márcia, são a possível chegada de alunos que migrarão da rede privada para a pública, o acesso a continuidade dos trabalhos educativos pelas famílias das crianças matriculadas na educação infantil, e também a formação continuada e saúde mental dos professores.
Transporte
Outro grande desafio é melhorar o serviço dos transportes públicos. O professor de pós-graduação do Programa de Engenharia de Transportes da Coppe/UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Rômulo Orrico apontou a redução da frota e de linhas de ônibus entre os principais problemas. Para ele, o sistema do BRT, alvo constante de reclamação de passageiros, também precisa ser mais funcional.
Orrico disse considerar ainda o valor da tarifa do transporte público muito cara. Ele é a favor do subsídio do poder público desde que haja maior transparência no acesso tanto da prefeitura como da população às informações sobre números de veículos, passageiros e quilômetros rodados a fim de assegurar melhor cálculo e planejamento.
"Isso é um direito e uma obrigação da administração que não está sendo exercido. Esse é um contrato administrativo. As empresas estão operando em nome da prefeitura para um serviço público", afirmou.
Fora a discussão judicial sobre a concessão da Linha Amarela, o especialista defende que a administração da via seja rediscutida no conjunto do planejamento da cidade, por exemplo, sob enfoque de conseguir recursos para subsidiar o transporte público.
"A cidade de São Francisco [Califórnia] tem nove pontes, se não me falha a memória. Fora a Golden Gate, todas as outras nos pedágios têm uma fração que é destinada ao transporte público. E, olha, que estou falando de um local que tem uma enorme frota de automóveis. A Califórnia tem 40 milhões de veículos", comentou.
Perfil
Apesar da experiência no Poder Executivo Municipal, Eduardo Paes, chega ao terceiro mandato em um cenário diferente do período em que administrou a cidade entre 2009 e 2016, quando houve investimentos do governo federal em grandes eventos, como Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016.
"Para alguns, Paes já demonstrou que é um bom gestor e, por isso, apareceu bem colocado nas pesquisas. Na época, a avaliação foi positiva. Mas, agora, ele vai precisar mostrar que consegue ser gestor, prefeito em tempos muito mais difíceis do que aquele em que governou. O contexto mudou seja por causa da covid ou da crise econômica. Os problemas agora são muito mais difíceis", analisou o cientista político Ricardo Ismael.
No setor econômico, o Rio, que enfrenta recessões desde 2017, registrou queda na arrecadação em razão da diminuição das atividades em meio ao cenário da pandemia.
"Hoje, se tem notícia de estabelecimentos sendo fechados, falência de bares e restaurantes, principalmente no centro da cidade, além da dificuldade da população que vive da economia informal. O auxílio emergencial foi um colchão de amortecimento para milhões de pessoas no Brasil que se viram perdendo emprego e renda. A partir de 2021, se o auxílio emergencial continuar, provavelmente não vai ser nos mesmos valores, o que vai fazer cair no colo da prefeitura problemas dessa crise econômica", comentou Ismael.
Relação com a Câmara do Rio
Ainda de acordo com o cientista político, a história recente mostra que os prefeitos do Rio não enfrentaram dificuldades para fazer alianças na Câmara dos Vereadores. E, a partir de 2021, Ricardo Ismael avalia que a tendência é a de que, mesmo com a fragmentação política na Casa, o novo prefeito consiga garantir a governabilidade.
"Embora a Câmara tenha tido uma renovação muito baixa, 70% dos vereadores foram reeleitos, há caras novas. Tem algum renovação que pode trazer novas pautas, dar uma oxigenada. Inclusive, evitar que a Câmara se torne uma extensão da gabinete do prefeito, sem discutir nada, como, às vezes, aconteceu no governo do Eduardo Paes".