‘É preciso meter a colher’: Aline Bei fecha trilogia com livro sobre desejo, frustração e violência
Escritora fala de ‘Uma Delicada Coleção de Ausências’, que retrata a vida de mulheres de diferentes gerações dentro de uma mesma casa

Três mulheres de personalidades e gerações diferentes, morando em pequenos cômodos da mesma casa, são o ponto de partida a partir do qual a escritora paulistana Aline Bei, 38 anos, enxerga questões de toda uma sociedade, no livro Uma Delicada Coleção de Ausências (R$ 69,90 ; 288 págs.; Cia das Letras).
O título, lançado durante a Bienal do Rio deste ano, onde Aline conversou com o R7, fecha uma trilogia dedicada a adentrar o impacto das perdas na alma feminina — desde a infância até o processo de envelhecimento, passando por episódios agressivos e cotidianos exaustivos.
Único narrado em terceira pessoa, Uma Delicada Coleção de Ausências costura uma intersecção de diferentes vozes e sentidos, provenientes das figuras da neta, da avó e da bisavó, para retratar o mundo feminino em detalhes: desejos, frustrações e, principalmente, incontáveis violências.
Confira a seguir os melhores comentos da entrevista:
R7 Entrevista - Agora com Uma Delicada Coleção de Ausências, você fecha um ciclo de personagens que começou em 2017, com O Peso do Pássaro Morto, seguido por Pequena Coreografia do Adeus, de 2021. Neste livro, você escreve em terceira pessoa, diferentemente dos outros dois.
Aline Bei - Eu gosto muito de escrever em primeira pessoa porque tenho essa formação que vem das artes cênicas de externar o meu individual. Mas escrever em terceira pessoa é uma forma de ouvir diversas vozes e fazer com que elas dialoguem.
Então, é sim um encerramento de uma trilogia. Uma Delicada Coleção de Ausências já estava em processo de maturação desde que publiquei essas obras anteriores. Não sou de escrever muitas coisas ao mesmo tempo. Gosto de terminar o que estou fazendo e, aí sim, partir para a escrita de outra obra.
Neste livro, em vez de saltar temporalmente na narrativa, preferi colocar essas mulheres de idades diferentes, de uma mesma família, num convívio íntimo. Esse espaço da casa também é um espaço de investigação que eu tenho trabalhado desde o meu primeiro livro.
Escrever em terceira pessoa é uma forma de ouvir diversas vozes e fazer com que elas dialoguem
R7 Entrevista - É meio que o individual refletindo a sociedade?
Aline - Exatamente, é do particular para o universal, né? Pelo menos esse é o meu movimento. É importante para a sociedade atual esse tipo de reflexão. A gente fala sobre envelhecimento, conflitos íntimos, relações entre mulheres, relações familiares. A gente sempre pode olhar para as coisas de uma maneira simbólica e ampliar essas relações para pensar as nossas relações coletivas.
R7 Entrevista - Acontece muita violência dentro de casa também.
Aline - Para muita gente, a casa é um espaço de coisas cotidianas desimportantes. Só que elas são políticas, porque, se acontece uma violência dentro de uma casa, isso é um assunto público que tem que ser debatido. Se está acontecendo naquela família, é porque está acontecendo na sociedade como um todo.
Se a violência está acontecendo naquela família, é porque está acontecendo na sociedade como um todo
R7 Entrevista - Principalmente com mulheres, né?
Aline - Vejo as mulheres de antigamente muito isoladas, cada uma sofrendo isoladamente. A partir do momento em que você coloca elas juntas, você vê que está todo o mundo sofrendo. Aí não é mais uma questão da família, né? É preciso meter a colher mesmo.
R7 Entrevista - Você é formada em letras. Em que sentido suas referências acadêmicas impactam o seu processo criativo?
Aline - Não, muito. Eu sou uma escritora de fronteira. Com a poesia, com a realidade, com a prosa, com as artes plásticas, com o cinema. E aí tento transformar tudo isso em uma linguagem singular.
R7 Entrevista - O público jovem aceita melhor esse formato?
Aline - Acho que tenho leitores de todas as idades. Mas sinto que são muito mais leitoras mulheres. Elas leem mais estatisticamente, né?
A partir do momento em que você vê que está todo o mundo sofrendo, não é mais uma questão da família, né? É preciso meter a colher mesmo
R7 Entrevista - Sua obra tem referência de Machado de Assis?
Aline - Sim, eu sempre cito Clarice [1920-1977], pois ela está mais próxima da gente. O Machado [1839-1908] é um escritor supertradicional. Para mim, uma grande influência foi especialmente um conto que se chama A Cartomante [1884]. É genial, iluminou muito meu pensamento a respeito da Margarida [personagem de Uma Delicada Coleção de Ausências], que é leitora de mãos. No caso da Clarice, tem essa vidente maravilhosa de A Hora da Estrela [1977].
R7 Entrevista - Quais são os seus próximos projetos?
Estou tentando entender. Mas é feminino. Mais eu não posso dizer.














