‘As pimentas mudaram minha vida’, diz criador das especiarias mais ardidas do mundo
Ed Currie era um universitário viciado em bebidas, mas teve uma experiência transformadora e agora cria ervas capazes de fazer pessoas desmaiarem
Entrevista|Filipe Siqueira, do R7
Em 16 de outubro de 2023, o Livro Guinness dos Recordes anunciou que reconhecera a Pepper X como a “pimenta mais ardida do mundo”, destronando a Carolina Reaper, a antiga recordista. Ambos os recordes pertencem ao mesmo produtor especializado em pimentas: o norte-americano Ed Currie, fundador da empresa Puckerbutt Pepper Company.
Para descobrir a ardência de uma pimenta, os pesquisadores aplicam testes da chamada Escala de Scoville, criada em 1912 pelo farmacêutico Wilbur Scoville. O teste classifica as pimentas em unidades de picância (SHU). Para ter uma ideia, a pimenta jalapeño tem entre 2.500 e 8.000 unidades de picância, enquanto a malagueta tem entre 50.000 e 100.000.
É muito, mas as criações de Currie estão em outro patamar. A Carolina Reaper — fruto do cruzamento das pimentas Habanero e a Naga Bhut Jolokia — tem entre 1,15 milhão e 2,2 milhões, e ganhou o recorde mundial em 2013. Mas foi superada pela irmã mais nova, a Pepper X, com assustadoras 2,693 milhões de SHU, fruto de mais de 10 anos de trabalho de cultivo e seleção de exemplares.
Comer algo tão ardido tem efeitos avassaladores no corpo. Não é por acaso que Ed Currie diz que são “efeitos similares aos de um atleta durante uma corrida”. Normalmente, os corajosos começam a tossir, lacrimejam sem parar, enfrentam dores de cabeça intensas, batem nas paredes e até vomitam. Alguns também enfrentam dificuldade para respirar e podem desmaiar. Tudo é efeito da capsaicina, presente em todas as pimentas, que se liga a receptores de calor do sistema nervoso e engana o cérebro dos mamíferos a ponto dele achar que partes do corpo estão literalmente queimando. Nesse ponto, tudo que seu corpo quer é manter a temperatura e expulsar a substância do corpo. É possível assistir muita gente enfrentando esse desafio excruciante no YouTube.
Desde 2001, em suas fazendas na Carolina do Sul, Ed Currie se dedica a criar pimentas realmente ardidas e saborosas. Com técnicas de cruzamento e polinização, a empresa dele desenvolve novas especiarias, vendidas como pasta e pó picantes.
Para Ed, fazer pimentas é mais que uma vocação, elas “literalmente mudaram a vida” dele. Antes de se dedicar totalmente a elas, Ed era um universitário viciado em bebidas, drogas e festas. Ele estudava pimentas na universidade desde 1981, mas arrastava o curso para manter o ritmo de festas, até que teve uma experiência transformadora em 1999 e passou cultivador de pimentas em tempo integral. “(...) eu estava morto por dentro, (...) quando Deus aliviou o fardo do meu vício", contou ele.
Em entrevista ao R7, Ed Currie conta como foi essa transformação, seu processo quase instintivo de criar novas pimentas e como é a sensação excruciante de comê-las.
R7 — Primeiro, o mais básico: como começou seu envolvimento com pimentas? Alguma ligação familiar?
Ed Currie — Fui exposto a pimentas desde pequeno, devido à herança italiana do meu avô. Nada muito picante, mas saboroso. Quando fui para a universidade, foi quando comecei a estudar pimentas mais picantes. Meus pais me informaram que, se eu não encontrasse uma cura para doenças cardíacas ou câncer, eu não viveria muito, pois eu era um grande bebedor e usuário de drogas. Isso me levou às pimentas, e minha primeira pimenta foi uma Viet Bird.
Em reportagens, você disse que era “viciado” no passado. Como era sua vida na época e como ela mudou? É possível dizer que pimentas mudaram sua vida?
Declaro de todo o coração que as pimentas mudaram minha vida. O vício é uma existência solitária e miserável. Embora eu fosse bem-sucedido por fora, eu estava morto por dentro. Quando Deus me aliviou do fardo do vício, voltei a cultivar pimentas imediatamente e acredito que o que estou fazendo agora é a Vontade de Deus para minha vida. Mas não mudaria nada do meu passado.
A PuckerButt Pepper é um sucesso, com vendas na casa dos milhões. Você imaginava que fazer pimentas tão ardidas te tornaria milionário?
LOL [gargalhadas], eu não sou milionário. Minhas empresas ganham dinheiro, eu não. A agricultura e a manufatura são caras e essa é uma busca de longo prazo, então reinvestimos tudo.
Por favor, explique para leigos como é o processo de cruzamento para criar pimentas únicas e ardidas.
Cruzamento é algo simples, transferência de pólen é tudo. O que fazemos é analisar os compostos em diferentes frutas e procuramos transferir essas características em nossas tentativas de criar novas pimentas.
Qual a sensação física de comer uma Pepper X ou uma Carolina Reaper? E a euforia após comer, é real ou um mito?
Primeiro, você sente o sabor doce da fruta, então a reação entre os receptores nervosos e o cérebro entra em ação, fazendo com que sinta a sensação de calor. Essa sensação de pimentas superpicantes é insuportável, é como lava na boca, indo lentamente para garganta, peito e estômago. É um truque do cérebro, dizendo para você não comer isso, pois é um veneno de nível muito baixo para mamíferos.
Você começa a suar, os olhos lacrimejam, a pele fica vermelha, as membranas mucosas fluem, assim como a saliva. Tudo em uma tentativa de esfriar o que, na verdade, não está picante. É quando o cérebro libera endorfinas e dopaminas para compensar a dor. Então, as pessoas sentem os efeitos semelhantes aos de um atleta de corrida. Não é um mito. O cérebro nos dá uma resposta de luta ou fuga, aqueles que lutam sentem, aqueles que fogem, vomitam!
Existem riscos à saúde de comer produtos tão picantes e agressivos? E benefícios?
Há muitos benefícios trazidos pelas pimentas, você pode procurar estudos sobre câncer, doenças cardíacas, alívio da dor, perda de peso, ELA [Esclerose Lateral Amiotrófica] e coisas assim. Pode haver riscos se você for propenso a doenças cardíacas ou doenças venosas.
Quem são os principais compradores das suas pimentas? Imagino que não deve existir muita gente que as use para preparar um jantar...
Fabricamos purê e pó de pimenta para a indústria alimentícia nos EUA e no exterior.
Você está trabalhando em alguma pimenta ainda mais picante para quebrar seu próprio recorde no Guinness?
Estou sempre trabalhando em novas variedades de pimenta, picantes e suaves, para mim e para a indústria.