Chefe da única delegacia de menor desaparecido do Brasil ensina como agir em casos de sumiço de crianças
Titular do Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, Patrícia Paz diz que é essencial o registro imediato da ocorrência
Entrevista|Eduardo Marini, do R7
O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) acaba de divulgar o Mapa dos Desaparecidos no Brasil. Há números e estatísticas preocupantes. Entre 2019 e 2021, o país registrou o desaparecimento de 200.557 pessoas. Total semelhante ao da população da cidade de Araçatuba, no estado de São Paulo — e no mapa não estão incluídos os casos não notificados ou registrados na polícia ou em organizações ligadas à causa.
Uma média de 183 indivíduos por dia, ou 7,6 por hora, um a cada 7,8 minutos, ou ainda 29,5 para cada grupo de 100 mil habitantes do país. Um em cada 3 sai ou é retirado do rumo de casa entre sexta-feira e sábado. Negros desaparecem em maior quantidade (54,3% do total), mas a maioria dos reaparecimentos envolve brancos (54,1% das recuperações).
Crianças até 11 anos representam 3,1% dos desaparecidos no Brasil. Parece pouco ao primeiro olhar, mas a impressão é falsa. “O Mapa mostra que a faixa etária seguinte, de 12 a 17 anos, a mais volumosa, concentra 29,3% dos desaparecidos, praticamente 3 de cada 10. Todos nessa segunda faixa são menores de idade, e grande parte é composta de pré-adolescentes de 12 a 14 anos”, radiografa a delegada Patrícia Paz.
A carioca Patrícia Conceição Nobre Paz, 34, é titular da única delegacia do país especializada no combate ao desaparecimento infantil: o Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas (Sicride), em Curitiba, no Paraná. A ONU avalia que 3 de cada 10 seres humanos traficados no mundo são menores de idade. A data de 25 de maio é escolhida como o Dia Internacional das Crianças Desaparecidas.
Nesta conversa com o R7 ENTREVISTA, ela analisa os dados do Mapa do FBSP e oferece, aos pais e familiares, dicas preciosas para prevenir o desaparecimento dos pequenos e adolescentes. E também para saber como agir se houver o sumiço. Acompanhe:
O percentual de crianças desaparecidas, no Mapa do FBSP, parece pequeno em comparação a outras faixas, mas a impressão é enganosa, não é verdade?
Patrícia Paz — Exato. À primeira vista, a parcela de 3,1% pode parecer pequena em relação ao todo, mas o Mapa mostra, logo em seguida, que a situação está longe de ser confortável. A próxima faixa etária na divisão, de 12 a 17 anos, abriga 29,3% dos desaparecidos, praticamente 3 de cada 10 do total. É, de longe, a maior de todas, com taxa média de 84,4 desaparecimentos para cada grupo de 100 mil pessoas. Para que se tenha uma ideia, essa taxa é 2,8 vezes maior do que a da média nacional, de 29,5 pessoas por grupo de 100 mil.
A faixa etária de 12 a 17 anos%2C a mais volumosa de acordo com o Mapa%2C abriga muitos pré-adolescentes. São desaparecidos de 12 a 15 anos que%2C apesar de estarem fora da categoria anterior%2C a das crianças até 11 anos%2C revelam como o problema entre menores de idade tem dimensão bem maior e preocupante
Na faixa etária de 12 a 17 anos todos ainda são menores de idade.
Esse é o ponto. Essa faixa abriga muitos pré-adolescentes. São desaparecidos de 12 a 15 anos que, apesar de estarem fora da categoria anterior, a das crianças até 11 anos, revelam como o problema possui dimensão bem maior e preocupante.
O que há de diferente entre procurar um menor e pessoas de outras faixas etárias?
Quando uma criança desaparece, ou familiares e responsáveis notam a ausência por um período maior e em circunstâncias diferentes das habituais, a primeira atitude a ser tomada deve ser procurar as autoridades e fazer o registro da ocorrência. Há um mito muito difundido na população que diz que é preciso esperar 24 horas para comunicar o desaparecimento, inclusive de crianças. É um erro total.
Por quê?
Esse procedimento atrasa os trabalhos e prejudica as investigações, muitas vezes de maneira irrecuperável. A postura deve ser a oposta: fazer o registro na autoridade policial assim que surgir a desconfiança de que algo pode estar errado no paradeiro do menor. Os primeiros momentos e horas são fundamentais para a investigação de desaparecimentos de menores, um público extremamente vulnerável. Vimos, dias atrás, o caso de uma criança desaparecida no Rio de Janeiro encontrada apenas 48 horas depois no Nordeste do país. Tudo é extremamente rápido com as facilidades atuais, e todos também precisamos de rapidez na reação. Mas a autoridade policial não poderá ser rápida sem a ação imediata dos familiares e responsáveis
Muita gente ignora esse ponto e espera demais.
No caso de desaparecimento infantil, essa demora muitas vezes é decisiva para o fracasso das investigações. Precisamos criar as hipóteses de motivação do sumiço logo nos primeiros momentos. Em tempo hábil, essas informações serão determinantes para o bom início dos trabalhos. A criança não retornou no horário previsto? Não foi possível se comunicar com ela? Procurem as autoridades de imediato, mesmo que se dê baixa na ocorrência momentos ou horas depois, com o reencontro do menor e a constatação de que tudo não passou de um longo desencontro. A regra é a seguinte: se o filho não retornou para casa, ou os pais estão em local de aglomeração e ele some... registrem a ocorrência imediatamente. Na Polícia Civil do Paraná, por exemplo, esses boletins podem ser feitos até mesmo pela internet.
Esperar 24 horas para procurar as autoridades%2C no caso de crianças%2C atrasa os trabalhos e prejudica as investigações%2C muitas vezes de maneira irrecuperável. A postura deve ser oposta%3A fazer o registro assim que surgir a desconfiança de que algo pode estar errado. Os primeiros momentos são fundamentais para a investigação de desaparecimentos em um público vulnerável como o infantil. Vimos o caso de um menor desaparecido no Rio e encontrado no Nordeste do país apenas 48 horas depois. Tudo é extremamente rápido com as facilidades atuais. Precisamos reagir com rapidez ainda maior.
O que deve ser passado às autoridades na comunicação do desaparecimento?
Familiares deverão levar fotos as mais recentes possíveis e fornecer muita — muita — informação. Sobre como o desaparecido estava vestido, as relações dele com os familiares em casa, conflitos recentes, rotinas fora do lar, comportamento na rua, relação com a internet e as redes sociais e informações sobre conflitos com parentes ou amigos nos dias anteriores, caso tenham ocorrido. Mas repito: fundamentalmente, a comunicação e o registro devem ser rápidos.
O levantamento do FBSP adota três categorias de desaparecidos, definidas no Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (Plid) em São Paulo: voluntários, involuntários e forçados.
Em resumo: no voluntário, a pessoa descontente com alguma situação de sua realidade ou rotina corta o vínculo com familiares e amigos e se isola por iniciativa própria. No involuntário, ela cai em isolamento por algum efeito negativo, distração ou movimento errado que a faz se perder. Ou ainda por ter sido vítima de situações externas, como acidentes, afogamentos, soterramentos ou algo do tipo. Por fim, há os forçados, em que a vítima, menor ou adulta, é levada à força, contra a sua vontade, por ameaça, rapto, sequestro ou outra situação de risco.
No caso das crianças até 11 anos, a maioria suprema dos desaparecimentos é involuntária ou forçada.
Isso. Involuntária, por algum erro da criança, ou forçada, mediante sequestro ou coisa do tipo. Mas o desaparecimento voluntário também costuma ocorrer nessa faixa, com crianças um pouco maiores, a partir dos 7, 8 anos, quando começam a perceber a realidade e já possuem alguma estrutura física para tomar atitudes. Isso ocorre, sobretudo, com vítimas ou testemunhas de maus-tratos em casa.
E, entre os pré-adolescentes da faixa seguinte do Mapa, de 12 a 17 anos, é comum também o desaparecimento como consequência de exigência por envolvimento emocional, não é mesmo?
Correto. Por apelo de namorado ou namorada, de alguém pela internet, enfim, diante de promessas que, na imaturidade, acabam motivando o abandono do lar. Por isso recomendamos fortemente aos pais que acompanhem o relacionamento das crianças e dos adolescentes com a internet e, especialmente, com as redes sociais. Acima de tudo, em qualquer situação, os pais precisam criar um relacionamento de confiança com os filhos desde cedo.
A pandemia interferiu na média de desaparecimentos?
No Paraná os números diminuíram de maneira geral. O Mapa atesta que o mesmo ocorreu em todo o país, com uma queda média de 22,3% entre 2019 e 2021. A redução foi mais forte entre as mulheres, 31,8%, do que entre os homens, de 16,4%. A redução faz sentido diante da menor exposição das pessoas, pois os dois últimos anos [2020 e 2021], dos três do período radiografado pelo Mapa, foram marcados pelo isolamento em casa, decretado a partir de fevereiro de 2020. A única faixa etária com crescimento no período, pequeno, de 2,6%, foi a de 40 a 49 anos.
Quando será criado o cadastro único de desaparecidos do país?
Há um esforço para isso. Estamos fazendo reuniões e ações para a criação de um banco nacional de dados sobre desaparecimentos. Seria fundamental. Os resultados não estão vindo na velocidade desejada por nós, mas chegaremos lá.
Muito obrigado.
O agradecimento é todo meu.