Cleber Machado, 62 anos, é um dos principais nomes da televisão brasileira quando o assunto é jornalismo esportivo. Com mais de 40 anos de carreira, o narrador se junta ao time da RECORD para os campeonatos Paulista e Brasileiro deste ano — a estreia é nesta noite, com Palmeiras x Portuguesa, às 21h30.Em entrevista ao R7, o jornalista fala sobre a seleção brasileira, o futuro das transmissões esportivas na TV aberta, a polarização do futebol no país e, é claro, sobre as SAFs (Sociedades Anônimas de Futebol).Cleber também comentou o papel do jornalista no cenário esportivo e detalhou o sonho de comandar um programa em que possa se aprofundar e “entender o futebol brasileiro por inteiro”.R7 — As SAFs fazem sucesso no futebol brasileiro nos últimos anos, e muitos clubes deixaram o modelo associativo e mudaram para sociedades anônimas. O que você acha desse formato? Ele deve ser melhor regulamentado?Cleber Machado — Acho que pode dar certo. Não sou nenhum especialista na questão, mas pode dar certo. A questão de regulamentar é: tudo deve ser bem regulamentado, observado, monitorado. Teoricamente, é um grande negócio. Se você conseguir ter uma boa relação da empresa com o clube, se a SAF entender qual a história do clube, a tradição, os anseios, o potencial... Se for simplesmente uma coisa de ‘Eu entro, ganho dinheiro e saio’, vira um negócio que talvez não combine com o nosso futebol. O nosso.Acho que [a SAF] é uma solução, porque o nosso futebol vive há muito tempo de uma irresponsabilidade administrativa. Você vê o tanto de clube que tem dívida, algumas delas astronômicas. A questão de ter dívida não é um pecado. Muita gente tem dívida. Você pode financiar um carro, desde que você tenha recursos para pagar. Se você não honrar, perde o carro. O clube de futebol não tem punição.Teve SAF que deu certo, SAF que não deu certo. Acho que somos extremamente desconfiados e temos que ser para saber qual é a de cada um. Em tese, é um bom negócio, é uma boa ideia, um jeito de melhorar o nível econômico e até profissional do futebol. Agora, se os ‘SAFeiros’ forem iguais aos diretores que temos na história do futebol, não vai adiantar nada.R7 — As SAFs devem ser uma opção apenas para clubes que não conseguem ter uma grande capacidade de arrecadação?Cleber — A questão é o seguinte: não adianta você ter muito dinheiro e gastar mal. Aí, em vez de comprar um apartamento, você compra quatro carros por mês. Uma hora os carros estarão velhos, e você não tem onde morar. Agora, saber gastar o dinheiro é muito ‘eu acho que é de um jeito, você acha que é de outro’.O que a SAF tem que fazer? Ela tem que negociar dívida? Ela tem que pagar as dívidas? As dívidas dos clubes vão para as SAFs. Como é que isso vai ser negociado? Não tem prazo de pagamento? Vai ter outro endividamento? Vai ter investimento e vai ter recurso? Porque, se não tiver recurso, não há dono de SAF que resista.Você pode fazer propaganda para vender sorvete e conseguir vender sorvete. Agora, você fazer propaganda que o teu time é bom não garante que o teu time vai ganhar um campeonato.Quando o Botafogo, em dois, três anos de SAF, ganha um Campeonato Brasileiro e uma Libertadores, todo mundo acha que tem que ser igual. Há de se observar o que acontecerá com o Botafogo — e tomara que continue nesse círculo virtuoso. Há de se observar o que acontece com outros clubes que não são SAF e os acordos de SAF que não deram certo. Não tem receita de bolo.R7 — O que fez o futebol brasileiro se tornar atrativo para essas SAFs? Por que agora conseguimos repatriar e segurar talentos?Cleber — Acho que não aconteceu muita coisa, não. Tenho um amigo, jornalista como nós, o Marco Antônio Rodrigues — o Bodão —, que sempre dizia que o mercado do futebol tem dinheiro. E não é que o Bodão descobriu isso, a gente sempre ouviu de caras que se dedicaram a estudar mercado, o futebol como mercado, que o futebol tem mesmo potencial para faturar. O futebol é uma indústria que movimenta muito dinheiro. Insisto: para mim, na minha cabeça leiga, é como você gasta.O futebol é uma coisa que, obviamente, como tudo, como toda economia, se tornou global. Quando o Grupo City vem aqui e investe no Bahia, evidentemente esse grupo tem não só o Bahia, ele tem outros [clubes em diferentes] países onde ele vai investir. Aqui no Brasil, ele foi procurar um clube que provavelmente atendia às necessidades dele.Quando o John Textor vem comprar o Botafogo, a partir de uma empresa que ele tem, ele não tem só o Botafogo. Tem lugar em que ele está dando certo, tem lugar em que ele está dando mais ou menos certo, tem lugar em que ele não ganha campeonato, tem lugar em que ele quase cai. Aqui no Botafogo ele conseguiu ser campeão.Não consigo ter uma opinião abalizada sobre a questão econômica. Tem mercado, precisa ter criatividade e acho que você precisa gastar bem o que você arrecada.Uma vez, ouvindo Marcelo Paes, que hoje é o CEO do Fortaleza e era presidente do clube antes, ele falou assim: ‘Sei que não vou ganhar como esses clubes que a gente cita sempre, mas preciso ganhar o máximo que puder. Preciso investir bem esse valor que ganhar’. Então, não adianta falar que o cara lá ganha R$ 1 bilhão. Não vou ganhar R$ 1 bilhão. Não tenho condição de ganhar R$ 1 bilhão, mas, se eu conseguir ganhar R$ 300 milhões e aplicar bem, como o futebol é uma competição que não tem muita lógica, eu posso ganhar um jogo.No voleibol, se a gente forma um time de 2 m de altura e enfrentar um time de 1,5 m, a gente vai ganhar o jogo. O futebol é diferente como esporte.Nós jornalistas temos sempre a pretensão de saber de tudo. Então, é muito fácil, eu e você aqui, a gente decidir quem comprar, quem vender, quem montar, quem contratar. A gente não vai fazer, não vai ver se deu resultado ou não. Agora, a gente deve investigar, cobrar, perceber, desconfiar. Essa é a nossa função.R7 — Você acredita na possibilidade de uma ‘espanhorização’ do futebol nacional, no qual dois ou três clubes dominam os títulos e campeonatos?Cleber — Sempre ouvi falar isso da ‘espanhorização’ do futebol. ‘Ah, se o Flamengo e o Corinthians vão ganhar muito mais da televisão, só eles vão ganhar campeonato’. Como dizem várias pessoas, acho que Tom Jobim foi o primeiro: ‘O Brasil não é para amadores’.Esse mesmo Corinthians, que dá uma arrancada espetacular no final do Campeonato Brasileiro de 2024 e vai para Libertadores, quase caiu. Muita gente bancava que ia cair. Quase ficou fora da Copa do Brasil. Esse time tem uma dívida imensa.Precisamos pensar o que é ‘espanhorização’ do futebol. Você tem alguma dúvida de que o Barcelona e o Real Madrid ganham mais do que os outros times da Espanha? E que eles ganham mais em campo? Também não. Eles ganham mais em campo porque eles são mais ricos? É provável.Aqui, no Brasil, nós temos isso como regra? Os mais ricos ganham? Acho que quem tem sido constante são Palmeiras e Flamengo. Fiz um jogo outro dia da Copa do Brasil, eles jogaram as oitavas de final. E aí alguém passou um dado de que, nos últimos 10 anos, eles ganharam mais de 10 títulos cada um. Evidente que eles estão mandando. É só devido à grana?O Fortaleza ganha igual a eles? Mas o Fortaleza tem sido um belo destaque dos últimos anos, chegando à final da Sul-Americana, brigando por Libertadores quase todo ano no Campeonato Brasileiro. ‘Ah, teve um ano em que ficou um turno na zona do rebaixamento’. Mas os caras não mandaram embora o [técnico Juan Pablo] Vojvoda, e o time saiu do Z4.Se você arrecadar o máximo que pode e souber aplicar, consegue jogar, porque o futebol é isso. E não é poesia, é isso mesmo. Você pode montar um baita time e perder. Agora, é mais difícil vencer num campeonato como o Brasileiro, com 38 rodadas, regularidade e blá, blá, blá.O Palmeiras foi vice-campeão Brasileiro, foi eliminado nas oitavas da Copa do Brasil e nas oitavas do da Libertadores. O Atlético-MG foi para a final de Libertadores e Copa do Brasil, mas quase caiu. Ficou até a última rodada para cair. O nosso futebol tem um pouco disso, não me pergunte o porquê.R7 — Em mesas-redondas, é normal ouvir que um dos motivos de a seleção brasileira não vencer é a venda precoce de craques para a Europa. Qual sua opinião sobre isso?Cleber — Recentemente, o novo diretor técnico do Flamengo, José Boto, deu uma entrevista dizendo que nós estamos errados. Nós estamos formando um jogador de um jeito errado. Ele cita alguns craques que nós tivemos e quase todos eles já pararam há anos. Ele cita Romário, Ronaldo, Ronaldinho e Zico.O [Vanderlei] Luxemburgo — que eu tenho para mim que está no top 5 dos maiores técnicos do futebol brasileiro, principalmente dos que acompanhei, como torcedor e profissional — tem dito há muito tempo que a gente deixou de formar o jogador e de jogar futebol na essência brasileira. Ele até briga quando você argumenta o contrário. Adoraria entrevistar o Luxemburgo, fazer um programa, para a gente discutir qual a nossa essência.Basicamente, é provável que a gente diga que a nossa essência é o improviso, é o drible, é o bom domínio de bola, é a plástica do jogo e a eficiência do jogo. Acho isso legal, bonito para caramba. E acho que a gente tem que insistir na nossa essência.Acho que o Boto, que é um português, deve estar certo quando ele diz que a gente está formando errado os nossos jogadores, quando a gente quer formar o jogador brasileiro-europeu. Agora, queria saber como é que a gente vai fazer. Se é possível usar essa essência e fazer essa essência se misturar com a eficiência que é necessária hoje. A questão tática, física, emocional, foco, competitividade....Gostaria muito de discutir isso. Meu sonho era ter um programa que pudesse ser semanal e que, toda semana, discutisse um aspecto desse a para gente entender o futebol brasileiro de verdade, para não ficar só eu achando, você achando... O Vanderlei diz ter a experiência de ter feito, né? E ele tem mesmo uma experiência de fazer vários tipos de time. Ele fez muito time bom e fez time eficiente também. Isso é rico como conhecimento.R7 — Hoje, o torcedor assiste a uma partida de futebol com o celular na mão, a famosa segunda tela. Quais são os desafios da TV aberta para manter o futebol atrativo?Cleber — Quando começou a história da segunda tela, a primeira vez em que ouvi sobre segunda tela, não entendi o que estavam falando, só depois fui me ligar. E, hoje em dia, é verdade. Acho que todo mundo quase acompanha uma segunda tela. Às vezes, faço a segunda tela, segundo áudio...Se a hora em que você pegar o microfone e quiser fazer jogo para primeira, segunda, terceira e quarta telas, você não vai fazer para ninguém. Faz o jogo, transmite o jogo. A audiência é que tem o direito de escolher o que que quer ver, como quer ver, se quer ver de novo o gol num site, se perdeu o gol ou se quer ficar acompanhando. Isso é serviço.Agora, quando você perguntou o que que a TV aberta tem que fazer, acho que ela tem feito. Acho que o futebol passou a ser transmitido de um jeito um pouco mais descontraído, um pouco mais próximo do torcedor, um pouco mais sorridente. Acho que isso os caras gostam.Na essência, as transmissões não são mais nem menos iguais. O futebol, há muito tempo, penso que é uma das poucas atrações que consegue agregar todo tipo de audiência. O cara mais pobre e o cara mais rico. O cara mais novo e o cara mais velho. O cara mais culto e o cara menos estudado. O cara que adora futebol, e o cara que só se interessa por futebol.Acho que só precisa fazer bem feito. Fazer bem feito é transmitir legal, é captar bem as imagens, é esclarecer as dúvidas, é ter uma comunicação leve e precisa, na medida do possível. No meu caso, acho que é não ficar criando polêmica por polêmica, esculachando por esculachar, é ser crítico, mas também saber elogiar.O futebol ele vai se prolongando, ele sobrevive sempre porque ele é isso. Ele é uma coisa que junta todo mundo. Se há alguma coisa aqui que qualquer brasileiro, seja qual for classe ou idade, gosta, é de Carnaval e futebol. Todo mundo gosta um pouquinho.R7 — O que você espera da temporada de futebol 2025?Cleber — Espero que seja legal, que a gente continue jogando um futebol agradável. As médias de público têm sido boas, espero que a gente continue a ter estádio cheio. Que a gente tenha mais jogo. Acho que, dentro do campo, às vezes, a gente está com um jogo muito fracionado, muito parado, muito manhoso. Para nós aqui, a gente está num momento da história da transmissão de futebol muito interessante. Há quanto tempo você não tinha duas TVs abertas transmitindo o Campeonato Brasileiro? A RECORD este ano vai ter futebol o ano inteiro, do estadual ao Brasileiro. Tomara que seja um projeto que tenha outras competições.Tenho brincado assim: se eu fosse uma televisão, provavelmente gostaria de ter um campeonato só na minha televisão. Se eu fosse um clube de futebol, gostaria de ter o meu campeonato em várias plataformas. Acho que esse é o caminho. E é isso. Vamos jogar, vamos ver se a gente consegue jogar bem e que o público jogue com a gente.