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R7 Entrevista

De artista independente a best-seller: Picolo reinventa heróis da DC com toque brasileiro

Desenhista faz parte de seleto grupo que trabalha na editora de quadrinhos e já entrou em ranking de livros mais vendidos dos EUA

Entrevista|João Acrísio e Bianca Fávero*


Gabriel Picolo, de 31 anos, é um dos poucos brasileiros a atuar como desenhista na editora DC Comics, criadora de personagens como Superman, Mulher-Maravilha e Batman.

Desde que foi contratado, o artista participou de uma série de cinco novelas gráficas sobre os Jovens Titãs — equipe liderada por Robin e outros heróis adolescentes, sucesso nos anos 2000 com uma série de TV.

Além de fazer parte do grupo seleto de brasileiros que trabalham para uma editora de quadrinhos americana, Picolo se juntou a outro rol ainda mais específico. Em 2020, o artista teve seu primeiro volume publicado na lista de best-sellers do jornal The New York Times. O ranking contempla os livros mais vendidos nos Estados Unidos durante a semana — entre os brasileiros, apenas Paulo Coelho, Fernanda Torres e Jorge Amado já apareceram.

“Até o momento, estou em choque, não sei o que dizer, é surreal ser um best-seller”, diz Picolo, em entrevista exclusiva ao R7 — as obras Mutano e Estelar entraram para a lista em 2020 e 2024, respectivamente.



Os Jovens Titãs são queridinhos pelos fãs da DC mais jovens, principalmente depois do desenho animado. Gabriel era uma entre as várias crianças que assistiam à série e ficavam encantados com a representatividade dos heróis adolescentes para o público-alvo. Anos mais tarde, já como artista independente, Picolo acabou mergulhando no universo, não como telespectador, mas como quadrinista.

“Não tinha planos de trabalhar para a editora, meu trabalho não é o tipo de super-herói convencional, mas depois que comecei a desenhar essa série dos Jovens Titãs, com um estilo mais adolescente, fugindo do lado do super-herói, viralizou na internet, a ponto da própria DC Comics entrar em contato comigo.”


Apesar de fazer publicações internacionais, o estilo mais descontraído dos heróis possibilita Picolo inserir suas origens nos desenhos. “Para mim, o Mutano membro da equipe dos quadrinhos — é brasileiro. Então, a roupa dele precisa ter uma referência ao Brasil. Gosto de tentar colocar minimamente alguma coisa só para falar: ‘Ei, galera, esse é um brasileiro fazendo Jovens Titãs’”, declara.

Confira a entrevista na íntegra:


R7 - Primeiro, conte um pouco da sua história, como você iniciou nos quadrinhos?

Gabriel Picolo - Comecei com uma webcomic (edições produzidas para o digital) chamada Ícaro e a Sol, uma reinterpretação de um relacionamento contemporâneo por meio dos personagens da lenda grega. Depois, virou um quadrinho físico por financiamento coletivo.

R7 - E os Jovens Titãs? Quando você começou a desenhar a equipe?

Gabriel Picolo — Nunca tive planos de trabalhar com o mercado de super-heróis, como Marvel ou DC, até porque o meu trabalho não é o de super-herói convencional, mas comecei a desenhar, por conta própria, essa série dos Jovens Titãs com as roupas mais casuais e acabou viralizando na internet.

A própria DC Comics encontrou o meu trabalho e me colocou para trabalhar em livros, em Graphic Novels, com essa mesma temática dos Titãs, mais casual, menos herói.


R7: Como surgiu a ideia de trazer a equipe dos Jovens Titãs para esse lado mais adolescente?

Gabriel Picolo - Sempre fui um grande fã do desenho animado e era um conteúdo que eu queria ver mais desenhos sobre, mas não tinha. Então, comecei a postar e as pessoas gostaram muito e queriam ver mais daquilo. Uma coisa levou a outra, foi muito fácil continuar fazendo esse conteúdo. É surreal demais fazer esse conteúdo para a própria DC.


R7: Como foi a primeira abordagem da editora com o seu trabalho?

Gabriel Picolo - Lá em 2018, achava que era fake. Inclusive, lembro do primeiro e-mail do editor falando sobre a proposta. Tinha uma foto enorme da DC Comics no final, aí, falei: “Ah, nem pensar que a DC Comics bota um PNG desse tamanho, é fake, com certeza é fake, é bom demais para ser verdade”.

Tiveram que entrar em contato comigo algumas vezes até eu entender que aquilo era uma proposta para trabalhar para eles.

R7: Os livros são feitos com a Kami Garcia [escritora americana], certo? Você faz os desenhos e ela roteiriza a história? Como é a comunicação entre vocês?

Gabriel Picolo - Uma coisa que acho muito curiosa nos quadrinhos, o roteirista escreve somente para o artista. Ela escreve para mim, e eu desenho para o leitor. As únicas pessoas a lerem o roteiro da Kami Garcia sou eu e os editores.

Como a gente está trabalhando junto há muito tempo, ela sabe exatamente o tipo de cena que gosto de desenhar, o quanto ela precisa escrever uma cena para eu desenhar e isso torna essa parceria muito fácil.

A Kami, desde o começo, quis se aproximar de mim. Normalmente, todas as relações, entre os roteiristas e artistas, são guiadas pela DC. Mas a Kami não queria que fosse dessa forma.


Inclusive, já fui na casa dela, conheci os filhos dela, até fiz página na casa, ela passava assim na cozinha e falava: “Ah, eu amei esse desenho”. Quero muito a trazer na CCXP alguma vez, porque sei que vai ser muito legal.

R7: Depois dos Jovens Titãs qual seu próximo projeto? Pretende continuar na DC, partir para um projeto autoral?

Gabriel Picolo - Quando eu terminar a série dos Titãs, meu próximo projeto é reimprimir o Ícaro e a Sol, porque é uma história minha lançada apenas por meio de financiamento e está esgotada, não existe nenhum jeito de conseguir esse livro hoje. Depois, penso se quero fazer outra coisa com a propriedade intelectual da DC, da Marvel ou se vou querer fazer alguma coisa autoral.

R7 - A gente vê muito quadrinista brasileiro levando a brasilidade para as HQs, você também tenta inserir essa identidade nos Jovens Titãs?

Gabriel Picolo - Você sabe o que é head canon (interpretação pessoal de um fã sobre a história)? Meu head canon é que o Mutano é um brasileiro. Então, faço direto isso, por exemplo, se ele estiver vestindo uma jaqueta, a roupa tem um botãozinho do Brasil. Gosto de tentar colocar minimamente alguma coisa assim, só para falar: “Ei, galera, esse é um brasileiro fazendo Jovens Titãs”.

R7 - Qual a diferença entre o público brasileiro e o público americano?

Gabriel Picolo - O público lá fora é mais retraído. Faço muito eventos nos Estados Unidos e alguns na Europa também, e a energia é completamente diferente. Inclusive, por isso, a CCXP é um dos meus eventos favoritos.

As trocas, a energia do pessoal no Brasil é surreal, entendo 100% artistas internacionais, músicos, cantores que vêm para o Brasil, ficam surpresos e querem voltar sempre para cá. Porque é diferente.

R7 - O volume do Mutano e da Estelar entraram para a lista de best-sellers do The New York Times. Como foi receber essa notícia?

Gabriel Picolo - O livro da Estelar saiu em novembro lá nos Estados Unidos e foi parar na lista. Estou até agora: “Nossa, como assim, gente?”. Preciso comemorar, vou pensar nisso depois. Mas, assim, é surreal, é surreal de verdade.

R7 - Quando você começou a desenhar?


Gabriel Picolo - Desenhava quando estava no ensino médio, ali entre as aulas. Não ouvia o professor e ficava desenhando, mas começou a ficar um pouco mais sério há uns nove anos. Quando fiz 365 desenhos, um para cada dia do ano, e terminei esse projeto, tinha uma base de seguidores e comecei a pensar em ganhar dinheiro com desenho, porque tinha gente interessada em me pagar para desenhar, fazer encomendas.

R7 - Quais são suas inspirações hoje?

Gabriel Picolo - Para mim é o trabalho do Jorge Jiménez, um quadrinista espanhol. Ele é muito conhecido por fazer a Liga da Justiça, Batman, mas o meu preferido são os Super Sons, ou Super Filhos, em português. Gosto muito desse quadrinho.

Tem outro quadrinista também, ele se chama Dan Mora, da Costa Rica. É um querido, o conheci pessoalmente e tem um estilo absurdo, o cara é uma máquina de desenho. Me inspira muito o trabalho dele.


R7 - Para fechar, como você supera aquele bloqueio criativo que impede de continuar o desenho?

Gabriel Picolo - Olha, eu não sou uma pessoa com muito bloqueio criativo. Quando estou fazendo um quadrinho, é um processo muito metódico. Sei como o dia vai terminar, preciso acabar aquela página independentemente de qualquer coisa.

A página pode não ficar muito bonita, mas preciso entregá-la. Não é só aquela página que vai contar a história do meu livro.

Mas quando trabalho para mim, é diferente, pode ter algum tipo de bloqueio, mas se estou sentindo um bloqueio criativo, a minha estratégia é ir fazer outra coisa diferente do desenho. Ir assistir a um filme, jogar e dar um rolê com amigos, porque quando tiro esse tempo para mim, eu volto para o desenho e dá tudo certo.

*Sob supervisão de Thaís Sant’Anna

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