Dinho Ouro-Preto: 'Esse projeto 4.0 é o mais grandioso e ambicioso das quatro décadas de ação da banda'
Às vésperas do show em São Paulo, o vocalista do Capital Inicial relembra a trajetória e dá detalhes do pacotão que envolve álbum, DVD e a atual megaturnê, em comemoração aos 40 anos do grupo
Entrevista|Eduardo Marini, do R7
A turnê Capital Inicial 4.0, em comemoração aos 40 anos da banda formada em 1982 na cena roqueira de Brasília, terá show único em São Paulo, no Espaço Unimed, nesta sexta-feira (18). Será a sexta apresentação do projeto, que conta ainda com um DVD, um álbum com 12 faixas e uma versão deluxe deste lançamento, com mais cinco músicas.
Será oportunidade de ouro para fãs novos e antigos da banda se divertirem ao som de sucessos históricos, muitos deles repaginados por Fernando de Ouro-Preto, o Dinho (vocais), Fê Lemos (bateria), Flávio Lemos (baixo) e Yves Passarel (guitarras). Além dos hits consagrados, o quarteto promete novas versões também para canções lado B, menos executadas. Uma dica: a direção de arte, a iluminação e o conjunto visual do espetáculo são shows à parte.
Neste bate-papo com o R7 ENTREVISTA, o cantor e compositor Dinho, 58 anos, nascido em Curitiba (PR) e criado na capital federal, adianta detalhes do show, explica como o projeto foi construído e lembra detalhes de sua trajetória pessoal. Mas, antes, lamenta a morte da cantora Gal Costa, anunciada momentos antes do início dessa saborosa conversa. Primeiros Erros? Nada: recentes acertos. Acompanhe:
Antes de falarmos sobre do projeto Capital Inicial 4.0, vamos ao assunto que se impõe: Gal Costa. Soubemos da morte dela momentos antes do início da nossa conversa.
Dinho Ouro-Preto - Pois é, cara, terrível. Terrível. Foi uma surpresa. Não havia notícia sobre debilidades na saúde dela. Nos cruzamos em alguns eventos, mas não nos conhecíamos pessoalmente. Mas Gal foi um dos pontos altos e mais presentes na trilha sonora dos meus pais, o que, inevitavelmente, gerou uma ligação afetiva. Cresci ouvindo. Artistas como ela possuem carreira tão longa que passam a impressão de que estarão entre nós para sempre – e a rigor estarão. Gal já era Gal desde que me conheço por gente. Sempre teve olhar moderno sobre a música e as interpretações, e isso estabelece uma ponte também com o rock. Fiquei bastante comovido.
A rotina do Capital foi congelada na pandemia%2C como a de todos. No início do retorno à normalidade%2C a gente não se ligou para o fato de que o período coincidia justamente com os 40 anos da banda. A ideia anterior era nos reunirmos para compor%2C fazer mais um álbum de inéditas%2C cair na estrada e vida que segue. Mas%2C quando acordamos%2C veio o ‘caraca%3A 40 anos. Esperem%2C esperem%2C esperem e parem tudo’
De volta ao projeto, como surgiu? A iluminação e o visual do show estão impressionando.
Eu também fiquei impressionado. Sob o ponto de vista da concepção visual, é projeto mais grandioso de nossas quatro décadas de existência. A rotina do Capital foi congelada durante a pandemia, como a de todos. No início do retorno à normalidade, a gente se ligou para o fato de que o período coincidia justamente com os 40 anos da banda. A ideia anterior era nos reunirmos para compor, fazer mais um álbum de inéditas, cair na estrada e vida que segue. Quando acordamos, veio o ‘caraca: 40 anos. Esperem, esperem, esperem e parem tudo’. Depois de termos superado tantas coisas para chegar onde chegamos, não poderíamos deixar passar batido uma data simbólica como essa, de uma carreira tão longa sobretudo para o rock no Brasil. O Capital sempre procurou lançar músicas novas, caminhos novos. A cada dois anos, na média, a gente lançou um álbum com inéditas, mas era impossível deixar de fazer uma turnê comemorativa, de retrospecto, para festejar esses 40 anos.
Como juntaram esse time de profissionais no projeto?
A gente procurou bons parceiros e, felizmente, encontramos vários craques. Há quatro principais: Dudu Marote, Batman Zavareze, Luiz Oscar Niemeyer e Cesio Lima. Dudu, o produtor, fez Emicida, Skank, Baiana Sound System, enfim, um craque, mas ainda não tinha trabalhado conosco. Para a direção artística e concepção visual do show, a gente conseguiu uma fera, um cara chamado Batman Zavareze.
Batman é realmente muito bom. Concebeu o visual das turnês dos Tribalistas e a última temporada da Marisa Monte.
Isso. Eu não o conhecia. Fui assistir ao show da Marisa, olhei aquilo e falei: ‘uaaaaau, caraca, que p… é essa?’ (risos). Esse cara tem que ser nosso parceiro. Sinceramente: Batman é um dos caras mais inspirados na área dele no panorama musical brasileiro. O Cesio Lima é outro talento raro: bolou uma iluminação inacreditável.
As luzes, de fato, estão lindas.
É algo único, singular. Não é porque falo de nosso trabalho, mas não me lembro de ter visto tamanha eficiência em iluminação por aqui. E, por último, a gente trocou de empresário. Estamos com o Luiz Oscar Niemeyer, um cara que trouxe grandes nomes da música mundial para o Brasil e produziu shows imensos com artistas daqui. Ele tem estrutura e conhecimento suficientes para colocar um projeto como o 4.0 de pé, esse grande circo funcionando. Ele também faz a direção geral, e o Luiz Guilherme Niemeyer, a direção executiva. Porque o show foi completo, como concebido, em todas as apresentações até agora, independentemente da cidade Brasil onde foi realizado. Será assim em São Paulo e nos shows futuros.
Fale sobre o lado musical do show e dos álbuns.
O projeto possui três frentes: um álbum com 12 faixas - que tem uma versão deluxe, com mais cinco músicas, lançada agora em novembro -, um DVD, gravado na Cidade das Artes, no Rio, com o trabalho de Dudu, Batman e Cesio, e também a turnê. O show, como disse, recupera músicas que marcaram nossa trajetória. Algumas estão com novos arranjos e levadas. Música Urbana e Passageiro, por exemplo, estão diferentes. A galera vai gostar. Além disso, teremos canções lado B, admiradas por nós, mas que não foram tão executadas. O clipe de uma inédita, Amor em Vão, a primeira em quatro anos, inaugurou o projeto em 1º de julho. Natasha, com participação da cantora Marina Sena, e Passageiro, com Pitty, também estão nas plataformas digitais. E temos, no álbum e no DVD, participações de convidados maravilhosos, como Carlinhos Brown, Samuel Rosa, Pitty, Marina Sena, Vitor Kley e Ana Gabriela.
Adoro bons figurinos e cenografias. O Johnny Ramone%2C guitarrista dos Ramones%2C filmou as apresentações da banda várias vezes para definir os melhores posicionamentos%2C roupas e tênis no palco. Usaram aquelas roupas de couro%2C camisetas e tênis específicos do início ao fim. Tudo estudado. Tudo milimetricamente pensado para parecer não pensado%2C espontâneo%2C saca%3F O mesmo ocorreu com os panos do Mick Jagger%2C os adereços do Steven Tyler%2C e por aí vai. David Bowie%2C então… nem é preciso falar
O Capital se preocupa muito com o aspecto cênico. Você, particularmente, passa sempre a impressão de buscar se vestir bem. É isso?
Totalmente. Adoramos ter cenários e roupas bonitas para o público. Tivemos profissionais nos ajudando neste ponto em todos os projetos. O rock brasileiro, com exceções, é claro, foi, em grande parte, negligente neste aspecto.
Acha mesmo?
Penso que sim. Desde menino eu olhava as bandas gringas e falava: ‘uau, olhe os que os caras fizeram’. Pode ser algo muito simples, como pareciam ser os Ramones, ou coisas pesadas, como Stones, Kiss ou Queen, mas o importante é bolar uma cenografia para que o aspecto visual e o comportamento sejam tão mobilizadores quanto a música. Tudo isso junto é que é rock’n’roll, cara. O Johnny Ramone, guitarrista dos Ramones, filmou as apresentações da banda várias vezes, nos primeiros anos, para definir os melhores posicionamentos, roupas e tênis no palco. E usaram aquelas roupas de couro, camisetas e tênis específicos do início ao fim. Tudo aquilo foi milimetricamente pensado para parecer não pensado, espontâneo, saca? O mesmo ocorreu com os panos do Mick Jagger, os adereços do Steven Tyler, e por aí vai. David Bowie, então… nem é preciso falar. Tudo foi estudado – e as pessoas amam. Porque, definitivamente, tudo isso, no rock, faz parte do show. Veja o panorama atual do Brasil: artistas de praticamente todos os estilos adotaram esse caminho estético.
Dado (Villa-Lobos) e eu fomos criados com extrema proximidade. Quando tínhamos 18 anos%2C meu pai%2C que não está mais entre nós%2C casou-se com a mãe dele. Viveram juntos por muito tempo%2C quase 30 anos%2C calculo%2C até a morte do meu pai. Imagine seu pai se casar com a mãe de seu melhor amigo com vocês aos 18 anos%2C sendo amigos desde sempre%3F Somos irmãos. É como vejo e sinto - e penso que ele também
Comente sobre três caras importantes na sua vida: Renato Russo, Dado Villa-Lobos e Kiko Zambianchi.
Todo mundo sabe a importância do Renato na minha formação e também para toda a nossa geração em Brasília. O Dado… bom, fora a identificação musical, meu pai era casado com a mãe dele – mas bem antes deles se unirem nós éramos os melhores amigos. Desde criança. Desde sempre. Fomos criados com extrema proximidade, dividimos experiências e evoluções em vários períodos. Quando tínhamos 18 anos, meu pai, que não está mais entre nós, casou-se com a mãe do Dado. Viveram juntos por muito tempo, quase 30 anos, calculo, até a morte do meu pai. Imagine seu pai se casar com a mãe de seu melhor amigo com vocês aos 18 anos, amigos desde sempre? (Dinho dá uma risada) Somos irmãos, nos adoramos. É como vejo e, penso, ele também.
E Kiko Zambianchi. Há coisas dele que parecem de vocês e vice-versa, não é mesmo?
Verdade absoluta. Isso é muito doido. A gente fez várias músicas juntos. Como Devia Estar, Mais… Regravamos outras coisas dele… Gravei Rolam as Pedras solo… Agora estou olhando uma outra música dele – linda, linda - que quero registrar com o Capital. Vamos gravar. Mas, me permita, não vou dizer o nome para não chegarem na minha frente (risos). E Primeiros Erros? Olhe o que aconteceu com Primeiros Erros, cara. O sucesso é impressionante. E como todo mundo canta, né? Fui procurado até pela torcida do Flamengo para cantar uma versão deles de Primeiros Erros para o rubro-negro, mas não fiz. Não foi por mal, mas disse a eles: ‘gente, torco pelo São Paulo. Imagine se faço isso? Não me deixarão entrar mais no Morumbi’ (risos).
No primeiro álbum%2C em 1986%2C fizemos%2C a pedido da gravadora%2C uma lista das músicas que poderiam ser candidatas a sucessos de rádio. Em último lugar colocamos… Música Urbana. Como a mais improvável. Não vai tocar nunca nem ir a lugar nenhum%2C dizíamos. Melodia estranha%2C aquele naipe de metais… palavras como plataforma%2C ninguém vai entender ou gostar disso. Versos como “o vento quase sempre nunca tanto diz…” Pois é%3A deu no que deu
O sucesso de Primeiros Erros é uma daquelas coisas que surpreendem e atropelam tudo, né?
Isso acontece na música. Vou te contar duas histórias. Natasha entrou aos 45 minutos do segundo tempo no nosso Acústico. No último dia de ensaio, o produtor do álbum, Marcelo Sussekind, guitarrista e fundador da banda Herva Doce, perguntou: “vocês tem mais alguma música”. Eu, meio envergonhado, disse: “tenho essa aqui, e tal…”. E mostrei no violão. Ele mandou parar tudo e incluímos. Foi o sucesso que se viu. No primeiro álbum, em 1986, fizemos, a pedido da gravadora, uma lista das músicas que poderiam ser candidatas a sucessos de rádio. Em último lugar colocamos… Música Urbana (Dinho dá outra gargalhada). Como música mais improvável. Não vai tocar nunca. Não vai a lugar nenhum. Melodia estranha, aquele naipe de metais… palavras como plataforma, ninguém vai entender isso, versos como “o vento quase sempre nunca tanto diz…” Pois é: deu no que deu (risos).
Como você vê a geração do Rock Brasil Anos 1980 hoje, 40 anos depois?
A gente obviamente não inventou o rock brasileiro. Antes havia Mutantes, Rita Lee, Jovem Guarda, Secos & Molhados e várias outras coisas muito importantes. Mas nossa geração disseminou e deu capilaridade para o rock pelo país, no gosto do brasileiro. Hoje você pode chegar em qualquer ponto do Brasil profundo e conferir: eles conhecem Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Blitz, Barão Vermelho, Titãs, Capital Inicial e por aí vai. Conhecem. Cantam as músicas. Isso me deixa orgulhoso porque, ao meu ver, é o principal legado. Antes, a cena era restrita, localizada, e isso dificultava a evolução da estrutura profissional, a viabilização das coisas. Hoje não: é impossível contar a história da música brasileira sem incluir capítulos importantes para o rock. Impossível. Fora o espaço aberto para bandas e roqueiros posteriores. Sem dúvida, é um legado da nossa geração no rock brasileiro.
O que você tem ouvido – e curtido - de novo no rock brasileiro?
Há muita coisa boa. Scalene é uma banda muito bacana, formada em Brasília em 2009. Gosto muito. Curto também a Zimbra, grupo de pop rock de Santos, no litoral paulista. Outra banda muito interessante é a paulistana Ego Kill Talent. O nome, em inglês, é uma versão do ditado ‘Muito Ego Vai Matar Seu Talento’. Fazem um som instigante, foram bem recebidos na gringa. São ótimos, enfim. O Quadra, último álbum de estúdio do Sepultura, é um dos melhores deles em muito tempo. E também gente do pop e da MPB. Alguns deles participam do projeto Capital Inicial 4.0: Marina Sena, Vitor Kley, Ana Gabriela e mesmo Pitty, esta numa faixa etária intermediária entre as últimas revelações e a minha geração.
O que você curte fazer quando não está nos estúdios, na estrada ou nos palcos?
Basicamente, ler e correr. Sou leitor ávido, aplicado. Leio ficção, romances, e não-ficção, muita coisa ligada a História. Acabei há pouco de ler os dois sobre escravidão, do Laurentino Gomes, e comecei o exemplar sobre a vinda da família real para o Brasil. Há outros sobre história aqui ao lado, na fila. Sou de uma família de gente que ama História. Minha mãe e minha irmã são historiadoras. Meu pai, cientista social e diplomata de carreira, também amava História.
E correr?
Outra paixão. Eu corro, cara. Hoje mesmo fiz cinco quilômetros. Essa marca tiro de letra quase todas as vezes. Estive conversando sobre uma preparação em corrida pensando em realizar um sonho: correr uma maratona. Quero levar essa coisa mais a sério.
Notei que você está magro, seco, como dizem. Mas maratona? Quarenta e dois quilômetros, cento e noventa e cinco metros?
Isso. Não sei nem se devo ficar falando isso porque depois posso não conseguir tempo e condições de me preparar e aí ficarei frustrado. Mas o sonho é esse.
Quais são seus planos, e também os dos parceiros do Capital, para o futuro próximo?
A turnê 4.0 é comemorativa. Pretendemos encerrá-la até o meio de 2023 e, em seguida, produzir mais um álbum de inéditas. A ideia é lançar esse trabalho até o final do próximo ano, no máximo no início de 2024. Depois, é cair na estrada e encontrar o público. A ideia é essa. Tomara que a gente consiga cumprir os prazos.
Vamos torcer.
Valeu. Obrigado.