Gigante chinesa usa inteligência artificial para criar 200 mil produtos por dia para brasileiros
Marcelo Claure, presidente da Shein na América Latina, admitiu ao R7 'grande' apreensão com nova taxação de compra internacionais
Entrevista|Mariana Botta, do R7
Presidente para a América Latina de uma das maiores varejistas do comércio online, o bilionário boliviano Marcelo Claure, 52 anos, afirma que, graças ao modelo de negócios da empresa, na qual investiu US$ 100 milhões no início deste ano, pôde ter muitas informações sobre os gostos e desejos do consumidor brasileiro. Esse é, segundo o executivo, o 'segredo' do sucesso da chinesa Shein (a pronúncia é 'xi-in') no país.
Os dados sobre as preferências de quem costuma comprar na plataforma são usados na criação de novos produtos, feitos especialmente para agradar esses consumidores, porque são baseados nas características que eles gostam.
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"Através [do uso] da inteligência artificial nós sabemos aquilo que você quer. E o produto que você mais gosta quando acessa o aplicativo é diferente do de outra pessoa qualquer, no aplicativo dela. Com isso, conseguimos criar cerca de 200 mil produtos novos por dia, não sei bem o número exato, e fazemos poucas peças, para testar primeiro", explica Claure.
Apesar de a companhia comercializar itens de moda, beleza e lifestyle, ele diz que a verdadeira natureza da Shein é a de empresa de tecnologia. "No ano passado, nosso aplicativo teve 48,5 milhões de downloads no mundo, foi o app de compras mais baixado. No Brasil, ficou no segundo lugar, atrás apenas do gov.br", conta.
Em passagem pelo Brasil, onde a varejista tem 45 milhões de clientes, Marcelo Claure recebeu a reportagem do R7, no escritório da empresa, em São Paulo. Leia a entrevista:
R7 Entrevista — O que o mercado brasileiro representa para os negócios da Shein?
Marcelo Claure — O Brasil, ao lado do México, está entre os cinco maiores mercados da Shein no mundo. Eles são muito importantes não só pelo número de consumidores, pelo tamanho em si, mas porque são locais onde nós teremos muito mais inovação do que em qualquer outro lugar. O Brasil foi o primeiro do mundo onde foi lançado o nosso marketplace, por exemplo.
A Shein é uma empresa mais brasileira que a maioria das varejistas que importam roupas
Como é o consumidor brasileiro que compra de vocês?
É um consumidor fashionista, e a moda exige rapidez; ele gosta de variedade, e nós temos muitos milhares de produtos; e o mais importante: o brasileiro quer bom preço. Então, quando você junta isso, consegue uma relação muito boa do Brasil com a China. E a Shein está muito próxima do consumidor brasileiro, sabe exatamente o que ele quer. Ampliamos a oferta de produtos por causa dele [esse público], agora temos no marketplace capinhas de celular, que também são fashion, coloridas, roupas masculinas, de crianças, produtos para a casa.
O que vocês fazem para descobrir o que o consumidor quer?
Nosso modelo de negócio é diferenciado, não copiamos modelos das marcas dos Estados Unidos e Europa. Somos, provavelmente, a única empresa do mundo que tem a capacidade de desenhar um produto, fabricar e colocar à venda em sete dias. Fabricamos em uma quantidade muito pequena, então só os produtos bons continuam [no catálogo]. Temos uma cultura de experimentação, de inovação que permite falar que, certamente, a Shein é uma empresa mais brasileira que a maioria das varejistas que fazem importação de roupa.
Como é a relação da empresa com esse consumidor?
A melhor parte do Brasil, para nós, é o consumidor final, por isso o escutamos muito. O canal de comunicação mais importante com nossos clientes, hoje, é pelas redes sociais. Temos 13 milhões de seguidores ao todo, 10 milhões só no Instagram, que são ativos, nos mandam mensagens.
Quais foram os desafios enfrentados para entrar no mercado nacional?
Todos. Na Shein o pensamento é muito ágil, e foi preciso entender que para crescer no Brasil era preciso estar no Brasil, ser uma empresa brasileira, que fabrica no Brasil. Aos poucos vamos adaptando nosso modelo de negócios às necessidades dos clientes. Acho que a logística brasileira é um pouco mais complicada, algumas coisas relacionadas com a gestão levaram um pouco mais de tempo, mas nada de muito importante.
Qual foi o impacto para os negócios do anúncio feito pelo governo, em abril, de mudanças na taxação das compras internacionais?
Notícias desse tipo, às vezes, afetam os negócios um pouco, principalmente quando tem informações conflitantes. No dia do anúncio, a repercussão foi muito grande, inclusive na China, que depende muito da indústria da moda. Aqui, a maior reação foi vista nos comentários das redes sociais, sobretudo daqueles consumidores de recursos mais escassos, dizendo que não acreditavam naquela decisão, porque não iriam poder continuar comprando conosco. Todos sabem que quem tem mais condições pode viajar para a Argentina, para o Chile ou os Estados Unidos para comprar produtos importados. Mas existe essa parcela de milhões de brasileiros, muitos deles nossos clientes, para quem vai ficar complicado pagar mais caro. Esse é o meu ponto de vista.
Naquele momento, a Shein teve uma conversa com o Ministério da Fazenda e se compremeteu a fazer investimentos no país. O que foi acordado?
Os impostos são importantes para o país, e não queremos deixar de pagar; a única coisa que pedimos é as regras fossem claras, que ficasse mais fácil para nós e, principalmente, para os clientes entendermos o que vamos pagar pelos produtos. Na reunião [com o ministro Fernando Haddad], chegamos ao acordo de acelerar a fabricação no Brasil. Assumimos o compromisso de ter 2.000 fábricas em atividade, em até três anos. De abril para cá, já temos 210 fábricas em funcionamento, em 12 estados. As fábricas da China, como não produzem apenas para o mercado brasileiro, vão continuar em atividade, assim como as daqui poderão produzir para outros países.
Nosso preço é baixo não por causa de impostos%2C mas pela eficiência
Essas fábricas serão novas, construídas pela Shein?
Não, nós fazemos parcerias como empreendedores que já têm a infraestrutura e digitalizamos o processo de fabricação. Nosso trabalho é ajudar a digitalizar essa indústria. O Brasil tem uma história fantástica no mundo da fabricação de tecidos. Queremos revitalizar a indústria têxtil do país.
Todo esse investimento e a mudança para a produção nacional não vão aumentar o custo da produção e deixar os produtos mais caros?
O custo de fabricação pode ficar um pouco mais alto, mas vamos economizar em logística. O Brasil é o maior produtor de algodão do mundo, nós compramos o algodão brasileiro, temos estilistas brasileiros em atividade para nós, e estamos mandando tudo para a China, para ser fabricado lá e depois voltar, o que não tem muito sentido. Sem os gastos com o transporte, vamos ter preços iguais aos da China. Além disso, a rapidez na entrega do produto também é muito importante para nós e nossos clientes, e só a produção nacional possibilita isso.
Por que as varejistas nacionais não têm preços neste mesmo nível?
Isso se deve mesmo ao modelo de negócios. A gente produz, por exemplo, entre 50 e 200 unidades de uma peça nova e coloca à venda, primeiramente como um teste. E aí só se houver a demanda a gente produz em maior escala. A maioria dos varejistas tradicionais produz de 5.000 a 10.000 itens. Se conseguir vender, ótimo, mas se não vender, vai ter que gerir esse estoque. Então, no nosso modelo, existe um ganho de eficiência que pode ser repassado para o preço também. Nosso preço é baixo não por causa de impostos, mas pela eficiência, pelo modelo de negócios. Imagina poder fabricar só o que os consumidores querem, em alta velocidade, e sem precisar ter estoque? É por isso que a Shein consegue criar cerca de 200 mil produtos novos diários, e, através de inteligência artificial, saber o que você quer.
Como está a situação da Shein no programa Remessa Conforme do governo federal, que começou a valer em 1º de agosto?
Fomos uma das primeiras plataformas de e-commerce que enviou a documentação. Vamos seguir todas as orientações do governo.
Além de produtos internacionais, a Shein oferece aos clientes brasileiros itens de vendedores nacionais. Como eles chegaram até vocês? O marketplace é aberto a qualquer pessoa que se interessar?
Nós somos muito seletivos quanto a quem pode ou não entrar na plataforma da Shein. É preciso cumprir padrões de qualidade, de copyright [direito autoral], e uma série de requisitos. Esses pequenos e médios empreendedores que resolvem investir na Shein fazem isso por um motivo especial: diferentemente de outros marketplaces, aqui eles vão tentar se transformar em uma marca de moda, não serão 'só mais um vendedor', esse não é o nosso objetivo. A gente tem times que vão atrás de vendedores com essas características. Os selecionados passam por um período de 45 dias no processo de incubação, sempre acompanhados por account managers, gerentes que cuidam dos novos 'sellers'. Hoje, temos cerca de 80 pessoas nas equipes responsáveis pelos vendedores do marketplace. Nossa melhor publicidade é nossa reputação.
Caso algum comerciante tenha interesse em passar por esse processo, é possível fazer um cadastro na página Venda na Shein, onde também há informações sobre o funcionamento da parceria.