‘Negociação é uma coisa que agora não existe’, afirma embaixador russo sobre a Ucrânia
Em entrevista ao R7, Alexey Labetskiy falou também sobre a Síria, Trump, Brics e a relação entre Rússia e Brasil
Entrevista|Ana Vinhas, do R7
O embaixador da Rússia no Brasil, Alexey Kazimirovitch Labetskiy, afirmou que não é possível uma negociação com a Ucrânia. “É uma coisa que agora não existe”, disse, em entrevista ao R7. O conflito, iniciado em fevereiro de 2022, se arrasta sem perspectivas de uma solução a curto prazo.
Labetskiy se irritou com a palavra “guerra” usada ao tratar da questão entre os dois países durante a entrevista. O governo russo não considera uma guerra a intervenção na Ucrânia. Diz que a medida é para proteger os russos que vivem naquele país e para defender o território da Rússia.
O embaixador citou como impedimento para qualquer acordo o decreto assinado, em setembro de 2022, pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, não permitindo negociação com o presidente russo, Vladimir Putin.
Além disso, o documento não reconhece a adesão dos territórios da Crimeia, das autoproclamadas Repúblicas Populares de Donetsk e Lugansk (DPR e LPR), bem como das regiões de Zaporozhye e Kherson, à Federação Russa.
Sobre a promessa do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, de acabar com o conflito, Labetskiy disse que esse não é problema do americano. “Eu não compreendo qual é o papel do Trump na solução desse problema”, afirmou.
Para o embaixador, o exílio na Rússia do ditador deposto sírio, Bashar al-Assad, é uma questão humanitária. “E, se há a possibilidade de salvar uma vida, a vida dele será salva”, acrescentou.
Labetskiy destacou a importância do Brics, grupo de economias emergentes do qual o Brasil faz parte, além de África do Sul, China, Índia, Rússia, Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos e Etiópia. Ele também enalteceu as relações entre Rússia e Brasil. “Nós estamos desenvolvendo essa parceria estratégica que une os nossos países há mais de 20 anos”.
A ligação dele com o Brasil vem desde os tempos de estudante em Moscou, quando se especializou em língua portuguesa, história e cultura brasileira. A tese de seu quarto ano na universidade foi sobre a aquisição do Acre pelo Barão do Rio Branco.
Veja, a seguir, a entrevista concedida em São Paulo, no encerramento do projeto Russian Seasons, que teve a apresentação do músico de jazz russo Igor Butman.
R7 - Estamos caminhando para o terceiro ano de guerra na Ucrânia. Quais as perspectivas de um cessar-fogo? Recentemente, o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, afirmou que estava perto de uma negociação.
Alexey Labetskiy - Eu vou ser franco, eu não quero discutir as questões que não estão ligadas à cultura hoje. Eu não aceito a palavra guerra da Ucrânia. É sua. Isso é um pouco diferente para nós. Eu não compreendo qual é o papel do Trump na solução desse problema. Isso não é um problema do Trump. Então por que estamos falando dele?
R7 - Porque ele foi eleito nos EUA, é assunto aqui e no mundo, nas manchetes...
Alexey Labetskiy - Manchete não me interessa. Manchetes não interessam aos russos. O que interessa aos russos são a segurança, os direitos dos russos que vivem nesses territórios, a observação da lei internacional, incluindo a possibilidade de determinar o seu próprio destino que vem escrito na carta da ONU. E nós não podemos permitir a criação artificial na fronteira da Rússia de um Estado que pretende nos arruinar, nos atacar e não observar os direitos dos russos.
R7 - Quais seriam as condições de uma possível negociação.
Alexey Labetskiy - Negociação é uma coisa que agora não existe, porque está proibida pelos próprios ucranianos. Nós já negociamos com eles. Qual foi o resultado? Chegou o rapazinho do além-mar e disse pronto, vamos combater. E eles começaram a combater.
R7 - Como o senhor analisa esse conflito, se tivesse que explicar a um brasileiro comum?
Alexey Labetskiy - Forças que gostariam de enfraquecer a Rússia utilizaram essa situação. Nós não vamos aceitar isso.
R7 - A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia alertou recentemente os cidadãos russos a evitar viajar aos Estados Unidos, Canadá e alguns países da União Europeia. O que significa esse alerta?
Alexey Labetskiy - Significa que muitos países do Ocidente estão buscando um pretexto de diminuir, de reprimir, de enfraquecer os russos. Analise quantos russos, vamos dizer, feitos prisioneiros nos Estados terceiros (que não fazem parte da União Europeia), pelos americanos, por exemplo.
R7 - E no caso da Síria, Bashar al-Assad pediu exílio à Rússia...
Alexey Labetskiy - No caso da Síria, a senhora quer repetir o destino de Kadafi? (ditador líbio Muammar Kadafi, deposto após mais de 40 anos no poder, capturado e morto por forças opositoras em 2011) Quer ver mais uma vez coisas terríveis como essas. Então, por que está perguntando essa tolice? Isso é uma questão, em primeiro lugar, humanitária. Se a senhora e os senhores querem ver a repetição do destino de Kadafi, nós não queremos. Isso (morte de Kadafi) não tem nada a ver com humanismo e com a pessoa humana. Seja nossa ou não. E, se há possibilidade de salvar uma vida, a vida dele será salva.
R7 - E como foi essa negociação?
Alexey Labetskiy - Não sei, estava no Brasil.
R7 - Como fica a posição da Rússia na Síria? Havia alguns postos ali, foram mantidos?
Alexey Labetskiy - Nós temos boas relações com o governo. Nós temos bases e continuamos controlando essas bases. Não posso fazer comentários sobre a questão da Síria, porque estou no Brasil. Mas é bem claro que estamos no início do processo, cujo desenvolvimento ninguém pode prever. Nós partimos do princípio que, para uma solução do problema sírio, devem ser observadas as bases principais ligadas ao direito, à lei e aos direitos humanos.
R7 - Com relação ao Brics, quais foram os avanços?
Alexey Labetskiy - O avanço do Brics é uma coisa marcante. Todos compreendem que, no mundo atual, a existência do Brics, como um formato de diálogo muito forte entre os países que conseguiram criar a sua própria identidade, é importantíssima. E isso foi provado durante a presidência sul-africana, isso foi comprovado durante a presidência russ. Nós agora entregaremos a presidência para os irmãos do Brasil (Brasil assume a presidência do Brics em 2025).
Estamos convencidos de que o Brics, como eu já disse, permite aos países de grande influência na área internacional de defender os seus interesses, baseando-se no consenso e na compreensão mútua dos problemas que existem, criando o mundo multipolar, onde os objetivos de tarefas de cada um dos mundos serão observados. O que não existe hoje.
R7 - Como o senhor vê a crítica de Trump sobre o uso de outra moeda que não seja o dólar em transações comerciais internacionais...
Alexey Labetskiy - Isso é um problema de Trump. Sabe, isso é um problema de Trump. O único conselho que eu posso dar a Trump é de se ocupar do grande déficit orçamentário americano.
R7 - Mas a ameaça de taxar o Brics...
Alexey Labetskiy - É só ameaça. Sabe, como já disse, o maior problema financeiro de Trump não é problema de pagamentos do Brics. O problema é do déficit orçamentário americano, que é de quantos trilhões? Quanto é o déficit americano? Verifica. Se esse déficit existisse no Brasil, a senhora estava já sem nada a comer. Esse é o problema de Trump. Essas falas são dele.
R7 - Como o senhor vê a nova ordem mundial?
Alexey Labetskiy - A nova ordem mundial é onde os direitos e objetivos de todos os Estados estão os anulados, onde as leis não são criadas pelos sete países mais desenvolvidos, entre aspas os desenvolvidos. Onde os interesses de todos eles são observados. Vamos lembrar a carne brasileira e a Europa.
R7 - Como está a relação Rússia e Brasil e quais as perspectivas para os próximos anos?
Alexey Labetskiy - Eu penso que as relações entre a Rússia e o Brasil estão ótimas. Nós estamos desenvolvendo essa parceria estratégica que une os nossos países há mais de 20 anos. Neste ano, trabalhamos muito juntos no G20, no Brics e nos contatos permanentes entre os líderes, o presidente Putin e o presidente Lula, que é uma coisa importante para as nossas relações.
Nós realizamos a comissão-conjunta e nós esperamos que as relações comerciais, políticas, culturais e desportivas possam se desenvolver no ano que vem, sem qualquer dúvida.
Eu gostaria de dizer que, no ano que vem, nós vamos festejar 25 anos da Escola Bolshoi Brasil, em Joinville (SC), que é uma escola de dança clássica. Isso é um exemplo dos êxitos que nós podemos conseguir, também no âmbito do comércio e do investimento.