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R7 Entrevista

Piloto do Águia revela a rotina contra o crime: ‘Resgata criança, leva coração e prende marginal’

Rotina inclui decolar em 2min, pousar em rodovias e até licença para parar aeroporto; ‘Tirar aflição traz alívio para nós’, admite piloto

Entrevista|Raphael Hakime, do R7

Águia da PM decola em até 2min, abriga-se de marginais armados e respalda soldados em solo Arquivo pessoal/Major Joscilênio Fernandes

Vestibular, anos na academia do Barro Branco, concurso interno e curso de preparação conforme as regras da aviação civil. Depois, uma rotina que requer muito controle emocional e resistência ao cansaço. Também tem treino árduo para pousar e manobrar, com perícia, as aeronaves do estado e, assim, enfrentar o crime organizado. Para completar, diversos salvamentos de vítimas de acidentes e tragédias em solo.

Os pilotos dos helicópteros Águia da PM (Polícia Militar) se sujeitam a uma exaustiva e minuciosa preparação até assumirem o comando das mais de 30 aeronaves da corporação — 29 helicópteros e cinco aviões. Após anos de capacitação, os comandantes comemoram as recompensas da profissão.

“Tem dia que você está levando um coração a bordo. No outro, você salva uma criança que tem a idade do seu filho. Depois, prende um marginal que deixou uma senhora refém”, detalha o major Joscilenio Cezario Garcia Fernandes, integrante do quadro de pilotos da CavPM (Comando de Aviação da Polícia Militar de São Paulo) desde 2009.

Em entrevista ao R7, o piloto de Águia explica os percalços da carreira, a rotina de pressão e o prazer de tirar uma pessoa de qualquer aflição, seja sob a mira da arma de um sequestrador ou ao resgatar uma vítima de presa às ferragens de um acidente de carro: “Traz alívio para ela e para nós. Como policiais, estamos aqui para isso”.


R7 — Como se tornar um comandante de Águia: primeiro o candidato se torna PM ou piloto de helicóptero?

Major Joscilenio — A gente faz um concurso interno dentro da corporação para os oficiais da polícia. Você tem que ser oficial da PM, ou seja, quem fez o curso completo de oficiais pela academia de Polícia Militar do Barro Branco. Você faz o vestibular, faz quatro anos de curso e, numa janela de oportunidade, com um mínimo e um máximo de tempo de polícia, candidata-se a fazer o curso. Então, é um concurso interno. Aí, a Polícia Militar fornece toda a parte necessária para você ser piloto. Então, primeiro, torna-se policial militar para, depois, ser comandante de Águia.


R7 — Um soldado da PM pode se tornar piloto de Águia?

Major Joscilenio — É importante ressaltar que a PM tem oficiais e praças. Para ser piloto, tem que ser um oficial que fez o curso de quatro anos da Academia do Barro Branco. Se você for praça, você entra pela escola de Pirituba, aqui em São Paulo, escola de formação central nossa, e aí pode tripular aeronave do Águia. Mas é restrito a atiradores e salvadores, que são o pessoal que faz o salvamento e ficam no banco de trás. São muito importantes também.


Há uma possiblidade de eles virarem comandantes. Você entra como soldado, depois, faz o concurso do Barro Branco. Como soldado, para ser piloto, tem que passar pelo curso. Hoje, temos ao menos um caso de uma oficial que fez o curso e era soldado. Passou no curso da academia, depois no concurso interno e hoje também é piloto. Uma história muito interessante.

Helicópteros Águia da PM atuam em resgates aeromédicos e na retaguarda a policiais em solo Divulgação/SSP-SP

R7 – Como é a concorrência para se tornar piloto de Águia? Todos que fizeram Barro Branco vão se tornar piloto?

Major – Não, infelizmente, não. Nossa profissão tem começo, meio e fim. Então, o comando da unidade faz projeções de necessidade de pilotos. Estamos agora com um processo bem estabilizado e, em tese, não se expande mais. Tem a renovação de pessoal. Tem quem completa o ciclo e se aposenta. E esse pessoal precisa ser reposto.

Então, os concursos variam. Nessa atual condicionante, são concursos anuais, com de quatro a dez vagas, a depender da disponibilidade da própria polícia. Muito difícil passar disso. Na minha vez, tinham dez vagas e 283 inscritos [...]. Então, tem muita concorrência, sim.

R7 – São quantos helicópteros e aviões no Comando de Aviação da PM?

Major — Os Águias, que você conhece das operações aéreas e que salvam vidas, transportam pessoas... são 24. E mais cinco de outros modelos, responsáveis por transporte de tropa, por resgate aeromédico ou por treinamento.

Também temos mais três aviões, que são multifunção. Transportam pessoas de interesses gerais, como o governador, uma pessoa enferma, tropas para local de interesse da polícia. O avião foi muito usado no Rio Grande do Sul para levar tropas para lá e até transportar cães dos bombeiros para salvamento.

Então, o que puder transportar e reduzir o tempo, o comando de aviação consegue fazer. São 24 modelos Esquilo, totalizando 29 helicópteros mais três aviões.

R7 — Todos os pilotos de helicóptero podem comandar qualquer aeronave da frota do estado?

Major — Todos aqui entramos para pilotar o helicóptero Esquilo, modelo já citado. Durante a formação de pilotos, o comando e os oficiais mais antigos começam a dar oportunidade para oficiais mais novos voem em outras aeronaves. Tem que dar uma sequência de formação, como se fosse uma linha de produção. Precisamos de pessoas disponíveis para voar todas aeronaves. Nossa vida profissional tem começo, meio e fim. Então, se eu me aposento, tenho que deixar um legado para que as pessoas que vierem depois de mim possam fazer as mesmas funções que eu tenho.

Esses cinco helicópteros diferentes possuem um comandante muito experiente e outro não tão experiente. Tem um copiloto muito experiente e outro começando também. É uma linha sucessória muito normal. Via de regra, um piloto de Águia com mais de mil, 2.000 horas, vai conhecer mais de um tipo de aeronave. Para você ter ideia, um piloto voa, em situações normais, em média, 150 horas por ano. Então, sempre vai haver um piloto com boa experiência nessas aeronaves. São vários anos até lá, a gente não tem pressa para formar. O serviço é muito atípico.

Piloto de Águia da PM voa, em situações normais, em média, 150 horas por ano Divulgação/SSP-SP

R7 — Qual o perfil necessário para um policial se tornar piloto de Águia?

Major — O concurso interno, por exemplo, tem muito foco no perfil psicológico do piloto. Conseguimos entender que podemos fazer tudo o que um piloto comum faz, mas a nossa carga de responsabilidade e tensão nas operações exigem um diferencial. Somos testados: ‘Como esse cara vai agir sob pressão? Qual a resistência à fadiga que ele tem? E a resiliência?’.

É um pouco diferente. Um oficial tem que ser capaz positivamente [de ouvir] as críticas. É um perfil específico, porque trabalhamos em conjunto. [...] A gente é muito parecido aqui em regra geral, meio que um padrão de piloto. Tem as diferenças, mas a essência é muito próxima.

R7 — Como é a distribuição dos Águias pelo estado de São Paulo? Em quantas cidades eles estão?

Major — As cidades do estado de São Paulo que comportam um grande comando regional da polícia têm um Águia à disposição. É uma questão estratégica. Então, temos hoje dez bases fora de São Paulo com um helicóptero em cada uma delas, fazendo o serviço policial. Com exceção de Campinas e São José dos Campos, onde temos o mesmo helicóptero fazendo resgate aeromédico também.

A cidade de São Paulo, pelas características, tem um número maior de aeronaves. Vai ter uma oscilação de três a cinco delas disponíveis por dia, fora os aviões. Tenho que pensar em aeronaves para pronto-emprego. Há um reforço de efetivo e um reforço de aeronave. Todas as aeronaves de São Paulo ficam no Campo de Marte.

R7 — Quanto tempo um Águia leva do autódromo de Interlagos até o Hospital das Clínicas [23 km de distância]? Ou da Arena Corinthians, na zona leste, até o Hospital das Clínicas, distantes 23 km ou cerca de uma hora e meia de carro?

Major — Não mais do que dez minutos. É muito rápido. Se pensar nas rodovias que saem de São Paulo e seguem uma linha reta, o helicóptero consegue desenvolver o dobro da velocidade permitida em via. Então, se um carro leva três horas para ir de São Paulo a Ribeirão Preto, o helicóptero leva uma hora e meia. Isso com a velocidade máxima de 100 km/h [para o carro em trânsito].

R7 — As vítimas regatadas pelo Águia na Grande São Paulo são sempre levadas ao Hospital das Clínicas, na zona oeste?

Major — Temos o HC de pronto e há outros hospitais que não necessariamente têm a área de pouso chamada de heliporto em cima da laje do hospital. O hospital Penteado [Hospital-Geral de Vila Penteado, na zona norte] e o [Hospital Estadual] Mario Covas [em Santo André] têm um heliporto bom lá no ABC... O Hospital-Geral de Guarulhos tem também.

A ação de resgate é regulada pela central que está dentro do Corpo de Bombeiros. Quando a pessoa liga 193 e informa um acidente, a área técnica dos bombeiros vai ver qual o melhor apoio. [...] A central tem a visão de toda a cidade de São Paulo. O 193 coloca a gente [helicópteros Águia] pensando na velocidade do atendimento inicial, ou seja, o médico vai chegar mais rápido se for esse o meio. E ainda [indica] o hospital a que esse médico, por meio de ambulância, pode levar a vítima.

Estamos dentro desse conjunto. Não recebo uma ligação dizendo que uma pessoa perdeu uma perna. Essa central regula a operação. A distância importa, os médicos do hospital que fazem a operação importam. Enfim, há algumas variáveis.

R7 — O helicóptero Águia tem liberdade para pousar em qualquer lugar da cidade?

Major — Sim. Nosso helicóptero e nosso piloto estão sujeitos às regras aeronáuticas gerais. Se pudesse comparar, seria um motorista da viatura que usa os meios necessários para atender a ocorrência. [...] Dentro da regulamentação aeronáutica, é fornecida a possibilidade de fazer pouso que os civis não fazem. Aí que entra a formação específica do piloto, que ocorre depois da habilitação civil da Anac [Agência Nacional de Aviação Civil]. Tem que ser preparado para fazer manobras específicas de segurança pública e defesa civil. Assim como no combate a um incêndio, que exige pouso em área não preparada sem prévia autorização.

R7 — No ar, o Águia tem preferência em relação às outras aeronaves?

Major — Tem, na medida em que houver uma ocorrência iminente, ou seja, o tempo e a resposta são importantes. A partir desse momento, eu passo a ter prioridade sobre vários eventos. Até, em último caso, podemos parar o tráfego de um aeroporto de grande porte. Para isso, claro, preciso estar muito bem embasado, porque é uma questão que vai envolver muitas pessoas. Quando zera essa ocorrência, “desligo a sirene da minha viatura” e entro na velocidade da via.

Helicóptero da PM é adaptado para atender vítimas como UTI móvel Divulgação/SSP-SP

R7 — Todos os Águias estão preparados com UTIs aéreas?

Major — Existe uma preparação para isso acontecer. [...] Não posso deixar ninguém sem ser atendido. [...] Eles têm instalação de oxigênio e tomada para sistemas elétricos como respirador e desfibrilador. Em tese, todos estão preparados.

R7 — Quanto tempo leva do chamado para a ocorrência até a aeronave decolar?

Major — O processo ideal é ter condições de decolar em até dois minutos. Recebo a informação pela sala de operações, conhecida como sala de rádio, que é tratada pelo nosso pessoal. Se eles decidem que é possível ter helicóptero no local, toca um alarme único para ocorrência policial. Parte da equipe, com o piloto, já vai preparando o helicóptero, porque tem que fazer uma checagem inicial de partida – não é igual ao carro que é só ligar. O copiloto vai para a sala de rádio, pega a informação, vai correndo até o piloto, que está em processo de acionar o helicóptero, e, com isso, informa sobre o local. Os demais tripulantes já chegam com a informação. Nessa hora, já tenho condições de voar, mas estou condicionado ao tráfego.

R7 — Há algum dia da semana em que vocês não voam?

Major — Estamos sempre condicionados às necessidades da cidade. Há sinais, a experiência nos fala. Com chuva, existe uma diminuição de ocorrências policiais. Em dias da semana, se pensar que há menos pessoas na rua no sábado e no domingo de manhã, você tem um gráfico menor de ocorrências. [Normalmente], há ocorrências das 6h às 3h dependendo da região. Não para.

R7 — Quais as ocorrências mais comuns do Águia?

Major — As ocorrências policiais lideram. Tem furto a residência, tem o cara que acabou de roubar um carro... Depois disso, resgate aeromédico. Quando há uma ocorrência, por exemplo, de assalto a carro-forte, e os criminosos estão com .50, a gente mantém uma distância razoável para poder ajudar o pessoal em solo. Sabemos que há armamentos específicos que requerem ainda mais cautela. Temos possibilidade de nos abrigar do marginal a fim de nos defender.

R7 — Qual a ocorrência que mais marcou o senhor nesse tempo como piloto do Águia?

Major — Tem dia que você está levando um coração a bordo. No outro, salva uma criança que tem a idade do seu filho. Depois, prende um marginal que deixou uma senhora refém. Pessoalmente, gosto de ocorrências policiais pela dinâmica. Sempre brinco que existem ocorrências que pagam o salário do mês inteiro. Difícil calcular uma, mas tive a oportunidade de ir para o Rio Grande do Sul. Foi uma operação marcante.

Poder tirar uma pessoa de uma aflição, de maneira geral, traz alívio para ela e nós, como policiais, estamos aqui para isso. Tentar resolver essa aflição que o mal vem para cima das pessoas e tenta usurpar, tenta violar as pessoas... o que pudermos fazer para retirar esse mal, para a gente é bom. [...]

Tem dia em que a gente brinca e pergunta como foi a ocorrência. O piloto desce da aeronave e diz como foi. “E aí, salário pago?”, perguntamos. “Isso, salário pago!” Essa é nossa intenção: de sempre ajudar a população.

R7 — O uniforme verde-oliva, de piloto de Águia, representa um destaque e um respeito maior dentro da PM?

Major — Optamos por ele lá atrás. Primeiro, por ser um equipamento de proteção individual, um EPI. Depois, pelo fato de já existir linhas de produção desse material mundo afora, com a confecção do traje de voo. Se eu quisesse trocar a cor, o custo seria muito alto. [...] Ou seja, [o uniforme verde-oliva] não foi para ser diferente, mas é diferente para não custar mais caro para o estado.

A gente até brinca: a gente já voa helicóptero, o uniforme já é verde, então, não precisa ser diferente. A essência que tentamos incutir na cabeça dos mais novos é nossa operação. Estamos aqui para apoiar nosso policiamento, apoiar o bombeiro. Eles são os atores principais. Se estão precisando de apoio, vamos lá e os apoiamos. Toda a honra, todo o respeito ao policial que, agora, está passando em frente à sua casa ou para quem você liga às 3h da manhã e ele vai até você.

Nós trabalhamos para apoiar esse pessoal e, como consequência, a população paulista. Temos que ter muito zelo: a gente voa, usa verde, mas estamos aqui para apoiar a pessoa mais importante da polícia militar, que é o soldado. Ele que está lá na ponta, tomando chuva, tomando sol, vítima de violência, sendo menosprezado por vezes... é por ele que a gente trabalha.


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