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R7 Entrevista

Suspense, crime e horror: ‘Quero escrever novela na TV aberta’, diz Raphael Montes, autor da série ‘Bom Dia, Verônica’

Um dos mais vendidos do país, carioca de 34 anos fala ainda de ‘Uma Família Feliz’, livro escrito a partir de filme com Grazi e Gianecchini

Entrevista|Vivian MasuttiOpens in new window


O escritor brasileiro Raphael Montes Divulgação

Com mais de meio milhão de obras vendidas no Brasil e livros traduzidos para mais de dez idiomas, o carioca Raphael Montes, 34 anos, é uma celebridade da literatura nacional: tem romances nas listas de mais vendidos, escreveu o roteiro de um filme com Grazi Massafera e Reynaldo Gianecchini e até uma novela para o streaming.

Em conversa com o R7, ele falou sobre sua rotina de trabalho, das pistas que esconde nos livros, da amizade com Pedro Bandeira — famoso por infantojuvenis como Droga da Obediência (1984) — da influência de Agatha Christie (1890-1976) e Patricia Heisman (1921-1955) e da vontade de escrever novelas para a TV aberta.

“Como pessoa inquieta, gosto de desafios”, diz.


Criticou ainda quem considera o romance policial e de horror, gênero que o consagrou, uma arte menor e atacou tentativas de censurar o trabalho do escritor no país.

“A literatura é o lugar da liberdade, em que o autor pode vestir o personagem que quiser. [...] Como autor, tenho que sempre questionar e não dar margem para negociação. Porque não há negociação.”


Leia a seguir trechos da conversa, que aconteceu em uma sala de cinema em São Paulo.

R7 — De onde você tira toda essa psicopatia que você tem dentro da sua cabeça? Foi lendo outras pessoas ou observando a sociedade?


Tem duas autoras por quem sou apaixonado. Uma é a Agatha Christie e outra se chama Patricia Heisman. Foi a americana que escreveu O Talentoso Ripley [1955] e Pacto Sinistro [1950]. Com cada uma delas aprendi uma coisa. A Agatha me ensinou a fazer histórias com uma trama muito forte. Com muitas viradas, com um final surpreendente. Todas as minhas histórias têm essa estrutura, vamos dizer, né? Gosto quando você acha que é uma coisa e é outra. A Patricia é justamente o oposto. As tramas dela não são tão complexas. O que interessa para ela é entrar na cabeça do personagem, entender a lógica, o motivo pelo qual ele faz o que faz, pensa do jeito que pensa. E aí os meus livros todos ficam nesse equilíbrio.

Mas gosto de criar personagens dúbios, moralmente complexos. No caso de Uma Família Feliz [lançado no primeiro semestre], foi muito divertido escrever em primeira pessoa, da cabeça de uma mulher que não sabe se está sã.

R7 — Esse seu livro mais recente tem muito mais suspense do que detalhes escatológicos, como é o caso do Jantar Secreto [de 2016], no qual você vai ficando com o estômago revirado e tal. Isso foi proposital?

Meus livros são muito diferentes entre si. Tento ir experimentando várias coisas, brincando com a figura do narrador e me desafiando. Tanto que costumo dizer que, se você gosta de um livro meu, pode ser que não goste de outro. O Jantar Secreto é em primeira pessoa também, mas mistura vários elementos: tem capítulo em formato de mensagem de WhatsApp, tem desenho, tem receita. Mas sim, no caso de Uma Família Feliz, concordo totalmente com você. Até o ritmo dele é diferente dos outros. É mais imersivo, sufocante e menos histriônico.

R7 — Tem alguma parte do livro em que você indica quem é o agressor? Porque não peguei muitas...

Várias. Queria que fosse uma história que você tivesse a experiência de reler e ver que estava tudo lá. Conheço duas psicólogas que leram e falam: cara, eu matei. A Casa Torta [1955], da Agatha, me inspirou. Mas é um spoiler dizer isso [a reportagem escolheu manter este trecho por acreditar que você, leitor, não leu o romance].

R7 — Vi que Uma Família Feliz tem uma referência a um romance do Pedro Bandeira.

Cada vez mais o público jovem lê meus romances, ali pelos 14, 15, 16 anos. E o Pedro, que é um amigo querido, leu meus livros e gostou muito. Sou leitor dele desde criança, e ele me incentivou a escrever um livro juvenil, A Mágica Mortal, publicado no ano passado e que dediquei a ele. Ele falou: ‘Rapha, faltam contadores de histórias. As pessoas em geral querem fazer livros e filmes para suprir o ego. Você não. Sei porque li seus livros. Então, faça um livro juvenil’. E aí ficamos muito amigos. O Pedro é um vovozão para mim.

R7 — Você também assinou o roteiro do filme de Uma Família Feliz e ajudou a dirigi-lo. Como foi isso?

Foi muito legal. Foi a primeira vez que perdoei todos os diretores que mudaram o meu texto, porque entendi que o set de filmagem é vivo e único, e você tem que deixar acontecer.

Eu me vejo como alguém que gosta de contar histórias. E, para isso, você precisa dominar algumas ferramentas. Na literatura, são os narradores. Quando você vai para o plano visual, tem trilha, montagem, a própria atuação. Não sei se tenho vontade de dirigir televisão, séries, acho que não. Mas tem histórias que penso para o cinema.

R7 — Você escreveu a sua primeira novela [Beleza Fatal], que vai ao ar no ano que vem já gravada [no MAX]. Tem vontade de fazer novela, obra aberta?

Como pessoa inquieta, gosto de desafios. No caso de Uma Família Feliz, fiz o livro a partir do filme. Foi uma delícia escrever Beleza Fatal, que tem 40 capítulos. Então, a resposta é sim, tenho vontade de escrever uma novela na TV aberta.

R7 — E de escrever outro gênero? Posso não concordar, mas sei que o suspense, o policial, é muitas vezes rotulado como uma literatura menor.

Ficção científica e fantasia também são consideradas pela crítica, às vezes, um gênero menor. Mas não acho que sejam. Tem literatura policial mal feita, mal escrita, sem cuidado literário, sem qualquer profundidade. São livros descartáveis. Os meus espero que não sejam. Tento sempre fazer histórias que tenham personagens com complexidade, crítica social, ao ser humano ou um comentário sobre a humanidade. Uma Família Feliz fala sobre o mundo de aparência, a vida idealizada, as pressões que a mulher sofre para ser mãe perfeita e a cultura do cancelamento, do julgamento sumário.

Tento sempre fazer histórias que tenham personagens com complexidade, crítica social, ao ser humano ou um comentário sobre a humanidade.

R7 — Tivemos este ano essa polêmica do livro do Jefferson Tenório, Avesso da Pele, que fala de racismo e sexualidade e foi vetado de escolas. Qual o limite da literatura para você?

Esse caso e a situação do Prêmio Sesc [a editora Record rompeu a parceria de 20 anos com a congratulação após citar censura ao romance Outono da Carne Estranha, de Airton Souza, sobre a paixão de dois garimpeiros da Serra Pelada dos anos 1980], são duas tentativas de censurar a literatura e, a meu ver, a literatura é o lugar da liberdade, em que o autor pode vestir o personagem que quiser.

É muito grave toda essa situação. Como autor, tenho que sempre questionar e não dar margem para negociação. Porque não há negociação.

A literatura é o lugar da liberdade, em que o autor pode vestir o personagem que quiser.

R7 — E [a liberdade] do leitor de ler?

Claro que existem livros que são adultos, mas colocar, por exemplo, classificação indicativa em livro acho um absurdo. Porque o jovem de 15, 16 anos tem que ter a liberdade de refletir e, às vezes, sim, pode ser que um livro tenha uma cena de sexo. Aí, você tem que pegar e conversar com o adolescente: o que você acha disso aqui? Qual é a sua leitura? É muito melhor puxar para a conversa do que fingir que não existe. Porque fingindo que não existe é que a gente cria uma sociedade burra, sem crítica e que, por isso, vota errado, pensa errado e assim vai.

R7 — No livro Do que Eu Falo Quando Falo Sobre Corrida, o [escritor japonês Haruki] Murakami fala bastante da rotina de escrita dele. Como que é o seu processo, a sua relação com o trabalho?

Adoraria ser um autor japonês organizado, mas não sou. Até porque faço muitas coisas. Também trabalho com audiovisual sempre na paralela. Tento ter um horário para me dedicar ao livro, mas nunca é fixo.

Mas realmente vou fazendo o livro na ordem em que ele é publicado e preciso que fique bom. Ou seja, faço o capítulo um até ficar bom. Enquanto não fica bom, não faço o dois. Então, é um método muito lento.

R7 — Você tem ideia de um novo livro?

Tenho uma lista de ideias. Brinco que, entre meus livros, existe o Raphael Montes Verso. Então, em Uma Família Feliz, aparecem personagens de livros anteriores. No Jantar Secreto, tem um personagem chamado Dante, que é o protagonista e ele é livreiro. Sabe qual é o nome do livro que ele cita? Uma Família Feliz. Você acredita? Vou te que pegar de novo agora. Gosto de fazer essas brincadeiras. Então, em Uma Família Feliz, tem umas duas ou três pistas dos próximos livros que quero escrever.

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