Tourette na pista: piloto conta como transformou desafios de síndrome rara em vitórias
Atualmente correndo a Copa Hb20 e Porsche Cup, André Bragantini Jr. é tricampeão paulista e brasileiro na Fórmula Fiat
Entrevista|Ingrid Alfaya, do R7

Com mais de 30 anos de carreira no automobilismo, André Bragantini Jr. é definitivamente um piloto diferente dos outros. Isso se nota no foco e na força que sai junto com as primeiras palavras ditas nesse R7 Entrevista.
André tem síndrome de Tourette – condição neurológica caracterizada por movimentos e sons repetitivos incontroláveis. No entanto, esse diagnóstico nunca limitou André a, literalmente, correr atrás de seus sonhos.
O piloto, que iniciou sua trajetória no kart, passou por categorias como Stock Car, Turismo Nacional e Endurance, acumulando diversos títulos como os de tricampeão paulista e brasileiro na Fórmula Fiat.
Nesse ano, ele disputa duas categorias: Copa Hb20 e Porsche Cup Brasil.
André também atua como coach na formação de novos talentos e faz palestras sobre sua trajetória. Em 2022, ele lançou sua autobiografia, intitulada “Ultrapassando Limites”, onde conta os desafios dentro e fora das pistas, e sua convicção de que o automobilismo o “salvou” após o diagnóstico.
Sua carreira é gerenciada pela Projetax, agência que trabalha apenas com pilotos com deficiências diversas e que competem de igual para igual nas principais categorias do automobilismo brasileiro.
Por isso, para celebrar o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, que marca a conscientização anti-capacitista neste dia 21 de setembro, o R7 traz essa entrevista exclusiva. Confira:
R7- Como o automobilismo chegou na sua vida?
André - Eu cheguei no automobilismo pela minha família. Meu tio Arthur Bragantinifoi um grande piloto da década de 70/80 no automobilismo nacional. Meu tio teve, infelizmente, sua carreira interrompida no meio por conta de um acidente grave que ele sofreu no Chile quando ele corria de Fórmula 2. E meu pai trabalhava nos bastidores, ele sempre foi um grande chefe de equipe. Um engenheiro de pista de carros de competição. Então automobilismo, ele me foi apresentado dessa forma. E, aí, eu fui obviamente pegando gosto pela coisa e até que quando eu tinha 10 anos de idade, eu ganhei um kart em um curso que meu pai tinha me colocado e a partir daí o negócio caminhou, né? Foi bem legal.
R7- E como foi seu diagnóstico?
André - A síndrome de Tourette surgiu na minha vida quando eu tinha mais ou menos uns 5, 6 anos de idade. Mas o diagnóstico mesmo veio muito mais tarde, só quando eu tinha 22 anos de idade. Eu e a minha família, a gente passou praticamente toda a minha infância e adolescência sem saber o que eu tinha exatamente. Sem entender o que eu estava vivendo e sofrendo. E aí eu passei por muitas coisas nesse período, né? Justamente por ter um diagnóstico tardio da doença na minha vida. Então praticamente quando eu estava no início da fase adulta que eu fui realmente descobrir o que que eu tinha.
R7- Então o automobilismo acabou chegando na sua vida antes do que o diagnóstico... O esporte de alguma forma te ajudou a enfrentar essa fase?
André - Olha, eu digo até hoje que o automobilismo salvou minha vida. Eu acho que o esporte, no caso, te traz muita disciplina. Ele te traz foco, te traz concentração, e levanta a tua autoestima, principalmente, quando você consegue competir com os outros pilotos de igual para igual, nas mesmas condições. Então o fato do meu pai ter insistido tanto no começo era porque ele acreditava que o automobilismo me trazia coisas boas e que com certeza me ajudaria em toda a minha vida.
R7- A síndrome de Tourette muitas vezes é estereotipada pelos espasmos e pelos xingamentos. Como você lidou com esses sintomas?
André - Eu sempre encarei a minha síndrome de uma forma muito natural, né? Óbvio que no começo eu sofri um pouco. A gente sabe que 1% apenas da população mundial possui síndrome de Tourette. Eu procurei identificar os sintomas gerais e os sintomas que eu tinha. Eu nunca tive o sintoma da Coprolalia, que é o hábito de falar palavras obscenas, palavrões, no meio de uma frase aleatória, mas os tiques vocálicos foram muito presentes na minha vida, principalmente, na fase de adolescência. Eu soltava muitos gritos e tinha tiques motores também. Eu sempre gesticulei muito cabeça, boca e olhos. Os meus espasmos eram muito constantes.
R7 – As corridas são um ambiente de muita adrenalina. As pessoas gritam, gesticulam e até xingam, dentro e fora das pistas. De alguma forma foi espaço mais confortável para você?
André - Por um lado, a ansiedade, o nervosismo, a tensão, o estresse, naturalmente pioram os espasmos. Eu percebo que quando está chegando na semana de uma corrida, eu começo a ficar um pouco mais agitado e meus espasmos mais intensos. Por outro, por eu fazer algo que eu foco tanto e amo muito fazer, eu fico muito mais tranquilo. Então é um equilíbrio entre as duas coisas.
R7- Você acha que o automobilismo é um espaço fértil para inclusão e que existe a possibilidade de incluir outros tipos de diagnóstico?
André - O automobilismo hoje tem um olhar muito grande de inclusão, tanto que eu sou agenciado. A minha carreira é gerenciada pela Projetax, que é um time que trabalha somente com inclusão no automobilismo. Eles cuidam de quatro pilotos com deficiência. Além de mim, a equipe tem o Douglas Mattos, que é o primeiro piloto com paralisia cerebral do país, o Matheus Santos, que é cadeirante, e tem o Dimy Kalinowski, que é o primeiro e único autista federado e pratica o kartismo.
R7 - Como é a sua convivência com os outros pilotos e as equipes? A síndrome te atrapalhou de alguma forma?
André - Sempre foi muito legal. O pessoal do meio sempre me acolheu de uma forma muito carinhosa. Eles sabiam da minha luta com a minha família. Óbvio que eu tive uma provocação ou outra no início da minha carreira, eram pilotos que queriam me provocar para me tirar um pouco do sério (risos), para tirar minha concentração. Teve um piloto que chegou a fazer o uma tentativa de abaixo assinado dizendo que meus espasmos ofereciam riscos para minha pilotagem. Então eu passei por algumas coisas assim, mas de modo geral sempre tive muito apoio.
R7 - Se você pudesse dar um conselho para um jovem que tem o mesmo diagnóstico que o seu, qual seria?
André - Ótima pergunta. Eu diria, para ser resiliente e não deixar de ter fé, né? Eu sou uma pessoa que eu tenho muita fé. Eu creio muito em Deus e eu sempre acreditei que o que eu tenho não é à toa, é era, tem um propósito maior. A [Síndrome] Tourette foi a minha maior professora na vida. Ela foi quem mais me ensinou a evoluir e a olhar para os outros com mais empatia. Então o que eu diria para esse jovem é: não desista nunca, seja resiliente, vai passar!















