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Henry Sobel tinha sempre uma mensagem de paz e humanismo

Ele ajudou de forma impactante na integração da comunidade judaica à vida no Brasil, desde que assumiu o rabinato na CIP, nos anos 70

|Eugenio Goussinsky, do R7

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Sobel foi uma referência para a comunidade judaica
Sobel foi uma referência para a comunidade judaica

Os sábados pela manhã tinham um gosto especial naqueles anos 80. Era época em que os meninos da minha classe estavam fazendo o bar-mitzvá, cerimônia judaica de maioridade religiosa.

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Era um compromisso, mas não tão rígido como ir à escola. Havia a natural sensação de liberdade do sábado, a cidade sem tanto trânsito, a entrada na sinagoga, após passar pelo pátio da CIP (Congregação Israelita Paulista). E as brincadeiras das crianças durante a reza.

Só parávamos para ouvir o canto do nosso amigo que fazia o bar-mitzvá ou quando levávamos uma ou outra bronca. Mas, de tudo, o que mais ficou marcado na época era aquela voz um tanto aguda, com um sotaque americano inconfundível, que destacava os "ls", os "s" e acentuava exageradamente as vogais. Era a voz do rabino Henry Sobel.


Queira ou não, correndo ou não, brincando ou sentados, enquanto ele falava, ouvíamos. Certamente ouvíamos. Aquela figura imponente, com seu volumosos cabelos ruivos, óculos, ornados por uma quipá vinho, carregava, além de seu jeito peculiar, uma surpreendente mensagem de paz, de conciliação, de crença na viabilidade do ser humano.

O violinista

Suas prédicas eram poéticas, eloquentes, sensíveis. Compreensivas e humanas. Faziam-nos ver sempre uma luz no fim do túnel, aquela luz que ele via como força divina e que nos acompanhava onde quer que fôssemos. Fazendo bagunça ou não.


Numa delas, quando, como ocorre com cada um de nós, ele vivia um momento de dificuldade, falou lindamente sobre o caso de um exímio violinista que, no ápice do concerto solo, percebe que uma corda do violino estourou.

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Discursou com tanta sensibilidade que deu até para ouvirmos, em nossa imaginação, o barulhinho da corda rompendo.


E, como sempre, extraía uma mensagem construtiva. Naquela ocasião, fazendo muita gente chorar, mostrou a coragem e a dignidade do violinista, na obstinação de continuar em sua missão, mesmo com o revés. Conseguiu, com maestria.

Sobel tinha a habilidade de falar sobre a relação de Deus com os homens, tornando-o presente, participativo, nos observando como um pai afetuoso, em qualquer lugar.

E buscava apresentar os ensinamentos da Torá aos valores do dia a dia, à nossa rotina, apontando com isso para nossos aprisionamentos criados pelo hábito, pela vaidade, pelo medo.

Era contestado por alguns. Mas acabava sendo admirado por eles por sua capacidade de lidar com as discordâncias.

Representante da comunidade

Seu espírito humanista o fazia transitar confortavelmente por todas outras comunidades, a cristã, a muçulmana, a budista, entre tantas, ajudando de forma impactante na integração da comunidade judaica à vida no Brasil, desde que assumiu o rabinato na CIP, nos anos 70, até deixar o cargo executivo, em 2007, para se tornar rabino emérito. Foi morar em Miami, mas retornava de tempos em tempos ao Brasil.

Nascido em Lisboa, Sobel morou nos Estados Unidos desde a primeira infância, onde se tornou rabino. E como se o destino tivesse batido à sua porta, aceitou de bom grado se transferir para o Brasil, país que acabou também adotando como pátria.

Neste momento, percebo que a comunidade judaica se manifesta com um fervor inédito em relação à morte de Henry Sobel.

São múltiplos posts, no Facebook, no Instagram, pessoais ou institucionais lamentando o ocorrido e lembrando os feitos do rabino, como o de se recusar a enterrar Wladimir Herzog, em 1975, na ala destinada aos suicidas no cemitério israelita. 

Ele desafiou a ditadura e foi pressionado por ela. Não se intimidou. Sabia, como dizia em suas prédicas, que Deus o observava e o protegeria na hora certa.

Costumo sempre, na medida do possível, dar um final supreendente aos meus textos. Inspirado sem dúvida no estilo de Sobel. É hora, porém, de abrir mão de vaidades, seguindo inclusive sua sugestão.

E encerro com um trecho atribuído a ele, quando Sobel justamente falou sobre como gostaria que fosse sua despedida.

"Quando eu falecer gostarei que coloquem esse texto.

Imagine que você está à beira-mar e vê um navio partindo. Você fica olhando, enquanto ele vai se afastando, cada vez mais longe, até que finalmente aparece apenas um ponto no horizonte. Lá o mar e o céu se encontram. E você diz: 'Pronto, ele se foi'. Foi aonde? Foi a um lugar que a sua visão não alcança, só isso. Ele continua tão grande, tão bonito e tão imponente como era quando estava perto de você. A dimensão diminuída está em você, não nele. E naquele momento em que você está dizendo: 'Ele se foi', há outros olhos vendo-o aproximar-se e outras vozes exclamando com alegria: 'Ele está chegando'”.

Este texto foi atribuído a ele. Mas tenho certeza de que ele é mesmo o autor. E, como naqueles dias em que bagunçávamos nos bar-mitzvá, ainda consigo ouvir aquela voz direitinho. Ela se tornou uma parte da nossa voz interior.

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