500 dias de guerra: Ucrânia tem apoio internacional, e Rússia enfrenta crise interna
Volodimir Zelensky e Vladimir Putin permanecem em disputa de narrativa, e cessar-fogo está longe de ser uma realidade
Internacional|Sofia Pilagallo e Pablo Marques, do R7
Sangue derramado, vidas perdidas e destruição de cidades inteiras. Esse é o saldo da guerra entre Rússia e Ucrânia, que teve início em 24 de fevereiro de 2022 e completa 500 dias neste sábado (8).
A esta altura do conflito, ainda não há uma previsão de cessar-fogo nem a possibilidade de um acordo de paz. Em meio à indefinição, as ofensivas têm reflexos distintos para cada um dos lados.
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"Do ponto de vista da guerra, quem está fortalecido é a Rússia, que conta com centenas de milhares de soldados que não vão abrir mão de suas posições", afirma o professor de relações internacionais James Onnig, da Facamp (Faculdades de Campinas). "Porém, do ponto de vista da comunidade internacional, existe apoio à Ucrânia, o que passa a impressão de que o país tem respaldo."
Desde o dia em que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, ordenou a invasão do território ucraniano, há uma mobilização dos Estados Unidos e de países da União Europeia para enfraquecer Moscou e dar o apoio necessário a Kiev. O poder militar, político e econômico russo é muito superior ao da Ucrânia, e é esse suporte do Ocidente que permite ao presidente Volodimir Zelensky prosseguir com a resistência de seus homens no front.
Dados do relatório anual do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri), divulgados em maio de 2023, revelam que, apesar de a Ucrânia ter aumentado em 640% seus gastos militares, o país não está nem entre as dez nações que mais investem em suas Forças Armadas. No ano em que a guerra começou, a Ucrânia teve um investimento de 44 bilhões de dólares (R$ 220 bilhões) e subiu da 36ª para a 11ª posição na lista.
A Rússia, por sua vez, aumentou seus gastos em 9%, saltando para 86 bilhões de dólares (R$ 437 bilhões). O país está entre aqueles que mais investem na área militar, com outras potências, como os Estados Unidos e a China.
Popularidade de Zelensky X crise de imagem de Putin
O líder ucraniano e o líder russo tentam usar o conflito para divulgar a própria imagem e a versão de cada um sobre a guerra para o mundo.
O presidente da Ucrânia, Volodimir Zelensky, não só tem o apoio da comunidade internacional, como, ao longo dos 500 dias de guerra, virou uma espécie de "popstar" na Europa.
O ex-comediante que foi eleito presidente da Ucrânia já discursou para as autoridades em diversos países da Europa e também para o Congresso dos Estados Unidos. Com boa oratória e falas que aproveitavam o contexto de cada público para discorrer sobre os horrores da guerra, Zelensky ganhou enorme visibilidade.
A revista Time elegeu Zelensky a Pessoa do Ano em 2022. Em março do ano passado, ele e a primeira-dama, Olena Zelenska, estamparam a capa da Caras de Portugal e da revista portuguesa Nova Gente.
Putin, por sua vez, tem a imagem afetada negativamente pela guerra. Episódios como o massacre de civis em Bucha, os ataques contra hospitais e prédios residenciais e a tensão pelo risco de um desastre nuclear na usina de Zaporizhzhia contribuem para que o líder russo tenha uma imagem negativa diante do Ocidente.
O recente motim do grupo paramilitar Wagner também afetou a imagem de Putin e causou uma crise interna no governo russo. Os soldados financiados por Moscou, que foram responsáveis por muitas das conquistas em território ucraniano, se rebelaram contra a autoridade do ministro da Defesa da Rússia, Serguei Shoigu, e deixaram explícita a falta de unidade e a dificuldade do governo russo de prosseguir com suas ofensivas.
Para o historiador Rodrigo Ianhez, o governo Putin tentou contornar a narrativa e atribuiu a falha do motim à "união do povo russo". Apesar disso, é "inevitável” que a situação criada, "de grande incerteza e possibilidade de mercenários atacarem o país”, tenha gerado uma nova crise de imagem para Putin.
O professor Onnig afirma que a tentativa de rebelião do grupo Wagner não enfraqueceu o governo Putin, mas certamente gerou um desgaste para a imagem do presidente russo. O ocorrido expôs as desavenças entre a estratégia do Exército e a de grupos mercenários, bem como questionamentos quanto ao alto-comando das Forças Armadas.
Quando acaba?
Os especialistas são enfáticos ao afirmar que a guerra na Ucrânia está longe de acabar. Enquanto o professor da Facamp James Onnig acredita que o conflito deva durar mais 500 dias, Ianhez diz que, como historiador, não gosta de fazer previsões. "Mas o fato é que nenhum dos dois tem demonstrado interesse concreto em fazer alguma negociação", lamenta.
Para ambos, um cessar-fogo em que todos os territórios ucranianos seriam devolvidos parece absolutamente improvável, uma vez que "a Rússia não deve devolver um milímetro de terra sequer", de acordo com Onnig. Isso é especialmente válido para territórios como a Crimeia (tomada dos ucranianos pela Rússia em 2014) e Donbass, onde há uma grande resistência da própria população.
Aqueles que vivem na Crimeia e em Donbass são, culturalmente, muito mais próximos da Rússia, se consideram russos e não querem se reintegrar à Ucrânia. Zelensky não tem base de apoio nessas regiões e teria que recorrer à violência para manter essas populações sob controle de seu país.