'Achei que voltaria logo', diz refugiada síria há 3 anos no Brasil
Na mala, Oula Al Saghir trouxe algumas poucas fotos e três livros. São as únicas posses que restaram depois de 7 anos de guerra na Síria
Internacional|Beatriz Sanz, do R7
Oula Al Saghir chegou ao Brasil no dia 15 de março de 2015. Naquele momento, ela não se deu conta de que a guerra que lhe fez abandonar sua casa, sua família e se mudar para um país do outro lado do mundo exatamente no mesmo dia, mas quatro anos antes, em 2011.
Oula só se deu conta da coincidência quando recebeu a reportagem do R7 em seu apartamento brasileiro, no tradicional bairro paulistano do Bixiga, no dia em que a Guerra da Síria completava sete anos.
O conflito que envolve personagens sírios e de outros países — Rússia, Estados Unidos, Turquia e Irã — já expulsou 11,5 milhões de pessoas de suas casas. Mais da metade da população síria. Oula, seu marido Salim Al Saghir e o filho Adam, fazem parte desta estatística. O mais novo, Carlos, já nasceu quando a família fugia da guerra.
Ela ainda não sabe se gostaria de retornar à Síria e criar seus filhos no lugar onde ela cresceu.
— Cada vez que me perguntam sobre isso, eu sempre tenho a mesma resposta: eu não penso sobre isso. Agora eu estou aqui no Brasil, amanhã eu não sei. Agora a gente recriou nossa vida aqui. Usamos toda nossa energia para trabalhar, para ganhar conhecimento para conseguir uma boa carreira aqui. A gente perdeu tudo lá e ia precisar construir tudo de novo.
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Vida tranquila em Homs
Oula sente tanta falta da vida tranquila em Homs, com sua grande família antes da guerra ter início, apesar de ter se adaptado à vida no Brasil.
Como sempre foi estudiosa, também tem saudades de ler em árabe. Na fuga, trouxe apenas três livros e lamenta que no Brasil é difícil encontrar outras obras em seu idioma.
É casada há seis anos com Salim e eles trabalhavam na própria empresa de agricultura antes da guerra chegar até Damasco, onde viviam desde que se casaram. Oula lembra que, em seu tempo livre, saía para se encontrar com amigos, ia ver peças de teatro e assistia filmes no cinema.
No Brasil, ela já trabalhou com culinária árabe, cantando e agora é atriz no teatro Satyros, na Bela Vista. Salim trabalha atualmente como câmera em pequenos filmes.
Fuga para o Egito
Em meados de 2013, Salim recebeu uma proposta de trabalho e mudou-se para o Egito. A esposa ficaria na Síria grávida do primeiro filho do casal.
Tempos depois, com o aumento da violência, ela foi atrás do marido, mas com o número de refugiados procurando asilo no país crescendo vertiginosamente, o governo egípcio resolveu dificultar a entrada das pessoas que fugiam da guerra.
— Eu fiquei com meu filho seis horas em um quarto de segurança e eles [os oficiais de fronteira do Egito] queriam me mandar para a Síria de novo.
Para ajudar sua esposa, Salim precisou conversar com muitas pessoas e pagar propina para que alguns funcionários deixassem ela e o bebê atravessarem a fronteira.
O primeiro pensamento de Oula era de que ela voltaria para sua casa em breve. Tanto que as únicas coisas que carregou consigo ao sair da Síria foram algumas fotos que mostravam a tranquilidade da sua vida familiar durante sua infância.
Em pouco tempo, no entanto, ela percebeu que a realidade era outra.
O caminho para o Brasil
Oula explica que os refugiados sírios não tem muitas opções de para onde ir e os principais destinos são Brasil ou Europa.
A ida para a Europa, no entanto, é repleta de receios. Geralmente, as travessias são feitas em barcos sem o mínimo básico em termos de segurança e os riscos de um naufrágio são imensos.
Além disso, a acolhida de refugiados no continente tem dividido tanto as opiniões que é indicada como uma das responsáveis pelo Brexit — a separação entre Reino Unido e União Europeia.
O medo de sofrer exclusão social ou ser vítima de discurso de ódio era muito grande, por isso a família decidiu escolher o Brasil depois de uma rápida pesquisa na internet. Apesar de terem perdido as condições de trabalhar na Síria, as economias foram suficientes para apostar na viagem mais longa.
Oula garante que não se arrepende.
— Eu não me sinto estrangeira aqui.
Ela diz que desde seu primeiro em dia em solo brasileiro teve todas as facilidades para viver no país. Oula também afirma que nunca foi alvo de intolerância nesses três anos.
A maioria de seus amigos e parentes também fugiram. Alguns poucos continuam na Síria, mas em áreas consideradas seguras.
— A vida lá é muito difícil agora. É muito caro. Eles me contam o preço dos legumes e como eles vivem sem dinheiro, tudo é material para viver. É muito difícil. Tem áreas que não têm comida nenhuma e as crianças comem plantas comuns, que não são legumes, para não passar fome.
Sua mãe e dois de seus irmãos chegaram ao Brasil depois dela e vivem em balneário Camboriú.
Português/Árabe
Mas havia uma barreira que a princípio parecia insuperável: a língua.
— Eu sinto falta de falar na minha língua mesmo, de não precisar pensar qual palavra eu conheço pra falar. Eu falo com a minha mãe, falo com meu marido, mas tem outras pessoas que eu sinto falta de falar. Agora eu preciso aprender se eu quero falar isso qual palavra ou qual gramática eu tenho que usar.
Vivendo três anos no país, Oula ainda tem problema para falar algumas palavras como “dificuldade” ou “identidade”, mas ela consegue se comunicar sem problemas com qualquer brasileiro.
Seu filho mais velho, atualmente com cinco anos, fala português, inglês e árabe. O mais novo, nascido no Brasil, ainda não fala.
Uma das preocupações de Oula enquanto mãe é a educação de seus filhos em um país com uma cultura tão diferente da sua.
— Como eles ainda são pequenos, é mais fácil. Mas tenho pensamentos sobre o futuro deles. Eles vão crescer em escolas, idioma e cultura diferentes. Eu queria que eles aprendessem nossa cultura ao mesmo tempo precisamos misturar com a cultura daqui. Eu não quero que eles se sintam estranhos.
Oula evita falar dos momentos mais difíceis que enfrentou por conta da guerra. Ela prefere olhar as coisas sempre pelo lado positivo. Em seu rosto, a expressão que permanece é a de esperança.