Anistia Internacional espera 'mais diálogo' em Cuba pós-Castros
Organização não tem acesso oficial à ilha desde 1990; legislação penal é maior desafio de cubanos em relação aos direitos humanos
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
Sem acesso oficial a Cuba desde 1990, a Anistia Internacional — organização que defende os direitos humanos com mais de sete milhões de membros em todo o mundo — espera que a ascensão de Miguel Díaz-Canel à presidência do país represente uma abertura de diálogo em diferentes níveis.
— Esperamos que haja mais diálogo — um diálogo tanto interno, que significa incluir todos os grupos de dentro do país na construção de políticas, e também mais diálogo com as instituições de fora. Cuba ainda é o único país das Américas que não permite acesso oficial à Anistia Internacional, tanto para conversar com o povo como para falar com os governos, afirma Robin Guittard, responsável de campanhas da Anistia para o Caribe, em entrevista exclusiva ao R7 .
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Segundo Guittard, a última visita da organização a Havana se deu em 1990, durante uma conferência da ONU (Organização das Nações Unidas).
— Antes disso, a última vez que estivemos no país para investigar a situação dos direitos humanos foi em 1988. Em 2016 fizemos nosso último pedido de acesso, que submetemos ao governo cubano e ainda estamos aguardando respostas.
Guittard acredita que um dos maiores desafios em relação aos direitos humanos na ilha atualmente é a legislação penal.
— Quando falamos na legislação penal cubana, falamos de algo completamente contrário às convenções internacionais. As pessoas são presas não por algo que cometem, mas por algo que as autoridades pensam que você poderia cometer. Eles têm uma legislação repressiva que existe para limitar as ações de ativistas, sindicalistas independentes ou da oposição política.
Direitos sexuais
Na comunidade internacional, existe uma expectativa de que Cuba assuma posturas um pouco mais modernas sob a batuta de Díaz-Canel.
Quando ele foi governador das províncias Villa Clara e Holguin, houve reformas estratégicas em termos de abertura ao investimento estrangeiro, propriedade privada e tolerância a temas como liberdade religiosa e orientação sexual.
O representante da Anistia, entretanto, afirma que ainda não é possível dizer que Díaz-Canel seja um líder mais aberto aos debates sobre direitos humanos.
— Todos estarão acompanhando as ações de Díaz-Canel como presidente. No que diz respeito especificamente à comunidade LGBT, houve avanços importantes em Cuba nos últimos anos. Há um trabalho para acabar com as discriminações por conta de orientação sexual ou identidade de gênero. No futuro, Cuba pode ser o primeiro país independente do Caribe a reconhecer como legítimas as uniões entre pessoas do mesmo sexo. Observamos um caminho equilibrado e esperamos que o novo presidente assuma essa agenda como sua.
Em 2010, o líder Fidel Castro admitiu publicamente que seu regime havia perseguido homossexuais no passado. Entre as décadas de 60 e 70, centenas de homens e mulheres gays na ilha foram enviados a campos de trabalho forçado sob a acusação de “desvios sexuais”.
Atualmente, uma das maiores ativistas pelos direitos LGBT no país é Mariela Castro, filha de Raúl e sobrinha de Fidel, que ocupa o cargo de diretora do Centro Nacional Cubano de Educação Sexual.
Acesso à educação
Robin Guittard admite ainda que a ilha tem mostrado progressos notáveis no que diz respeito ao acesso à educação. Em 2015, Cuba foi o único país da América Latina a cumprir os objetivos do Educação Para Todos — programa da Unesco (fundo das Nações Unidas para educação e cultura) com metas como educação e cuidados na primeira infância; educação primária universal; habilidades para jovens e adultos; alfabetização de adultos; igualdade de gênero na educação e qualidade da educação.
— Existe uma ironia aí, porque Cuba permite que sua população seja muito educada, tenha um nível de educação muito importante, mas o eleitorado sofre uma censura muito forte. Não se pode ter todo tipo de informação livre na internet, por exemplo.
Guittard conclui que, se a Anistia obtiver permissão para entrar em Cuba, vai agir como “uma organização independente de qualquer país ou ideologia”.
— Não queremos interferir no modelo político ou econômico de Cuba. O que nós faríamos seria sentar com o governo cubano e tentar entender suas perspectivas em relação aos direitos humanos. Também falaríamos com as pessoas nas ruas para compreender quais são seus anseios para começar nosso trabalho em Cuba.