Aos 20 ou aos 50, brasileiros vão ao Paraguai para se tornarem médicos
Mensalidade das faculdades é atrativo. Migrantes incluem desde aposentados em busca de sonho antigo até quem acabou de sair do Ensino Médio
Internacional|Ana Luísa Vieira, do R7
O perfil dos milhares de brasileiros que atravessam a fronteira rumo ao Paraguai e se matriculam em faculdades de medicina no país vizinho é muito diverso. É o que diz Maria Aparecida Webber, mestre em antropologia pela UFPR (Universidade Federal do Paraná) e especialista em fluxos transfronteiriços. Ela desenvolveu um estudo junto a cinco universidades que oferecem o curso de medicina na cidade paraguaia de Ciudad del Este, que faz fronteira com Foz do Iguaçu.
Em sua pesquisa, Maria Aparecida levantou que havia, no início de 2017, cerca de 8 mil estudantes na região da Tríplice Fronteira (que compreende Foz do Iguaçu, no Paraná, Puerto Iguazu, na Argentina, e Ciudad del Este, no Paraguai).
“Esses números aumentaram para cerca de 18 mil na atualidade, sendo 90% brasileiros. Há desde pessoas que acabaram de sair do Ensino Médio, com 17 anos, até aposentados tentando uma faculdade pela primeira vez. Os estados do Brasil de onde saem os alunos também são diversos. Em um levantamento com estudantes do 1º ano do curso de medicina em uma faculdade paraguaia, contabilizei brasileiros de 24 das 27 unidades federativas do nosso país”, diz.
Sonho antigo
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Um exemplo é o do paraense Cassio Martins, de 30 anos. Ele faz o primeiro semestre de medicina na UMAX (Universidad María Auxiliadora) em Assunção, a capital paraguaia. “Na minha classe há 50 alunos e 49 são brasileiros”, revela. Ele afirma que fazer o curso sempre foi seu sonho, mas faltaram oportunidades.
“Prestei vestibular para medicina aos 18 anos e não passei. Depois me casei cedo, acabei me tornando comerciante. Dois anos atrás, cogitei ir para a Argentina, mas estava em um momento difícil em relação ao meu trabalho e a crise econômica por lá também pesou contra.”
Martins se mudou para a capital paraguaia há quatro meses junto com a esposa e se mantém no país com o dinheiro de dois aluguéis que recebe no Brasil: “Pago o equivalente a R$ 850,00 na mensalidade do curso e também recebo ajuda do meu pai e da minha avó”, conta.
Um dos aspectos que o surpreenderam até agora foi a qualidade do curso: “Há quem tenha receio de que a faculdade aqui não seja tão boa quanto a brasileira, mas eles são muito exigentes no ensino. Depois que terminar, pretendo voltar para o Brasil e revalidar meu diploma”, diz.
Ana Lígia Seltrin, de 57 anos, pretende fazer diferente. Ela também se mudou para Assunção recentemente e estuda medicina na Universidad María Serrana, em uma classe em que só há brasileiros: “Tenho a ideia de montar uma clínica para atender a população carente em Assunção. Brasil, agora, só a passeio”.
No Brasil, Ana Lígia era professora na cidade de São Caetano do Sul e não teve tempo ou condições financeiras de cursar a faculdade de medicina mais cedo. Viu no Paraguai as melhores condições para realizar o desejo antigo e aproveitou a chance quando a aposentadoria chegou, dois anos atrás. Levou o marido e os dois filhos — um de 17 e outro de 23 anos.
“Aqui não tem muita infraestrutura, mas as pessoas são muito solícitas e hospitaleiras. Vim pensando que a faculdade seria fácil, só que o curso me surpreendeu positivamente porque é muito puxado. E me encantou muito também o respeito que os profissionais da área de educação recebem”, pondera.
Diversidade de estudantes
A mato-grossense Karoline Porto, de 24 anos, prestou o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) três vezes até tomar a decisão de se mudar para Ciudad del Este e estudar na UPAP (Universidad Politécnica y Artística del Paraguay), há um ano e meio.
“Não conseguiu nota para conseguir vaga em universidade federal e nós sabemos que, no Brasil, a mensalidade da faculdade particular de medicina é muito alta. Aqui no Paraguai, o valor do curso e o custo de vida estão dentro do orçamento de meus pais”, conta.
A jovem revela ter escolhido a instituição em Ciudad del Este porque já tinha colegas brasileiros fazendo faculdade por lá. Ela quer retornar ao fim do curso para revalidar seu diploma no Brasil.
“Vi provas do Revalida [exame que reconhece os diplomas de médicos que se formaram no exterior e querem atuar no Brasil] de anos passados e percebi que são perguntas difíceis sobre diferentes especialidades da medicina, mas não acho que seja impossível passar.”