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Após 120 dias, conflito na Nicarágua sai das ruas e vai para os tribunais

Daniel Ortega é apoiado por paramilitares fortemente armados, enquanto os rebeldes fazem piquetes nas universidades e também revidam com violência

Internacional|Beatriz Sanz, do R7

As manifestações ainda acontecem apesar da "normalidade" anunciada por Ortega
As manifestações ainda acontecem apesar da "normalidade" anunciada por Ortega As manifestações ainda acontecem apesar da "normalidade" anunciada por Ortega

Ao completar 120 dias, a violenta crise política e institucional na Nicarágua que deixou um rastro de centenas de mortos, desaparecidos e um governo sob pressão internacional inicia um novo capítulo. Os confrontos das ruas passam aos tribunais, num movimento que parece diminuir a violência evidente dos confrontos entre grupos pró e contra o presidente Daniel Ortega, mas não diminuem a gravidade da situação no país da América Central.

Há exatos quatro meses, milhares de nicaraguenses tomaram as ruas da capital Manágua contra a reforma da previdência que havia sido anunciada pelo presidente Daniel Ortega.

Em questão de dias, o que começou como manifestações de rua convocadas por sindicatos e movimentos sociais evoluiu para uma grave crise institucional que paralisou o país e registrou muitos episódios violentos.

Até o momento, foram registradas 351 mortes relacionadas ao conflito, incluindo a brasileira Raynéia Gabrielle Lima, que estava prestes a se formar em medicina no país e foi morta por um paramilitar em julho.

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O presidente Daniel Ortega afirma que o país está em clima de "normalidade" e foi vítima de um golpe.

Mas agora a instabilidade parece entrar em uma nova fase. Os confrontos transferiram-se para as prisões e os tribunais.

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Lei antiterrorismo e prisões

Centenas de pessoas foram presas durantes as manifestações no país. As acusações contra elas estão sendo feitas baseada na novíssima lei antiterrorismo do país.

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Segundo a doutoranda em sociologia pela USP Maria Mercedes Salgado, que é nicaraguense e estudou a Frente Sandinista, a lei foi aprovada "a toque de caixa" no mês passado pelo Congresso, que é composto principalmente por apoiadores de Ortega.

Até mesmo a ONU se manifestou contra o texto aprovado, dizendo que ele poderia ser usado para criminalizar os protestos e condenar os manifestantes.

Lei antiterrorismo foi criticada internacionalmente
Lei antiterrorismo foi criticada internacionalmente Lei antiterrorismo foi criticada internacionalmente

Nesta semana, dois importantes membros da oposição que estão presos tiveram sua primeira audiência judicial. No entanto, contradizendo as normas do país, a audiência aconteceu sem a presença de jornalistas ou defensores de direitos humanos, a portas fechadas.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) criticou a forma como a audiência aconteceu.

As mortes, as prisões arbitrárias e outras violações aos direitos humanos não são acompanhados de perto porque o governo proíbe e rechaça a entrada de organizações estrangeiras que possam investigar.

Um Grupo de Trabalho montado pela OEA (Organização dos Estados Americanos) foi proibida de entrar no país.

Apenas a CIDH teve permissão de entrar na Nicarágua, mas até agora a Comissão não entregou um relatório.

Os efeitos da violência

Salgado afirma que qualquer turista que chegasse em Manágua, capital do país, poucos dias antes dos protestos iria encontrar um país em pleno desenvolvimento.

Em 2016, o PIB da Nicarágua era de 13.000 milhões de dólares, um crescimento de 4,7% em relação ao ano anterior, por exemplo.

O professor da Escola Latino-Americana de História e Política Marco Antonio Piva destaca que o país estava no ranking de um dos menos corruptos da América Latina.

Antes do anúncio da reforma da previdência, o principal estopim para o início da crise, a Nicarágua era um país pacífico, muito procurado como um destino turístico.

No entanto, o sonho da estabilidade nicaraguense não durou muito.

Com o início dos protestos, veio também a forte repressão. O presidente Daniel Ortega é apoiado por paramilitares fortemente armados, enquanto os rebeldes fazem piquetes nas universidades e também revidam com violência.

Piva, que também estudou a Frente Sandinista em seu mestrado na USP, entende que boa parte da crise pode ser explicada pela falta de alternância de poder. Na Nicarágua, não existe limite para reeleição e Daniel Ortega já está em seu terceiro mandato.

"Um governo por três mandatos cria um cansaço na população, demanda um arejamento político", diz.

Sem previsão de guerra civil

Todo o clima de instabilidade, com centenas de mortos e feridos fez com que a situação no país ficasse cada vez mais complicada.

Situação não deve evoluir para uma guerra civil
Situação não deve evoluir para uma guerra civil Situação não deve evoluir para uma guerra civil

Por diversas vezes, autoridades de outros países, inclusive do Brasil e dos Estados Unidos — país que tem uma influência muito grande na América Central — demonstraram sua insatisfação com a crise na Nicarágua.

Para Piva, apesar do quadro de violência dos dois lados, é pouco provável que a crise evolua para uma guerra civil.

Segundo Piva, o Exército Nicaraguense, constituído durante a revolução sandinista, tem uma forte ligação com o povo e é leal à Constituição.

"O Exército não interveio na crise, as forças que atacam os civis são os paramilitares", destaca.

Segundo Maria Mercedes, Ortega deve fazer um acordo com as principais forças políticas do país para se afastar da presidência antes do final de seu mandato, em 2021 através de uma “transição dialogada”.

"Pela indignação da população, ele não deve conseguir terminar seu mandato", avalia. A socióloga acredita que novas eleições possam acontecer no ano que vem.

A influência norte-americana tão presente na história e na política da Nicarágua é apontada pelos dois especialistas como um fator que pode encurtar o tempo de Ortega na Presidência.

Migração para a Costa Rica

Segundo dados oficiais do governo costarriquenho, pelo menos 19 mil nicaraguenses já entraram com a solicitação de refúgio no país, desde abril.

Pelo menos 19 mil nicaraguenses pediram refúgio na Costa Rica
Pelo menos 19 mil nicaraguenses pediram refúgio na Costa Rica Pelo menos 19 mil nicaraguenses pediram refúgio na Costa Rica

No entanto, os números da Acnur (Agência da ONU para Refugiados) é ainda maior. Pelo menos 23 mil pessoas teriam cruzado a fronteira.

A Costa Rica é um destino de fuga comum para os nicaraguenses que decidem sair do país. Segundo o último censo, cerca de 300 mil dos habitantes da Costa Rica eram nicaraguenses. Isso equivale a 6% da população.

Além das pessoas que fugiram da violência, outros cidadãos que já estavam na Costa Rica também não desejam voltar para a Nicarágua. Afirmam que não se sentem seguros.

O governo da Costa Rica garante que ainda não se trata de uma crise de refugiados, mas admite que terá dificuldades em encontrar empregos para todas essas pessoas. O índice de desemprego na Costa Rica já chega a 10%.

Salgado recorda que a Costa Rica já tinha oferecido apoio para a Nicarágua em um caso de incêndio florestal, nos primórdios da crise, mas Ortega recusou.

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