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Violência na Nicarágua é novo capítulo na crise do populismo

Governo de Daniel Ortega tem comandado uma forte repressão, que já causou a morte de 351 pessoas em protestos vindos desde abril

Internacional|Eugenio Goussinsky, do R7

Repressão dos governos independe de ideologia
Repressão dos governos independe de ideologia Repressão dos governos independe de ideologia

Após perder as eleições presidenciais da Nicarágua para a conservadora Violeta Chamorro, em 1990, Daniel Ortega fez um discurso forte e emocionado aos seus correligionários. Quis mostrar a eles que tudo aquilo pelo qual haviam lutado não estaria perdido.

Ortega, suado, cabelos escuros, e com o lenço vermelho envolvendo o pescoço, ainda revelava doses da juventude que o impeliu à luta. E ansiava pelo retorno, depois de seu grupo ter chegado ao poder em 1984, como bastião da luta dos humildes contra a ditadura de Anastasio Somoza (no poder praticamente entre 1967 e 1979), apoiada pelos Estados Unidos.

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Ortega representava o sandinismo, conceito que segue as diretrizes originárias nas ideias anti-imperialistas de César Augusto Sandino (1893-1934).

Ortega retornou, em 2006. Agora, quase quarenta anos após a Revolução Sandinista, da qual foi um dos líderes, ele se depara, em sua quarta presidência, com a maior revolta popular no país desde aqueles tempos.

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E seu governo tem comandado uma intensa repressão, que já causou a morte de 351 pessoas. Os protestos começaram em 29 de abril último, contra uma diminuição de 5% nas aposentadorias, entre outras medidas, dentro de uma nova legislação para a Previdência.

Mas, mesmo com o presidente voltando atrás na decisão, eles prosseguiram, mantendo picos de tempos em tempos. Em todos eles, forças militares, policiais e paramilitares atuaram com violência.

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Para o professor de Relações Internacionais da Universidade de Roraima, Elói Martins Senhoras, a repressão de Ortega é um instrumento usado por governos populistas para impor suas políticas. E, nessa imposição, se esquecem até das bandeiras sociais que outrora desfraldaram.

"Tradicionalmente os governos populistas se ancoram em uma agenda social e progressista, mas, ao mesmo tempo, procuram consolidar vias de manutenção do poder, seja por meio do soft power (convencimento feito com suavidade) ou do hard power (convencimento à força). De uma maneira geral esses populistas ou neopopulistas se equilibram nessas duas balizas."

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Essa postura é antiga. Começa com os grandes impérios da antiguidade, passando pela Idade Média. Foi descrita pelo pensador fiorentino Nicolau Maquiavel (1469-1527) que afirmou que um governante pode infringir a moral somente quando isso for necessário para a manutenção do poder.

E por Theodor Roosevelt, presidente dos Estados Unidos (1901-1909), em sua famosa frase "fale com suavidade e tenha à mão um grande porrete", extraída de um dito popular africano. A linha de Daniel Ortega parece ser esta. Ele argumenta que seus opositores são movidos por forças de direita e conservadoras, para usar o "porrete".

Mesmo assim, atacou locais caracterizados pela origem popular e ideologias libertárias, como o bairro indígena de Monimbó, na cidade de Masaya, e estudantes entrincheirados na Universidade Nacional Autônoma da Nicarágua e na Universidade Politécnica.

Estes manifestantes nicaraguenses em nada se pareciam com os conservadores que formavam o grupo Contras, apoiado pelos Estados Unidos nos anos 80 e que gerou o escândalo Irã-Contras, envolvendo o governo do americano Ronald Reagan (1981-1990).

De amado a odiado

Foi uma época em que Ortega era aclamado pelos camponeses, por causa da reforma agrária que ajudara a implementar. Hoje, o líder é odiado por muitos deles. Sem limite para a reeleição, desde que ele assumiu, em 2007.

Mas a oposição, com apoio da OEA (Organização dos Estados Americanos), quer antecipação para março do próximo pleito, previsto apenas para 2021. Como em muitos partidos de esquerda na América Latina, Ortega, acusado de nepotismo e apego ao poder, agora é rejeitado pelos que antes o apoiaram.

Um pouco como ditadores do porte de Augusto Pinochet (Chile, 1973-1990) e Alfredo Stroessner (Paraguai,1954-1989), após seus abusos serem revelados e assumidos formalmente para a posteridade. Essa confusão mostra que o poder gera uma ambição cega em termos de ideologia, na opinião de Senhoras.

"Aí não é uma questão de esquerda e direita, para se manter no poder tivemos vias autoritárias de governos populistas de ambos os lados. Não é uma questão ideológica, é uma estratégia política para se manter no poder."

Há também uma semelhança no caso da Venezuela e da Nicarágua. Em crise econômica, ambos os governos, de esquerda, rechaçaram protestos com violência e apoio de grupos paramilitares. Mas, por ser uma antiga financiadora da Nicarágua, a crise econômica venezuelana também estimulou a violência do governo nicaraguense.

"Nesse momento a deterioração de mecanismo econômicos de financiamento da política pública acaba degenerando a capacidade de governabilidade. Venezuela e Nicarágua fazem parte de um mesmo eixo do caribe, da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América). Uma queda do principal braço, que é a Venezuela, acaba repercutindo em todos esses parceiros estratégicos."

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