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Após eleições conturbadas, a França aprende uma nova palavra: ingovernável

País afastou a extrema-direita do poder, mas não conseguiu travar sua ascensão, alimentada pela raiva contra a imigração

Internacional|Roger Cohen, do The New York Times

Fogueira arde perto da Place de la République, consequência da reação dos parisienses ao resultado do Segundo turno das eleições legislativas Mauricio Lima/The New York Times - 08.07.2024

Em vez de acordar na segunda-feira e encontrar um país dominado pela extrema-direita, a França acordou para se tornar um país como a Itália, onde apenas negociações parlamentares feitas com extrema meticulosidade poderão, eventualmente, estabelecer um governo de coalizão que seja viável.

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Nas eleições legislativas efetuadas em sete de julho, a França disse não ao Reagrupamento Nacional, o partido anti-imigração de Marine Le Pen. Foi uma demonstração de sua grande resistência às aventuras nacionalistas. Votou em uma esquerda ressurgente para um primeiro lugar que está longe de ser empoderador e, deixando de lado uma presidência todo-poderosa, deslocou o coração político do país para o Parlamento.

Com as Olimpíadas de Paris marcadas para começar em menos de três semanas, e o êxodo de agosto para as praias ou montanhas – característica sagrada da vida francesa –, as negociações para formar uma coalizão podem se arrastar até o outono setentrional, quando a França precisará estabelecer um governo para aprovar o orçamento. As eleições, que poderiam ter desencadeado uma revolta, criaram um impasse.

A Nova Frente Popular, aliança de esquerda que despontou na votação, embora rebelde, ficou em primeiro lugar com cerca de 180 assentos na Assembleia Nacional e exigiu imediatamente que o presidente Emmanuel Macron a convidasse para formar o governo, afirmando que apresentaria sua escolha de primeiro-ministro na próxima semana.


Essa exigência ignorou vários pontos. De acordo com o texto constitucional, é o presidente que escolhe o primeiro-ministro. Na Assembleia Nacional, com 577 assentos, a Nova Frente Popular está distante cerca de cem lugares de uma maioria viável. Não foi o programa da aliança de esquerda que a fez conquistar todos os seus assentos, mas uma combinação desse programa com a decisão dos centristas e da esquerda de formarem, no segundo turno da votação, uma “frente republicana” unida contra o Reagrupamento Nacional.

Apesar disso, Jean-Luc Mélenchon, o combativo líder esquerdista, afirmou que não negociará com potenciais parceiros de coligação, nem alterará uma única frase do programa da esquerda.


Coligações necessárias

Nada disso não é um bom presságio para dissipar o espesso nevoeiro que envolveu Paris com as eleições “esclarecidas” de Macron.

A França, com seu sistema presidencialista, não tem uma cultura de compromisso com a construção de coligações. “Não sabemos nada sobre isso, somos uma nação de aspirantes a Napoleões”, disse Nicole Bacharan, cientista política.


Os Napoleões terão agora de suportar os detalhes de uma negociação meticulosa sobre uma agenda que precisará ter o consentimento das partes que possuem opiniões muito diferentes sobre quais deveriam ser as prioridades nacionais.

Por exemplo, a Nova Frente Popular quer reduzir a idade de aposentadoria de 64 para 60 anos, um ano depois de uma luta acirrada de Macron que a aumentou de 62 para 64 anos. O presidente quer dar prioridade à redução do défice orçamental. A Nova Frente Popular quer aumentar o salário mínimo e congelar os preços da eletricidade e do gás. O governo Macron aprovou este ano uma lei de imigração mais rigorosa em relação às regras que permitem aos estrangeiros trabalhar, viver e estudar na França. A esquerda se comprometeu a tornar o processo de asilo mais generoso.

Eleitor assina o voto em um dos locais de votação em Paris Mauricio Lima/The New York Times - 08.07.2024

A divisão da Assembleia Nacional em três grandes blocos de esquerda, centro e direita não ofereceu nenhuma base imediata para a formação de uma coligação que realmente funcione.

O bloco centrista de Macron tem cerca de 160 legisladores, contra os 250 que tinha antes, e o Reagrupamento Nacional e seus aliados têm cerca de 140, contra os 89 da legislatura passada. Mais uma vez, a França afastou a extrema-direita do poder, mas não conseguiu travar sua ascensão, alimentada pela raiva contra a imigração e pelo aumento do custo de vida.

Depois de uma reunião na segunda-feira com o primeiro-ministro Gabriel Attal, Macron pediu que ele permanecesse no cargo “por enquanto” para “garantir a estabilidade do país”. Attal, que já foi um dos favoritos de Macron, apresentara sua demissão.

Attal se separou de Macron com a aparente intenção de entrar na corrida para sucedê-lo em 2027. “Não escolhi essa dissolução da Assembleia Nacional. Esta noite começa uma nova era. A partir de amanhã, o centro de gravidade do poder estará, pela vontade do povo francês, mais do que nunca nas mãos do Parlamento”, disse o primeiro-ministro em um discurso contundente no domingo à noite.

Vindo de um antigo discípulo, foi uma repreensão muito direta a Macron pelo seu estilo de governo altamente personalizado e de cima para baixo, geralmente desdenhoso da Assembleia Nacional.

Macron, cujo mandato é limitado e deixará o cargo em 2027, manteve-se em silêncio nos últimos dias, o que não é sua característica. Embora seu partido tenha perdido um terço dos assentos que possuía, as eleições não foram o desastre que se esperava dele. Escapou da humilhação e demonstrou que a grande vitória do Reagrupamento Nacional nas eleições do Parlamento Europeu não levou, inevitavelmente, ao mesmo cenário nas eleições francesas. E isso não foi pouca coisa.

Agora, espera-se que ele consulte com calma os vários partidos de um espectro de centro alargado para explorar as possibilidades de formação da coligação. “Calma” era a ordem do dia emitida pelo Palácio do Eliseu, sede da presidência.

Existem duas linhas tensas para o presidente: governar com o Reagrupamento Nacional, cujo jovem líder partidário Jordan Bardella tinha esperança de se tornar primeiro-ministro, e com o partido de extrema-esquerda França Insubmissa, de Mélenchon, que uma vez Macron acusou de antissemitismo. Ele tentará persuadir a esquerda moderada, incluindo os socialistas e os verdes, bem como os principais conservadores, a se juntarem em uma coligação.

Na quarta-feira, dez de julho, Macron esteve em Washington para a cúpula da Otan. Foi um meio de demonstrar que sua autoridade na cena internacional, uma reserva tradicional dos presidentes franceses, não diminuiu e que o compromisso francês de apoiar a Ucrânia não sofreu nenhum vacilo num momento em que a incerteza política americana é enorme.

Fase de Júpiter

Se a saúde do presidente Joe Biden é o assunto de Washington, a forma de Macron exercer o poder é o assunto de Paris. Será que agora vai ser obrigado a corrigir o rumo da “nova era” de Attal centrada no Parlamento?

“Hoje colocamos fim à fase de Júpiter da Quinta República”, disse Raphaël Glucksmann, proeminente socialista, em referência a Macron, que usou a palavra “jupiteriana” em 2016, antes de se tornar presidente, para descrever sua estratégia de governo. Um poderoso detentor de autoridade quase divina era mais atraente para os franceses, refletiu ele, do que a presidência “normal” do antecessor, François Hollande. Os franceses, sugeriu, gostam dos mistérios da grande autoridade.

Até certo ponto, ele parece ter razão, considerando os sete anos de seu governo.

“Estamos em uma assembleia dividida, por isso temos de nos comportar como adultos”, declarou Glucksmann, que liderou uma campanha bem-sucedida do Partido Socialista para as eleições do Parlamento Europeu no mês passado. “Significa que teremos de conversar, dialogar e aceitar que a Assembleia Nacional se torne o coração do poder.” Ele descreveu como “uma mudança fundamental na cultura política”.

O partido França Insubmissa representa cerca de 75 dos 180 assentos da Nova Frente Popular; os socialistas, cerca de 65; os verdes, cerca de 33; e os comunistas, menos de dez. Manter a aliança unida será um trabalho árduo, como indicam os comentários de Glucksmann.

Sendo um moderado habituado a construir coligações no Parlamento Europeu, Glucksmann, em teoria, poderia ser candidato a primeiro-ministro de uma coligação que inclui socialistas, verdes, comunistas, o bloco centrista de Macron e cerca de 60 parlamentares conservadores do partido Republicano.

Mas é claro que a abordagem e as crenças de Glucksmann entram em conflito com Mélenchon, que rejeita o diálogo com potenciais parceiros, e também colidem com Macron.

As concessões não estão disponíveis, pelo menos por enquanto.

Não há uma maneira fácil de sair do nevoeiro pós-eleitoral francês, mesmo que a chama olímpica esteja presente na capital desde 14 de julho, Dia da Bastilha, quando a França comemorou sua Revolução e a decapitação de seu monarca.

c. 2024 The New York Times Company

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