Boa sintonia e despojamento de Kim não evitaram fracasso da cúpula
Desnuclearização era tema principal de reunião. Clima amigável entre presidentes não deixou transparecer que eles não chegaram a acordo
Internacional|Da EFE
Os gestos de boa sintonia entre Donald Trump e Kim Jong-un, e o ambiente relaxado que levou o líder da Coreia do Norte a responder pela primeira vez a perguntas dos jornalistas não davam indícios de que a cúpula realizada em Hanói, a capital do Vietnã, terminaria nesta quinta-feira (28) sem acordo.
Antes de seu encontro a sós no hotel Metropole da capital vietnamita, os dois líderes se mostraram relaxados diante da imprensa, especialmente Kim, que, pela primeira vez desde que chegou ao cargo, respondeu a perguntas de um repórter estrangeiro.
A sua resposta a David Nakamura, do jornal americano "Washington Post", expressando confiança no bom desenvolvimento da cúpula, foi a primeira troca de palavras entre um líder norte-coreano e um jornalista americano desde que seu avô, Kim Il-sung, concedeu entrevistas ao "The New York Times" e "The Washington Post" no século passado.
O que parecia um fato extraordinário se transformou quase em cotidiano minutos depois, quando já dentro da sala de reuniões, junto das equipes negociadores, Kim mostrou uma postura relaxada e, alguns momentos, certa ironia em suas respostas aos jornalistas de todo o mundo.
"Chairman, chairman (cargo pelo qual Kim é chamado em inglês, equivalente a presidente), você está disposto à desnuclearização?", perguntou ao jornalista.
"Se eu não tivesse vontade de fazê-lo, não estaria aqui agora", respondeu em tom jocoso o líder norte-coreano, arrancando os sorrisos das equipes negociadoras.
"Essa é provavelmente a melhor resposta que já vocês já ouviram", comentou Trump aos jornalistas com visível satisfação.
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Cada vez mais relaxado e à vontade em seu papel, Kim despachou a pergunta de se seriam debatidos passos concretos para se chegar à desnuclearização, respondendo com certa preguiça que isto era precisamente o que tinham vindo a debater, o que provocou as gargalhadas dos presentes, sobretudo do chefe da diplomacia americana, Mike Pompeo.
"Não levantem a voz para ele. Isto não é como lidar com Trump", brincou o presidente americano com os jornalistas, enquanto Kim comentava sorridente que os repórteres pareciam "ansiosos".
Trump evitou que o líder norte-coreano tivesse que responder a uma pergunta sobre o papel dos direitos humanos nas negociações tomando a palavra para responder que "tudo está sendo discutido".
Kim mostrou o seu inovador despojamento na conclusão do breve encontro com a imprensa, cujo final ele mesmo decretou pedindo aos jornalistas que os deixassem a sós porque "um único minuto é muito valioso".
Horas antes, em seu passeio pelos jardins do hotel Metropole, já se percebia uma afinidade pessoal entre os líderes, que em algumas ocasiões trocavam comentários sem a intermediação dos intérpretes.
Enquanto Trump exibiu ao longo da cúpula sua habitual desenvoltura, evidente em seus longos apertos de mãos e os tapas nas costas de seu interlocutor, era Kim quem mostrava uma imagem muito distante de sua rigidez habitual.
O Kim seguro de si mesmo e relaxado de hoje tinha pouco a ver com o de Singapura há apenas oito meses, muito mais "engessado", e ainda menos com o titubeante jovem líder que há apenas um ano estreava na cena internacional com sua viagem de Estado a Pequim e sua reunião um mês depois com o presidente sul-coreano Moon Jae-in.
Kim também se mostrou muito distante do tom de suas aparições públicas em seu próprio país, onde nunca abandona a linguagem solene nem deixa transcender a humanidade que se esconde por trás da figura do líder supremo.
O analista John Delury, professor da Universidade coreana de Yonsei, atribuía esse novo rosto de Kim a uma possível mudança em seu estilo de liderança, "afastando-se das aspirações totalitárias de ordem e controle perfeito para um lugar mais aberto, espontâneo e imperfeito".
Apesar do fracasso da cúpula, Trump insistiu em sua entrevista coletiva posterior no tom amistoso da reunião e se mostrou esperançoso de que a aproximação entre ambos não trará ressentimentos.
"Não deixamos a reunião e saímos da sala. Foi muito amistoso, apertamos as mãos", afirmou o presidente dos Estados Unidos.