Bombardeio russo a Kiev atinge área próxima a local simbólico de massacre nazista
Área de Babi Yar, vala comum com os restos mortais de 33 mil judeus, fica a 1 km da torre de televisão atingida na capital
Internacional|Do R7
Uma camada de neve cobria os corpos das cinco pessoas que morreram no bombardeio russo da torre de televisão de Kiev, na última terça-feira (1º).
"Nos pediram para ficar longe, os sabotadores russos podem andar por aí", explicou à AFP Volodimir Rudenko, advogado de 50 anos, voluntário da defesa que passou a madrugada de quarta-feira (2) no local, à espera dos legistas.
De acordo com policiais, as vítimas, ainda não identificadas, seriam de uma família, dizimada pelo ataque: pai, mãe, filha e filho adolescentes. Eles foram mortos quando saíam de uma loja, onde fizeram compras, pouco antes do toque de recolher.
A quinta vítima é um jornalista de um canal estatal, de acordo com a credencial de imprensa encontrada entre seus pertences.
Uma caminhonete militar, com a palavra "necrotério", chegou durante a manhã e os soldados responsáveis pela retirada dos corpos carbonizados lutaram contra o frio e o choque para cobrir os cadáveres com uma lona de plástico.
A torre de televisão, uma estrutura de metal de 300 metros de altura, permanece de pé, apesar do impacto da explosão. Outra antena da televisão estatal é usada agora para continuar com as transmissões. Ao pé da grande estrutura de metal, estilhaços e destroços se encontram por dezenas de metros.
"Esta torre é nosso símbolo da verdade, das notícias verdadeiras, da informação livre: é nossa verdade que está sendo atacada", afirma Rudenko.
Massacre nazista
O local também tem outro simbolismo. Ao redor, ao longo de vários quilômetros, fica a área de Babi Yar, uma vala comum que contém os restos mortais de 33 mil judeus mortos a tiros nesse lugar, em 1941, quando a cidade estava sob ocupação nazista.
O monumento em sua memória, um parque especialmente condicionado que fica a 1 km da torre de televisão, não foi diretamente afetado pelos bombardeios.
Em meio às bétulas, o silêncio da neve é subitamente interrompido pelo som inquietante de uma sirene de bombardeio antiaéreo. As esculturas em memória das vítimas, incluindo uma enorme Menorá, o castiçal judeu, permanecem intactas, como observou um jornalista da AFP.
O presidente ucraniano, Volodmir Zelenski, que é judeu, acusou a Rússia de tentar "apagar" a Ucrânia e sua história. Ele pediu que os judeus "não permaneçam em silêncio".
Para o grande rabino da Ucrânia, Moshe Asman, que organiza a retirada da comunidade local da cidade de Kiev, o bombardeio russo contra civis no local é um "crime de guerra".
"Não consigo acreditar no que vejo", afirmou na última terça-feira (1º). Durante a última cerimônia memorial organizada há um mês, em Babi Yar, ele recorda que advertiu: "Uma guerra é muito fácil de começar, mas muito difícil de terminar".
Várias organizações judaicas expressaram sua indignação após o ataque. O memorial israelense de Shoah Yad Vashem pediu à comunidade internacional para "tomar medidas conjuntas para proteger tanto as vidas civis quanto os locais históricos, por seu valor insubstituível para a pesquisa, educação e memória do Holocausto".
"Em vez de submetê-los à violência flagrante, locais sagrados como Babi Yar devem ser protegidos", acrescentou a organização em comunicado divulgado nesta terça-feira.
O presidente russo Vladimir Putin anunciou em 24 de fevereiro uma operação militar na Ucrânia para defender os separatistas no leste do país e "desmilitarizar e desnazificar" seu vizinho, governado por um Executivo pró-Ocidente.
"Putin procura distorcer e manipular o Holocausto para justificar uma invasão ilegal de um país soberano e democrático e isso é absolutamente abominável", disse Natan Sharansky, presidente do conselho consultivo do memorial Babi Yar, em comunicado na terça-feira.
"É simbólico o fato de ter começado a atacar Kiev bombardeando o local de Babi Yar", considerou.