Brasileiras relatam momentos de medo em enchente na Alemanha
População ouviu uma sirena que avisava sobre o risco de uma inundação e momentos depois as ruas ficaram debaixo da água
Internacional|Giovanna Orlando, do R7
Chuvas intensas causaram enchentes na Alemanha no começo da semana passada. A água cobriu cidades, causando prejuízos milionários e deixando quase 200 mortos. Outros países da Europa também foram afetados, como a vizinha Bélgica, mas os estragos tiveram uma proporção menor.
“A gente jamais imaginou que fosse acontecer o que aconteceu”, diz Karoline Bebiano, brasileira que vive no país há quase três anos. Pelo Instagram, ela registrou o estado da cidade de Bad Neuenahr Ahrweiler, que ficou coberta pela água.
Segundo Karoline, ninguém tinha ideia de que aquelas chuvas fossem virar um pesadelo. “Na terça-feira, eu saí com umas amigas e a gente não tinha informação nenhuma de que viria uma enchente”, conta. Os alertas chegaram na quarta-feira (7), logo após o trabalho, quando a chefe a avisou para ficar atenta às notícias sobre os riscos de uma inundação.
Por volta das 19h naquele mesmo dia, um caminhão do governo passou pelas ruas instruindo os moradores a não saírem de casa e se prepararem para o transbordamento do rio.
“Os vizinhos começaram a pegar o que tinham de sacos de areia para colocar nas portas. Todo mundo esperava uma enchente normal”, diz Karoline. “A gente imaginava que fosse uma enchente de água até o joelho, no máximo na cintura, no pior dos casos”, relembra.
Algumas horas depois, às 23h, a sirene que era usada durante a Segunda Guerra Mundial para alertar os moradores da região sobre ataques aéreos tocou. Esse era o alerta de que um desastre natural estava para ocorrer, naquela noite a enchente estava vindo.
“Até aí, ok. A gente ficou de olho na rua para ver que horas a água ia chegar. E chegou, uma pocinha e depois começou a aumentar o volume de água numa velocidade muito grande. Foi coisa de 20 minutos e a água já estava na barriga. A água foi subindo e a gente se assustou, porque passou dos dois metros”, diz Bebiano.
Na mesma cidade, a também brasileira Marcela Amandio se assustou com o barulho do alarme. A gaúcha vive no país há menos de um ano e ainda não fala alemão fluentemente. Com a passagem do carro do governo no começo da noite, ela não havia entendido qual era o aviso. Pelo grupo de mães da escola da filha, soube que não haveria aulas no dia seguinte porque o rio poderia transbordar e afetar o caminho.
Durante a noite, uma vizinha avisou ela e o marido para tirarem o carro da garagem e pegar os documentos mais importantes.
“Depois disso, foi tudo muito rápido. Eu peguei a minha filha e alguns documentos. Vieram alguns vizinhos ajudar a levar algumas coisas para cima. Em questão de segundos, a água cobriu todo o meu apartamento. Então, a gente foi para a vizinha de cima, eu saí com a água na coxa, e a gente começou a ficar muito muito medo”, conta.
Para se salvar da enchente, que continuava cobrindo tudo que via pela frente, a família usou uma cadeira na varanda para subir no telhado da casa onde vivem.
“A minha filha começou a chorar dizendo que ia morrer porque não sabia nadar. Eu falei ‘filha, a mãe não vai deixar você morrer. A mãe vai dar um jeito, a gente vai sair daqui’”, relembra.
Com a queda da temperatura, Marcela, o marido e a filha contaram com a solidariedade de vizinhos, que emprestaram cobertores para eles se manterem aquecidos durante a madrugada.
“Eu perdi tudo. Eu salvei os documentos, algumas roupas da minha filha e alguns eletrônicos”, disse.
Sem água e sem energia elétrica
Com o escoamento da água, os moradores da região tiveram uma noção do tamanho dos estragos. Em fotos registradas nas redes sociais, é possível ver que tudo foi coberto por lama, comércios foram destruídos e carros foram arrastados por metros.
A companhia de energia elétrica também foi destruída e a previsão é de que os moradores fiquem até dois meses sem eletricidade. A água que chega é escassa e não é potável. Bebiano conta que passou dias sem conseguir tomar banho.
Autoridades locais e o governo alemão prometeram que vão ajudar as vítimas financeiramente e na reconstrução das cidades, mas, até agora, as brasileiras não sabem quando essa ajuda acontecerá.
“A comunidade está ajudando com comida, água, roupa, sapato… está surgindo ajuda do chão. Gente de regiões próximas está vindo para cá, trazendo mantimentos. Tem lugares que não foram afetados e estão oferecendo comida e banho”, relata Bebiano.
Marcela também se comove com a ajuda dos moradores da cidade onde mora, além da ajuda que recebe virtualmente de pessoas que a seguem nas redes sociais e viram seus relatos durante a enchente.
“Eu estou recebendo muita ajuda de brasileiros do Brasil e brasileiros que vivem aqui. É uma união absurda, eu não tinha noção da ajuda das pessoas”, diz. A família de Marcela organizou uma vaquinha virtual, e ela recebe doações tanto na Alemanha quanto nas contas bancárias brasileiras. “É incrível o que as pessoas estão fazendo por mim.”
De volta ao Brasil
As duas brasileiras decidiram que vão voltar para o Brasil por um tempo, até a situação na Alemanha melhorar.
“Eu e minha filha vamos para o Brasil enquanto meu esposo fica resolvendo a parte burocrática. Em uns dois meses, quando estiver tudo ok, a gente volta”, diz Marcela. “Não é fácil, mas a gente vai conseguir. A gente não vai desistir do nosso sonho da Alemanha. A gente veio para dar um futuro para a nossa filha e é isso que a gente vai fazer.
Karoline e os filhos vão ficar no Brasil até outubro, quando as autoridades estimam que a água e energia elétrica serão restabelecidas na região. Com o trabalho destruído pela enchente, ela também não sabe como ficará a renda da família em um futuro próximo.
“Muita gente me pergunta se depois disso eu tenho vontade de ir embora da Alemanha, e eu não tenho. A Alemanha é um lugar que me deu muitas oportunidades, e essa é só mais uma página para a gente virar e aprender. Podia ter sido muito pior. A gente vai reconstruir, a comunidade é muito proativa, está todo mundo se ajudando. Eu acredito que vai ficar tudo bem daqui um tempo”, conclui.