Casamento temporário: fachada para exploração sexual no Iraque
Meninas de até 12 anos podem ser casadas com homens adultos pelo tempo que eles quiserem. Religiosos ficam com uma parcela do dinheiro
Internacional|Do R7
No Iraque, homens podem se casar com mulheres, e as vezes crianças, por um tempo indeterminado para conseguir ter relações religiosas com elas sem quebrar nenhuma lei e nenhuma regra religiosa. Esses matrimônios podem durar anos, meses, semanas e até horas, tudo depende do tempo que os maridos quiserem ficar com a garota.
Uma investigação da BBC comprovou que os casamentos temporários, praticados no islã xiita e proibidos no país, são realizados por alguns clérigos. A reportagem, que durou meses, conseguiu falar com algumas das meninas e até com os religiosos, que defendem que o casamento é legal.
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No processo de apuração, a repórter Nawal Al-Maghafi não se identificava como jornalista e uma câmera oculta registrou as conversas com os clérigos e observava a realidade cruel que algumas mulheres e crianças eram submetidas.
As noivas
Uma das noivas temporárias é Mona. Aos 14 anos, um homem começou a assediá-la e a seguir no caminho da escola até a casa dela. Poucas semanas depois, o homem a apresentou a um religioso e a forçou a aceitar se casar com ele.
Ela não disse quanto tempo o casamento durou, mas agora, aos 17, tem medo de que seu futuro marido descubra que ela não é virgem. Ela acredita que o suicídio é sua única saída.
Rusul, outra mulher, disse já ter se casada tantas vezes que perdeu as contas. Tudo começou quando um homem apareceu em seu trabalho e eles começaram a conversar. Eles se deram bem e ela acreditava que ele daria um marido.
Depois de um tempo, ele a pediu em casamento. Em uma viagem a Kadhimiya, eles formalizaram o casamento. Ela, que não sabe ler, assinou um contrato que estabelecia um “dote” de 250 dólares, quase mil reais.
Quando chegaram ao apartamento do rapaz, ele tinha pressa para poder consumar o casamento. Ela conta que nos primeiros dias, tudo era perfeito e ela se sentia querida e protegida. Até que o homem desapareceu.
Clérigos ansiosos para firmar casamentos temporários
A repórter conversou com dez clérigos, e oito disseram que realizam os casamentos temporários, chamados “mutaa”. A ansiedade e disposição para encontrar noivas para os homens e firmar os casamentos se deve ao dinheiro recebido no final. Eles podem tanto oferecer uma mulher ao homem ou oficializar um casamento com uma escolhida pelo noivo.
Alguns dos religiosos não viram problemas em casar menores de idade com homens adultos. De oito, metade disse que estavam de acordo com casamentos realizados entre adultos e meninas de 12 ou 13 anos.
Um deles, Sayyid Raad, disse que não tinha nada na lei islâmica que proibisse a união por causa da idade da noiva. O único pedido era que os homens tomassem cuidado e não tirassem a virgindade das crianças.
Outro religioso disse que “a partir dos 9 anos, não há problema algum”.
O valor das meninas mais novas é maior que o de adolescentes e mulheres. “Uma criança de 12 anos é mais valorizada porque ‘ainda está fresca’. Ela será cara, a partir de 2 mil reais... e isso é só a parte que o clérigo pode ganhar”, disse um cliente para a reportagem.
Sem se importar com as meninas
A repórter relatou a completa indiferença dos homens e clérigos com as consequências e bem-estar das meninas que eles forçavam a se casar.
Uma das meninas ouvidas pela reportagem contou que um religioso a obrigava a ter relações com diversos homens, a quem cobrava grandes quantidades de dinheiro.
Em várias ocasiões, tanto os homens quanto os religiosos concordavam em enganar as meninas, que não sabiam qual o propósito real dos casamentos. Um clérigo aconselhou a um homem interessado que não dissesse a noiva onde eles estavam para que ela não pedisse explicações ou reclamasse.
A única preocupação dos religiosos é que as meninas pequenas continuassem virgens. Um repórter perguntou o que aconteceria se um homem quebrasse a regra. O clérigo perguntou se a família da criança sabia onde o rapaz vivia. Diante da negativa, ele disse que não tinha problema algum, e que ele podia seguir tranquilo.
Com a publicação da reportagem, as altas figuras religiosas condenaram a prática e os clérigos que realizavam os casamentos temporários. O Ayatolá Sistani, que escreveu livros defendendo a prática, disse que os tempos mudaram e que casamentos temporários não apareciam mais em suas publicações.