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China tenta esconder tragédias censurando o luto das famílias

Governo e imprensa oficial omitem nomes de mortos e censuram posts sobre eventos trágicos

Internacional|Li Yuan, do The New York Times

Vítimas das tragédias não passam de fatos inconvenientes que mostram as falhas do governo chinês
Vítimas das tragédias não passam de fatos inconvenientes que mostram as falhas do governo chinês

Muitas vidas inocentes foram perdidas para eventos trágicos na China no último mês, mas até agora nem o governo nem a imprensa oficial divulgaram nenhum nome. Tampouco vimos alguma entrevista com os familiares.

Entre elas estão um treinador e dez estudantes do ensino médio que integravam um time de vôlei feminino, mortos no desabamento do teto do ginásio em que se encontravam, perto da fronteira com a Sibéria. Apesar da enxurrada de demonstrações públicas de luto e revolta em todo o país, as autoridades não divulgaram a lista de vítimas – e as postagens nas redes sociais que as identificaram e homenagearam foram censuradas.

Houve também as dezenas, talvez centenas, de pessoas mortas nas enchentes que castigaram o norte e o nordeste do território chinês nas últimas semanas, as piores das últimas décadas. Os posts sobre essas fatalidades e as dificuldades que enfrentavam também foram censurados.

Em 2015, foram as 442 pessoas que pereceram quando um navio afundou no Rio Yang-Tsé; no ano passado, as 132 que não sobreviveram à queda de um avião na região sudoeste – e, é claro, as inúmeras que morreram de covid e que continuam sem nem ser um número exato.


Há mais ou menos dez anos, o governo chinês passou a exercer um controle rígido sobre a forma como as tragédias são relatadas pela imprensa e aparecem nas redes sociais. Os canais oficiais raramente divulgam o nome das vítimas, e os familiares se veem em apuros quando lamentam a perda de um ente querido publicamente ou com muito alarde.

Prova de fracasso

Esse tipo de repressão emocional em escala maciça reflete a expectativa do Partido Comunista em relação ao povo chinês: o desempenho de um único papel, ou seja, o do povo obediente e grato, independentemente do que aconteça.


"Depois de cada tragédia, nossa esperança é encontrar o nome dos mortos, de modo a podermos lhes prestar uma homenagem silenciosa dentro do peito e identificá-las para o mundo; infelizmente, esse desejo, apesar de humilde, é quase sempre impossível de ser realizado", foi um dos comentários sobre a notícia da morte das meninas do vôlei. O artigo, publicado em um portal de notícias que segue as regras de Pequim, acabou censurado.

Há um motivo para essa omissão estudada e o silêncio calculado: de acordo com a organização política chinesa, seu governo deve ser celebrado, quaisquer que sejam as circunstâncias. As vítimas das tragédias públicas não passam de fatos inconvenientes a mostrar que nem tudo sob sua responsabilidade é glorioso. Essas mortes são prova de seu fracasso.


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De fato, a determinação oficial de silenciar qualquer discussão sobre as catástrofes vem dos tempos de Mao Tsé-Tung; Xi Jinping, atual líder supremo, só faz manter a prática. "Ele quer limar a história eliminando a memória coletiva", afirma Song Yongyi, historiador de Los Angeles especializado no estudo da Revolução Cultural.

Relaxamento

Sob certos aspectos, o partido relaxou um pouco esse controle entre os anos 1990 e os 2000, período em que pessoas como a jornalista investigativa Zhang Wenmin, conhecida pelo pseudônimo, Jiang Xue, fizeram o possível para humanizar a cobertura dos desastres.

Depois do terremoto em Sichuan, em 12 de maio de 2008, no qual quase 70 mil pessoas morreram, ela e muitos outros profissionais de imprensa, artistas e ativistas tentaram registrar o nome e a história de vida de cada um dos mortos, produzindo alguns dos melhores trabalhos dos últimos tempos no país, apesar da imposição de tantas restrições.

"Antigamente, o povo chinês era descrito como 'massa' nos meios de comunicação oficiais; agora, voltou a ser tratado como uma multidão sem nome nem rosto", continua ela.

Entretanto, mesmo a liberdade de expressão limitada daqueles anos foi eliminada sob Xi, que reforçou ainda mais o domínio estatal sobre as informações e a forma como o passado é lembrado.

"Xi Jinping fez do controle histórico uma de suas políticas pessoais, pois vê a história contrafactual como uma ameaça existencial" escreve Ian Johnson, escritor que cobre a China há décadas, em seu novo livro, "Sparks: China's Underground Historians and their Battle for the Future".

Cinzas em segurança

O líder vem reforçando ainda mais esse poderio desde a pandemia – tanto que, em abril de 2020, os parentes dos moradores de Wuhan que morreram de covid eram acompanhados por seguranças na hora de retirar as cinzas dos entes queridos.

O exemplo mais recente da tentativa governamental de esconder o sofrimento coletivo é o das enchentes no norte do país. Diversas áreas em Hebei, província próxima a Pequim, foram as que mais sofreram por causa dos escoadouros abertos pelas autoridades locais, em parte para proteger Xiong'an, cidade que está sendo expandida para se tornar a capital nacional alternativa, um dos projetos favoritos de Xi. No dia oito, o governo de Hebei anunciou que 29 pessoas tinham morrido e 16 estavam desaparecidas.

Na plataforma Weibo, alguns comentários acusavam o governo de mentir sobre o número de vítimas; algumas postagens tiveram a função de comentários desativada. Outros posts aleatórios nas redes e relatos em primeira pessoa da tragédia foram censurados, entre eles reclamações sobre a ausência das autoridades quando o povo mais precisava, aparecendo apenas quando o nível das águas já tinha baixado.

No site do governo central, o destaque é uma matéria da agência de notícias oficial Xinhua, com a seguinte manchete: "Sob a liderança forte e resoluta do Camarada Xi Jinping, o Comitê Central do Partido comanda o controle das cheias, a distribuição de ajuda e a operação emergencial na província de Hebei".

Com quase cinco mil palavras, a reportagem lista as várias ações do governo, incluindo o número de alertas por torpedo que enviou, mas não menciona o número de mortos, de desaparecidos e/ou de desalojados – ou seja, a "massa" anônima que, obviamente, deve se mostrar grata pela ajuda oficial.

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