Cidade do Cabo vive à espera do dia em que ficará sem água
A pouca chuva que caiu no mês de fevereiro adiou o chamado Dia Zero para julho, mas a população já aprendeu a viver praticamente sem água
Internacional|Beatriz Sanz, do R7
Choveu na Cidade do Cabo. Uma notícia aparentemente banal, mas que fez com que a cidade ganhasse algum tempo e adiasse o Dia Zero, como está sendo chamado o racionamento total de água. Uma das três capitais da África do Sul, pode ser tornar a primeira grande cidade do mundo a ficar completamente sem água em julho. Veja imagens.
A previsão mais desastrosa era de que o Dia Zero tivesse início em abril, mas as medidas tomadas pela prefeitura da cidade e a leve chuva que caiu nas últimas semanas adiaram o desastre absoluto.
Desde o dia 1 de fevereiro, a prefeitura instituiu um limite de uso diário de 50 litros para cada pessoa. Mas o cenário pós Dia Zero é muito mais radical. Veja detalhes no quadro.
Apesar desse refresco, a situação ainda é crítica. A possibilidade de ficar sem água tem feito as pessoas estocarem água em suas residências.
O clima na cidade é de pânico, segundo alguns brasileiros que vivem na África do Sul e que conversaram com a reportagem do R7.
A brasileira Beatriz Barbosa Cezar, que mora na cidade explicou que para a realizar a limpeza da casa e dar descargas, por exemplo, ela reutiliza a água do banho. Ela já conseguiu estocar cerca de 400 litros de água mineral e outros 100 litros de água potável em casa.
Beatriz reclamou que o preço da água aumentou muito nos últimos meses. Segundo ela, um galão de 5 litros que custava cerca de 16 Rands (R$ 4,50) antes da crise, agora é vendido por 25 Rands (R$ 6,98).
“Louças são na lava louça e muitas são descartáveis. As plantas estão morrendo secas e os peixes do meu aquário já morreram quase todos”, afirma Beatriz Ela explicou ainda que grande parte da população não possui caixas d’água em suas residências.
Para Kevin Winter, professor de Geografia e Meio ambiente da Universidade da Cidade do Cabo, a culpa por esse desespero é de uma declaração que a prefeita da Cidade do Cabo, Patricia de Lille, fez, em meados de janeiro, sobre a proximidade do Dia Zero, utilizando palavras muito duras para tentar convencer a população a poupar o recurso natural.
Outro brasileiro que vive na África do Sul há 5 meses e preferiu não se identificar, contou que está assustado com a seca, mas não pensa em voltar para o Brasil, pois conheceu a seca na infância no sertão cearense, mas caso a situação se complique ainda mais e o Dia zero aconteça, sua esposa e filha voltarão para Canindé.
“[A seca] Tem piorado bastante, quando nós chegamos já sabíamos que a cidade estava passando por uma situação difícil no tocante a reservas de água, mas não sabíamos que pioraria tanto”, desabafa.
A jovem Lucille Morris é administradora de uma república na Cidade do Cabo. Ela é uma das testemunhas da diferença de tratamento entre o centro da capital e as favelas que ficam no entorno. Sua mãe ainda vive na favela de Khayelitsha.
Lucille conta que cerca de 55,6% da água da capital é destinada para áreas residenciais, enquanto os assentamentos recebem apenas 4,7% do recurso existente. Isso significa que a crise que chegou para toda a população já fazia parte da realidades nas favelas. “A crise sempre existiu para muitas pessoas”, ressalta.
Winter explica que uma das medidas que ajudou no adiamento Dia Zero, foi a paralisação de projetos de irrigação, implementada pelo Governo Federal da África do Sul.
O professor argumenta que graças a conscientização que os cidadãos desenvolveram, poupar água em casa tem sido uma tarefa mais fácil. O problema maior, na visão dele, é nos locais de trabalho, especialmente prédios do governo, grandes instituições de ensino, como escolas, e também as indústrias onde é mais difícil implementar medidas de controle.
A prefeitura de Cidade de Cabo também fez uma campanha para que os turistas que visitem a cidade e população mais rica evite o desperdício. Piscinas de hotéis e casas foram esvaziadas para que sobrasse água para beber.
O Dia Zero está sendo programado para meados de julho. Caso ele se torne uma realidade, a prefeitura da Cidade do Cabo já possui um plano de emergência.
As torneiras das casas serão fechadas e a água será limitada a 25 litros por pessoa e será distribuída em fontes espalhadas pela cidade. Os postos de distribuição de água serão monitorados pela polícia ou pelo exército sul-africano para evitar confusão entre os habitantes.
A falta de chuvas na Cidade do Cabo tem sido constante há, pelo menos, três anos. Ainda assim, o professor universitário conta que uma seca tão severa era inesperada. “Nós sempre pensamos que a mudança climática fosse ser um processo mais gradual, que teríamos tempo de nos ajustar a temperaturas mais altas, que teríamos tempo de encontrar novos recursos hídricos, mas a verdade é bem mais brutal que isso”, explica.
Para Winter, essa seca é só o início de uma crise muito maior. “É certo que teremos de nos adaptar muito rapidamente a um clima que será mais propenso a secas, mais seco no geral e com intervalos de chuva menores entre os períodos de seca. É muito duro, e além disso temos de lidar com extremos muito maiores, grandes períodos de seca intercalados com chuvas muito intensas”, finaliza.